Corrida à Casa Branca

Artigo - Trump versão 2.0

Professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristina Soreanu Pecequilo analisa a vitória do republicano nas eleições presidenciais e as expectativas sobre o novo governo

Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo
 -  (crédito: Arquivo pessoal)
Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo - (crédito: Arquivo pessoal)

POR CRISTINA SOREANU PECEQUILO 

A vitória do ex-presidente republicano Donald Trump nas eleições dos EUA, assim como de seu partido na Câmara, no Senado e em diversos governos estaduais vem sendo definida de diversas maneiras: histórica, atípica, surpreendente, catastrófica e vários outros adjetivos que poderiam ser aqui longamente listados. Também prevalece um sentimento de indignação de parte da sociedade, associado ao passado e ao presente de Trump, ao medo do futuro e da desconstrução da democracia. De todos estes adjetivos e indignação, nascem as perguntas: por que tantos eleitores moderados e de minorias de gênero, raça, religião e etnia diversas votaram em Trump e nos republicanos, atribuindo-lhes um mandato tão incondicional, que em muito excedeu suas bases mais radicais e polarizadas? A memória do eleitorado é tão curta que esqueceu os riscos de um governo Trump, dos processos de impeachment, dos crimes pelos quais foi condenado (e ainda pode ser) e de sua desconstrução da Constituição?

A resposta a todas as indagações reside no fato de que a maioria dos eleitores em 2024 votou em Trump, apesar destes problemas, como uma escolha de ignorar estas dinâmicas, crises e riscos, e não por causa deles, em apoio a suas ações ou atitudes. O resultado das urnas refletiu preocupações concretas do eleitorado, muitas delas associadas ao governo Biden e à sua vice Kamala Harris, que, desde o ano passado, estavam muito claras em todas as pesquisas de opinião: crise econômica, inflação elevada da moradia, dos alimentos e da energia, preocupação com a segurança pública e o acesso à saúde, a epidemia de drogas (principalmente os opioides), o encolhimento do mercado de trabalho nos setores mais tradicionais da economia e a crise migratória nas fronteiras.

Diante destes fatos concretos, o Partido Republicano optou pelo caminho da reconstrução da coalizão democrata que a levou à vitória inúmeras vezes, e que foi relembrada pela última vez na eleição de 1992, com Bill Clinton: o operário tradicional e as comunidades rurais; o trabalhador braçal sem educação universitária; as pessoas comuns, que somente desejam um pedaço do sonho americano e sua anterior grandeza. Os temas — que haviam sido explorados por Trump em sua vitória, em 2016, e deixados um pouco de lado no radicalismo de 2020 — foram retomados em 2024, diante de uma gestão democrata de baixa popularidade (cerca de 40%) e de uma percepção de quase 70% de americanos de que o país "estava no caminho errado".

Por outro lado, os democratas mantiveram uma campanha mais abstrata, deixando de compreender a complexidade e multidimensionalidade de quem é, e o que busca, o cidadão norte-americano. Neste vácuo, prevaleceu o lado utilitarista e a busca de uma América forte, que, como disse Trump, entrará em uma nova era de ouro. Por mais contraditório que possa ser, Trump, em uma campanha radical, conseguiu o apoio daqueles cansados da polarização e que buscam resultados imediatos.

Dificilmente Trump cumprirá todas as suas promessas. Os problemas são estruturais, e graves, para os EUA em um mundo em conflito e em uma sociedade em desencanto. Porém, Trump não se furtou a falar destes problemas e dar soluções (até mesmo mágicas) para todos eles, diferente de Harris. Assim como em 2016, Trump não é a causa do novo ciclo de direita e do conservadorismo que se inicia nos Estados Unidos (que tinha sinais prévios na Europa e na América Latina) ou do aumento da tolerância do eleitor com comportamentos antidemocráticos, mas, sim, um sintoma da necessidade de uma autocrítica das forças progressistas para que ouçam mais o eleitor, sem julgá-lo, até pelo bem e a preservação dos direitos de todos e dos regimes democráticos.

Cristina Soreanu Pecequilo é professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora de A reconfiguração do poder global em tempos de crise

postado em 07/11/2024 06:05
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