O aperto de mãos deveria ter ocorrido 1.394 dias atrás, durante a solenidade de posse, nas escadarias do Capitólio. O cumprimento veio nesta quarta-feira (13/11), durante um encontro, na Casa Branca, entre o presidente democrata Joe Biden e seu sucessor, o republicano Donald Trump. "Bem-vindo de volta, disse Biden, em tom cordial. Os dois prometeram uma transição suave em 20 de janeiro de 2025. Antes da reunião no Salão Oval, Trump visitou o Capitólio e, em conversa com deputados republicanos, insinuou o desejo de concorrer a um terceiro mandato, algo proibido pela 22ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. "Suspeito que não voltarei a me candidatar a menos que vocês digam: 'Ele é bom, temos que fazer outra coisa'", brincou Trump. Os congressistas que testemunharam a cena minimizaram o incidente e o trataram como "brincadeira".
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Biden e Trump estavam acompanhados por seus respectivos chefes de gabinete: Jeff Zients e Susie Wiles. "Faremos tudo o que pudermos para garantir que você esteja acomodado, que tenha o que precisar", disse o atual presidente ao republicano. "A política é dura e, em muitos casos, não é um mundo muito agradável. Hoje é um mundo agradável, e eu aprecio muito isso — uma transição tão suave quanto pudermos", respondeu Trump, que será o novo inquilino da Casa Branca em 69 dias.
Alguns bastidores da reunião foram revelados por assessores de Biden. A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, contou que Trump chegou com "uma lista de perguntas detalhadas". O presidente (Biden) enfatizou que "o apoio contínuo dos Estados Unidos à Ucrânia beneficia a segurança nacional", afirmou, por sua vez, Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional de Biden. Na tarde de ontem, os republicanos confirmaram o controle de todo o Congresso americano, depois de conquistarem a maioria da Câmara dos Representantes.
Horas depois da reunião, Trump divulgou mais nomes para compor o gabinete. O congressista republicano Matt Gaetz foi confirmado como procurador-geral dos Estados Unidos. "Poucas questões nos Estados Unidos são mais importantes do que acabar com a partidarização do nosso sistema judicial," escreveu Trump nas redes sociais. "Matt vai acabar com o governo partidário... e restaurar a fé e confiança dos americanos, que foram profundamente abaladas, no Departamento de Justiça."
O senador Marco Rubio foi formalmente anunciado para comandar o Departamento de Estado americano. Rubio é "uma voz muito poderosa para a liberdade" e "um guerreiro destemido que nunca recuará diante de nossos adversários", declarou Trump sobre o novo secretário de Estado. Filho de imigrantes cubanos, o novo chefe da diplomacia de Washington afirmou que trabalhará com Trump "todos os dias para implementar sua agenda de política externa". "Sob a liderança do presidente Trump, traremos a paz através da força e sempre colocaremos os interesses dos americanos e dos Estados Unidos acima de tudo", acrescentou. A pasta da Inteligência Nacional ficará sob a batuta da ex-congressista democrata Tulsi Gabbard, que tornou-se simpatizante de Trump.
"Professor emérito de direito constitucional na Universidade de Harvard, Laurence H. Tribe classificou de "ridícula" a menção de Trump a um terceiro mandato. "Ao contrário das Constituições cuja linguagem é tratada como puramente aspiracional ou sugestiva, a dos Estados Unidos é obrigatória. A Carta Magna proíbe, especificamente, um terceiro mandato para o presidente", explicou ao Correio.
Alex Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard, aposta em uma transição suave entre os governos Biden e Trump, mas prevê "solavancos" inevitáveis. Ele disse à reportagem que a noção de Trump concorrer novamente em 2008 é uma "fantasia". "Isso não ocorrerá. O presidente eleito não conseguiria as super maiorias exigidas para modificar a Constituição. Acho que é apenas uma fantasia relacionada ao medo de se transformar em um presidente pato manco — mais uma figura simbólica, sem poderes reais", acrescentou. Keyssar explicou que a alteração da Constituição dependeria da aprovação de dois terços de ambas Casas do Congresso (Senado e Câmara dos Representantes) e de três quartos dos governadores.
De acordo com Bruce Ackerman, professor de direito e de ciência política Universidade Yale, quando George Washington se recusou a concorrer a um terceiro mandato, em 1796, estabeleceu um precedente respeitado por todos os sucessores, até que Franklin Delano Roosevelt rejeitou a medida e concorreu à Presidência por quatro ocasiões consecutivas, vencendo cada uma dessas eleições até morrer no cargo, em 1945. "Apesar da extraordinária popularidade de Roosevelt, a Constituição foi rapidamente revisada para proibir qualquer presidente de seguir seu exemplo. A 22ª Emenda prevê explicitamente: 'Nenhuma pessoa será eleita para o cargo de presidente por mais de duas vezes'. O texto foi promulgado na Constituição na época em que Dwight Eisenhower assumiu o cargo, em 1952", afirmou, por e-mail. Ele entende que o convite de Trump aos congressistas republicanos para "fazerem algo", a fim de que ele concorra novamente, é absurdo.
