No último domingo, o carro em que o ex-presidente boliviano Evo Morales (2006-2019) estava foi alvejado por pelo menos 10 tiros. Em entrevista exclusiva ao Correio, por telefone, o líder cocaleiro e fundador do partido Movimento ao Socialismo (MAS) culpou o presidente Luis (Lucho) Arce pelo atentado, falou sobre o pedido de investigação internacional sobre o ataque, acusou o governo de mobilizar franco-atiradores para conter protestos e contou ter sido alvo de declarações ameaçadoras das autoridades nos últimos anos.
Que tipo de ajuda internacional o senhor espera para investigar o atentado sofrido no domingo?
Infelizmente, a Justiça boliviana está subordinada ao Poder Executivo. Não existe independência judicial. Por isso, pedi a participação internacional. Pode ser por parte das Nações Unidas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), além de outras instituições, organismos internacionais de defesa dos direitos humanos ou mesmo personalidades. Acabam de me informar que o ministro da Defesa, Edmundo Novillo, por instrução de Arce, determinou concentrar os franco-atiradores na Escola de Tiro Olímpico Militar do Exército (Etome) e na Escola de Sargentos de Exército de Cochabamba. É uma aberta declaração de guerra ao povo boliviano mobilizado. Qualquer ato de sangue será de exclusiva responsabilidade do presidente e do ministro da Defesa.
O presidente Lula chegou a lhe telefonar para prestar solidariedade?
Não, não me telefonou e tampouco lhe telefonei.
Como foi o atentado sofrido pelo senhor?
No domingo, eu me dirigia a uma entrevista para a Kawsachun Coca, rádio das seis Federações do Trópico de Cochabamba. Na porta da nova divisão do Exército boliviano, no munícipio de Tiraque, um veículo saiu do acostamento e bloqueou a nossa passagem. Outro carro atravessou a pista também para nos bloquear. Eu disse: "Isso é uma emboscada. Acelere!". Quando passamos, imediatamente dispararam. Uma jornalista que estava conosco nos disse para que abaixássemos. Foi então que atiraram mais três vezes. Um segundo carro que nos acompanhava também foi alvo de disparos. O nosso carro levou dez disparos; o outro, cerca de 20 disparos. Eu ouvi quatro disparos e, depois, mais 14. Eles queriam me destroçar politicamente. Não puderam. Fracassaram. A ideia era deixar Evo sem bases políticas, sem partido. Fracassaram. Tenho dois meios de comunicação. Tampouco puderam destruí-los. Nos âmbitos sindical e orgânico, seguimos com as bases. Finalmente, atentaram contra a minha vida.
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Chegou a ver os atiradores? Eles usavam máscaras?
Sim. Eles estavam dentro de um carro emprestado. Não usavam máscaras. Os disparos atingiram o assento da jornalista que estava conosco. Se ela não tivesse se abaixado, teria levado três balas nas costas. O motorista do segundo carro de nosso comboio ficou ferido. Dispararam onde eu estava sentado. Eram franco-atiradores. O atentado foi bem planejado. Não pude acreditar em tantos disparos. Em todos os governos neoliberais desde 1988, quando comecei como líder sindical, fui processado. Mas nunca vi um tiroteio como agora, com Lucho Arce. Sinto que a Mãe Terra, Deus e, sobretudo, meus pais, salvaram a minha vida.
A quem acusa pela tentativa de assassinato?
Por que eu digo que foi (o presidente) Lucho Arce? Em agosto de 2022, durante uma reunião, o presidente lançou um plano para inabilitar politicamente Evo.
Arce disse que o senhor inventou o atentado...
