Oriente Médio

'Tive que demolir minha casa por ordem de Israel': despejo de palestinos em Jerusalém Oriental aumenta durante guerra em Gaza

Grupos de direitos humanos dizem que o número de casas demolidas quase dobrou desde 7 de outubro de 2023

Andando em meio às ruínas do que costumava ser sua casa, Ahmad Musa al-Qumbar, de 29 anos, diz que sempre temeu que um dia as autoridades da cidade de Jerusalém viessem atrás dele.

O palestino casado e pai de quatro filhos construiu uma modesta casa de apenas um pavimento há sete anos, em terras de sua propriedade e onde sua família vive há gerações.

Mas Ahmad nunca teve autorização oficial para construir.

Ele mora no distrito de Jabal Mukaber, em Jerusalém Oriental. Com vista para a Cidade Velha e seus muitos monumentos religiosos históricos, trata-se de uma das partes mais densamente povoadas e fortemente disputadas da região.

O distrito foi tomado por Israel da Jordânia na guerra do Oriente Médio de 1967 e depois anexado, mas é internacionalmente amplamente considerado território palestino.

O controle de Jerusalém é uma das questões mais controversas do conflito de décadas. Os palestinos reivindicam oficialmente Jerusalém Oriental como sua capital, enquanto Israel considera toda a cidade sua capital.

“Quem” tem permissão para construir e “onde” é grande parte do conflito.

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O pai de quatro filhos teve que contratar as máquinas que derrubariam sua própria casa

Deslocamentos

E o ritmo com que casas palestinas estão sendo demolidas na Jerusalém Oriental ocupada quase dobrou desde o início do conflito em Gaza, dizem grupos de direitos humanos e organizações de monitoramento. As demolições são ordenadas pela autoridade municipal de Israel, que diz que muitas construções, como a de Ahmad, foram erguidas de forma ilegal, sem permissão.

Uma ONG, Ir Amim, diz que “sob o disfarce da guerra”, Israel está “deslocando os palestinos à força de suas casas e da cidade”.

“Eu tive que demolir minha casa após ser alvo de penalidades pela polícia e pelos tribunais israelenses”, conta Ahmad nos escombros do que costumava ser sua cozinha.

“Eu não poderia pagar as multas e correr o risco de perder coisas como plano de saúde e o seguro das crianças. Claro, recorremos ao tribunal, mas eles se recusaram.”

Como muitos na mesma situação, Ahmad contratou ele mesmo, a contragosto, máquinas pesadas para derrubar sua casa. E conta que as autoridades da cidade de Jerusalém teriam cobrado o equivalente a US$ 100 mil se tivessem sido elas a realizar o serviço.

O que talvez tenha tornado tudo ainda mais doloroso - destruir o trabalho de sua família e o futuro de seus filhos com as próprias mãos.

Quase todas as tentativas de solicitar permissão de planejamento feitas por famílias palestinas em Jerusalém Oriental são negadas pelas autoridades israelenses. E famílias em crescimento dizem não ter escolha a não ser construir ilegalmente e enfrentar as possíveis consequências - multas enormes e ordens de demolição.

Alguns dizem que a lei e os tribunais estão sendo deliberadamente usados para suprimir o crescimento e as ambições palestinas.

“Essas comunidades palestinas pedem permissão, e entre 95% e 99% dos pedidos são negados”, diz Shay Parnes, porta-voz da organização israelense de direitos humanos B'Tselem.

“Isso vem acontecendo há anos”, continua Parnes.

“Às vezes eles usam motivos de segurança para justificar, mas é sempre sob parte do mesmo processo de expulsar palestinos... porque a lei é diferente para diferentes comunidades que vivem lado a lado na mesma cidade.”

No lado ocidental predominantemente judaico da cidade, o que costumava ser um horizonte de edifícios de pedra branca relativamente baixos mudou drasticamente nos últimos anos. A construção está em ritmo acelerado.. Os guindastes operam praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana, com novos arranha-céus residenciais e comerciais subindo e aquele lado de Jerusalém se expandindo.