Ainda segundo Ackerman, os democratas deixaram claro que respeitam a decisão dos eleitores de Trump, em 5 de novembro passado. "Isso sinaliza para uma transição direta, em 20 de janeiro. "As crises somente virão depois, quando Trump se envolver em ações claramente inconstitucionais", advertiu.
Ucrânia
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexyi Haran lembrou ao Correio que, durante a campanha eleitoral, Trump deu declarações contraditórias sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. "Especialistas têm falado sobre a imprevisibilidade do presidente eleito em relação à Ucrânia, à China e ao Irã. Nós esperávamos que Nikki Haley (ex-embaixadora dos EUA na ONU) e Mike Pompeo (ex-secretário de Estado), ambos pró-Kiev, estivessem no governo Trump, mas não foram escolhidos para o gabinete. Mike Waltz, o novo conselheiro de Segurança Nacional, e Marco Rubio, cotado para ser o secretário de Estado, são simpáticos à Ucrânia e têm uma retórica dura contra a Rússia. No entanto, ajudaram a bloquear pacotes de ajuda para Kiev, por entenderem que a prioridade deve ser a segurança nas fronteiras", explicou.
Haran teme que qualquer cessar-fogo mediado pelo governo Trump ajude as forças russas a se reagrupar para um contra-ataque. "Para nós, é muito importante não reduzir o apoio militar à Ucrânia, mas aumentá-lo. Quase todas as noites sofremos ataques de drones e de aviões russos. É difícil prever o que Trump irá propor sobre a guerra. As nomeações para o gabinete parecem mais ou menos adequadas para o que a Ucrânia precisa, mas temos que aguardar."
NOVAS NOMEAÇÕES
Departamento de Justiça
Matt Gaetz, 42 anos, deputado republicano pelo estado da Flórida, foi indicado por Trump para o estratégico cargo de procurador-geral. Conhecido pela lealdade, Gaetz defendeu o presidente eleito em suas batalhas legais e processos de impeachment. Especialistas apostam que Trump ordenará ao novo procurador-geral o arquivamente de processos aos quais responde na Justiça.
Inteligência Nacional
A ex-congressista Tulsi Gabbard, 43, foi a primeira hindu e a primeira pessoa de Samoa Americana a ocupar uma cadeira no Congresso dos Estados Unidos. Ex-democrata, Gabbard foi acusada de espalhar notícias falsas russas. Em 2019, chegou a votar a favor do impeachment de Trump. No ano seguinte, disputou as primárias contra o atual presidente Joe Biden.
Departamento de Estado
Marco Rubio, 53, senador republicano pela Flórida, foi confirmado como secretário de Estado dos EUA. Com posições duras sobre a China e o Irã, ele se alinha a figuras da extrema direita na América Latina, como Jair Bolsonaro e o presidente argentino, Javier Milei. Rubio chegou a ser cotado para ser vice na chapa eleitoral de Donald Trump.
EU ACHO...
"A Constituição dos EUA exige a aprovação de dois terços da Câmara e do Senado, antes que o Congresso possa propor a revogação da 22ª Emenda. No entanto, os republicanos terão apenas maiorias mínimas no Congresso, que ficarão muito aquém de dois terços quando assumirem o poder em janeiro. Se Donald Trump ignorasse os comandos da Emenda no fim de seu mandato atual, seu golpe de Estado encontraria enorme resistência popular — levando à sua expulsão do cargo de maneira semelhante ao recente fracasso de Bolsonaro em desafiar os termos explícitos da Constituição brasileira."
Bruce Ackerman, professor de direito e de ciência política Universidade Yale
"O presidente eleito Donald Trump representa uma ameaça à democracia norte-americano. Principalmente por sua conduta durante o primeiro mandato como presidente e por suas declarações, desde então, serem incompatíveis com as premissas do autogoverno e do Estado de Direito. A alteração do limite de dois mandatos exigiria, além da maioria no Congresso, dois terços dos votos nas legislaturas estaduais. Não existe maneira nenhuma de essas maiorias serem reunidas em apoio à prorrogação dos mandatos presidenciais."
Laurence H. Tribe, professor emérito de direito constitucional da Universidade de Harvard
QUEM É O LÍDER DA MAIORIA NO SENADO
John Thune foi eleito líder dos republicanos no Senado dos Estados Unidos, substituindo Mitch McConnell, que ocupou o cargo por 17 anos. O senador, um republicano tradicionalista, derrotou, em uma votação secreta, Rick Scott — o candidato apoiado pelo entorno de Trump e pelo bilionário Elon Musk. A eleição de Thune, senador desde 2005, põe fim à era McConnell. Líder dos republicanos desde 2007, McConnell, um conhecedor dos meandros do poder, esteve à frente da luta contra as políticas da administração do presidente democrata Barack Obama (2009-2017) e apoiou Trump, que chegou ao poder em janeiro de 2017. Thune apoiou os gigantescos pacotes de ajuda enviados à Ucrânia, país invadido pela Rússia em fevereiro de 2022, mas não deixou claro se continuará a fazê-lo no mandato de Trump.
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