Não consigo entender como ministros mentem. Cheguei à Presidência da Bolívia sem formação acadêmica. Escutei a mensagem do ministro do Governo. Eu carrego armas? Eu tenho armamentos? Eu disparei e preparei uma emboscada contra mim mesmo? Não há um policial ferido? Em vez de processarem a quem atirou contra mim, estão me processando. Respondo a três processos: do Ministério do Governo, por tentativa de assassinato; pelo reitor da Universidad de Santa Cruz, por terrorismo; e um terceiro também por terrorismo. Meu crime foi organizar a marcha para salvar a Bolívia, em setembro, que reuniu 3,4 milhões de pessoas. Os processos se inserem em uma campanha totalmente suja. Segundo uma pesquisa recente, 87,5% dos bolivianos veem esses processos como um ato de perseguição política e 71,4% creem que voltarei a ser presidente. Hoje, respondo a 15 processos. É uma perseguição política.
Um dos processos o acusa de se relacionar com uma menor..
A menina pediu que não falássemos mais sobre isso. Eles têm me investigado sobre esse tema desde 2020. Não encontraram nada. A investigação foi rejeitada. Ponto final.
O senhor havia sofrido alguma ameaça?
Em 2021, no primeiro ano de gestão de Lucho (Luis) Arce, ele começou a preparar um "plano sombrio" para destroçar Evo politicamente e a outros líderes da área de Chapare, como o presidente do Senado, Andronico Rodríguez, e o senador Leonardo Loza. Entre 2022 e 2023, o general Juan José Zúñiga, que deu o autogolpe, permanentente dizia, em suas reuniões do Estado-Maior do Exército, que era necessário "baixar" Evo. No termo militar, isso significa matar. Eu prestei o serviço militar obrigatório e conheço bem essa história. Em 25 de julho deste ano, o deputado governista Rolando Cuella afirmou: "Se Evo não quiser sair dentro de um caixão, de Senkata (local de massacre de apoiadores do ex-presidente, em 2019), deve suspender sua autoproclamação". Em 15 de agosto, ao ser perguntado de Evo indicará um pacto de unidade arcista para convocar o Congresso, a resposta do diretor de comunicação do governo Arce foi, textualmente: "É preciso matá-lo". Já existia um plano.
Qual são seus projetos políticos?
O governo insinua que Evo vai escapar. Em 2018, tive que sair do país para salvar a minha vida. Agora, quero que saibam: não partirei. Ficarei com o meu povo para resistir.
Como vê os protestos que se espalham pelo país?
Este é um governo de traição, de corrupção — pessoal, familiar e institucional. É uma gestão ruim. Por que o povo se levanta? Porque não há gasolina. Nos 14 anos de meu governo, nunca houve um dólar paralelo. A cesta básica subiu 15%, 20%. Também existe uma proteção ao narcotráfico. Como responsável e fundador do MAS, tenho a obrigação de salvar a nossa revolução, para salvar a Bolívia com o povo boliviano. Meu crime é ser índio. Evo levou 14 anos no poder, eleito com o voto popular. É um recorde desde a fundação da República. Ganhamos as eleições em 2019 e nos deram um golpe de Estado. Alguns grupos não aceitam que um índio possa garantir a soberania de um povo. O capitalismo e o imperialismo não aceitam um novo modelo econômico que garanta o crescimento econômico. Nos primeiros seis anos de meu governo, a Bolívia ficou em primeiro lugar em crescimento econômico na América do Sul. Por que o golpe de Estado? Eu iniciei um plano para instalar 41 plantas para industrializar o lítio até 2030. Em uma publicação no X, Elon Musk disse que financiou o golpe de Estado por causa do lítio. Estados Unidos e Inglaterra financiaram o golpe de Estado. Não querem que os bolivianos deem valor agregado aos recursos naturais. Arce está conduzindo o país à falência e busca eliminar Evo como candidato a presidente. No passado, me acusaram de narcotraficante, terrorista, assassino. Buscaram e nada encontraram. Como não podem me derrotar, querem me matar. Alguns ex-presidentes me chamaram depois de domingo. O presidente Arce, nada. Se não me telefona, é o responsável...