A construção também é intensa em algumas áreas de Jerusalém Oriental em que a terra foi reivindicada por Israel para dar lugar aos assentamentos judaicos. Em Har Homa, estima-se que 25.000 pessoas agora vivem em casas novas, em terras formalmente expropriadas por Israel em 1991.

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Har Homa é um dos maiores e mais polêmicos assentamentos judeus em Jerusalém Oriental

Do outro lado da estrada estão as aldeias palestinas de Umm Tuba e Sur Baher, onde muitas instalações públicas são claramente inferiores às de Har Homa.

Em forte contraste com o trabalho de construção do outro lado da rodovia, várias casas foram demolidas à força por aqui nos últimos anos, no que a Anistia Internacional descreve como “uma violação flagrante do direito internacional e parte de um padrão sistemático das autoridades israelenses para deslocar os palestinos à força”.

A situação é semelhante no assentamento de Gilo, que se expande rapidamente no que é considerado internacionalmente como Jerusalém Oriental ocupada, enquanto, argumenta-se, aos subúrbios palestinos vizinhos não é permitido crescer no mesmo ritmo.

A comunidade internacional considera os assentamentos israelenses em Jerusalém Oriental ilegais sob o direito internacional, mas o governo israelense contesta. Israel também nega que as demolições fazem parte da política deliberada de discriminação que ganhou ritmo coberta pela distração acusada pela guerra em Gaza.

Em um comunicado, o município de Jerusalém disse que as acusações eram “absolutamente falsas” e que tinha apoio local para “grandes planos de construção em quase todas as áreas de Jerusalém Oriental”.

Os planos “visam dar opções para a expansão do bairro, abordar a questão generalizada da construção ilegal e designar áreas para a construção de estruturas de serviço municipal”, acrescentou.

Mas não é difícil encontrar exemplos de onde as ordens de demolição israelenses contra casas palestinas estão sendo aplicadas em Jerusalém Oriental.

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Famílias como a de Lutfiyah dizem que ficarão e reconstruirão suas vidas em Jerusalém Oriental

No subúrbio de Silwan, logo abaixo da Cidade Velha, encontramos outra casa palestina em ruínas. Lutfiyah al-Wahidi diz que o anexo havia sido construído para a família de seu filho há mais de uma década, mas agora as autoridades vieram atrás.

“Mesmo que ergamos apenas um tijolo, as autoridades vêm e o demolem. Como nossa casa os prejudicou? É em terra na qual duvido que as autoridades tenham interesse.”

A avó diz que pagou milhares de dólares em multas judiciais ao longo dos anos em vã tentativa de manter a propriedade.

“Meu filho tem uma família de seis pessoas com apenas um provedor. Que mal eles estão fazendo? Ainda querem demoli-la”, diz ela, com sua família ainda maior e dispersa por outras partes da cidade.

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A família de Lutfiyah está espalhada por diferentes partes de Jerusalém Oriental agora

Em uma análise compreensiva, a organização Ir Amim descobriu que, desde a eclosão da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023, "houve uma grande aceleração na promoção e liberação de novos planos de assentamento em Jerusalém Oriental e um aumento dramático na taxa de demolições de casas palestinas".

"O governo israelense está claramente explorando a guerra para criar mais fatos", continua.

Estima-se que haja pelo menos 20.000 pedidos de demolição pendentes em Jerusalém Oriental - pedidos que não têm limite de validade.

Especialistas também dizem, no documento, que desde 7 de outubro, membros de extrema-direita do governo de Benjamin Netanyahu e do Município de Jerusalém ficaram mais seguros para expressar publicamente sua intenção de ver mais casas judaicas construídas em terras ocupadas ou contestadas.

E embora os palestinos, como as famílias de Ahmad e Lutfiyah, ficam visivelmente com mais medo de perder suas casas, eles insistem que ficarão e, eventualmente, reconstruirão suas vidas aqui em Jerusalém Oriental.

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