Os Estados Unidos deram um prazo de 30 dias para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, solucionar a crise de ajuda humanitária à Faixa de Gaza, sob pena de sofrer interrupção no fornecimento de armamentos por parte de Washington. Uma carta assinada pelos secretários norte-americanos Antony Blinken (Estado) e Lloyd Austin (Defesa) e enviada ao ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, e ao titular da pasta de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, lista uma série de demandas, como a entrada diária de 350 caminhões com donativos ao território palestino através das quatro passagens fronteiriças controladas pelas Forças de Defesa de Israel (IDF). As autoridades de Washington também exigem a facilitação de rotas para entrega de ajuda por meio da Jordânia e o fim do "isolamento" no norte da Faixa de Gaza. O ultimato da Casa Branca veio no mesmo dia em que a ONU alertou sobre o fato de a população da Faixa de Gaza enfrentar as piores restrições que limitam a ajuda humanitária desde o início da guerra, em 7 de outubro de 2023.
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Blinken e Austin afirmaram que a quantidade de ajuda entregue a Gaza caiu cerca de 50% em setembro, o mês com o menor montante de doações desde o início da guerra. Também nesta terça-feira (15/10) foi divulgada a informação de que Israel avisou os EUA que não alvejará instalações nucleares e petrolíferas do Irã e que a retaliação ao ataque com mais de 200 mísseis, em 1º de outubro, se focará em centros militares.
A palestina Dalal Iriqat, professora de diplomacia da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia), admitiu ao Correio que o ultimato dos Estados Unidos a Israel reflete as crescentes preocupações internacionais sobre potenciais violações do direito humanitário internacional, particularmente a Quarta Convenção de Genebra, que determina a proteção de civis e a ajuda humanitária em tempos de guerra. "Na condição de ator estatal, Israel tem obrigações legais de prevenir sofrimento civil desnecessário, garantir a proporcionalidade no uso da força e distinguir entre combatentes e não combatentes. Israel fracassou em abordar essas preocupações humanitárias e corre o risco de enfrentar desafios legais internacionais, como o processo na Corte Internacional de Justiça, que poderiam isolá-lo ainda mais, diplomaticamente, e levar a sérias consequências para sua posição na comunidade internacional", comentou.
Ainda de acordo com Iriqat, os Estados Unidos, na condição de potência global e país aliado-chave de Israel, têm falhado em manter suas responsabilidades legais e morais ante o direito internacional. "Como signatários de tratados internacionais como a Convenção sobre Genocídio e as Convenções de Genebra, os EUA são obrigados não apenas a prevenir e punir o genocídio, mas também a garantir o cumprimento pelas partes que apoiam", destacou a especialista. Ela acredita que intervenções humanitárias robustas, uma maior responsabilização dos EUA e esforços diplomáticos significativos são essenciais para acalmar a situação e garantir que os direitos humanos sejam priorizados na busca por uma solução justa, começando pela imposição de um cessar-fogo.
Por sua vez, Daniel Bessner — professor de política externa americana da Universidade de Washington — disse ao Correio ser prematuro saber se Netanyahu levará a sério o ultimato dos Estados Unidos. "Ao analisarmos o último de relações israelo-americanas, em que o governo Joe Biden, quase sem pensar, forneceu apoio geral a Israel, creio que é sensato ser cauteloso ao considerar se a Casa Branca realmente imporá restrições à ação israelense em Gaza e no Oriente Médio", observou.
Líbano
Sob ofensiva incessante das IDF, o movimento libanês xiita pró-Irã Hezbollah ameaçou realizar ataques "em todo" Israel. O número dois do grupo, Naim Qassem, fez um pronunciamento no qual alegou que a "solução" para pôr fim à guerra no Líbano é um "cessar-fogo". Ele frisou, no entanto, que o Hezbollah não será derrotado. "Uma vez que o inimigo israelense apontou contra todo o Líbano, temos o direito, a partir de uma posição defensiva, de apontar contra qualquer lugar" de Israel, "seja no centro, no norte ou no sul", afirmou Qassem.
O movimento xiita lançou foguetes contra várias regiões do norte de Israel, incluindo as cidades de Haifa e Safed. As IDF informaram que Wadah Kamel Younis, integrante do Hezbollah capturado no fim de semana, foi interrogado pelos militares israelenses. Segundo um comunicado de imprensa, Younis disse que, depois do assassinato do xeque Hassan Nasrallah, membros da Força Radwan, unidade de elite do Hezbollah, partiram em debandada. "Falta de fé, pessoas sem religião, vieram para receber dinheiro e só isso, eles tinham medo (de Israel)... queriam responder a um ataque, avançar para a Galiléia, após o assassinato de Hassan (Nasrallah), ninguém viu nenhum deles", contou.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, anunciou que viajará, nesta quinta-feira (17/10), para o Líbano, onde a missão de manutenção de paz da ONU (Unifil), para a qual a Itália contribui, foi alvo de disparos israelenses. Ela salientou que uma retirada da Unifil ditada por Israel constituirá um "grave erro", depois de Netanyahu pedir ao chefe da ONU, António Guterres, que colocasse os capacetes azuis fora de perigo "imediatamente".
Netanyahu diz que vitória na guerra de 1948 criou Israel, e não a ONU
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, negou a própria história e a diplomacia ao responder a uma declaração do presidente da França. Emmanuel Macron afirmou que "o senhor Netanyahu não deve se esquecer de que seu país foi criado por uma decisão da ONU" — em alusão à votação, em novembro de 1947, pela Assembleia Geral da ONU, do plano de partilha da Palestina em um Estado judeu e um Estado árabe. O premiê israelense assegurou que o seu país deve a própria existência à vitória na guerra árabe-israelense de 1948 e não à aprovação de sua criação pelas Nações Unidas.
"Um lembrete para o presidente da França: não foi a resolução da ONU que estabeleceu o Estado de Israel, mas a vitória obtida na guerra de independência com o sangue de combatentes heroicos, muitos deles sobreviventes do Holocausto, inclusive do regime de Vichy", que colaborou com a ocupação nazista da França (1940-1944), afirmou Netanyahu em um comunicado.
Para a palestina Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia), a declaração de Netanyahu ignora o papel crucial desempenhado pela legitimidade internacional, particularmente por meio do reconhecimento da ONU, na criação do Estado de Israel. "Embora a Guerra Árabe-Israelense de 1948 tenha sido um evento chave na formação das realidades territoriais de Israel, o seu reconhecimento legal e diplomático está enraizado na Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU, o Plano de Partição de 1947, que forneceu a estrutura para estabelecer tanto uma União Judaica como uma Comunidade Árabe", explicou ao Correio. "Afirmar que Israel deve a sua existência apenas à vitória militar mina a importância do direito internacional e do princípio da diplomacia. Tal narrativa corre o risco de marginalizar o direito do povo palestiniano à autodeterminação, que foi igualmente reconhecido na mesma resolução", acrescentou Iriqat.
EU ACHO...
"A contínua ajuda militar dos EUA para Israel, apesar da crise humanitária em curso na Faixa de Gaza, desperta preocupações significativas sobre seu comprometimento com o direito internacional e com os direitos humanos. Ao não tomar medidas contundentes, de forma prematura, os EUA correm o risco de serem cúmplices de violações do direito internacional humanitário e enfrentam crescente pressão para alinhar suas políticas com suas obrigações legais e morais."
Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia)
"No momento presente, o relacionamento entre EUA e Israel continua bastante robusto. Resta saber se a democrata Kamala Harris derrotará o republicano Donald Trump na próxima eleição presidencial. Se ela perder por causa de sua falta de aval em áreas do Alto Centro-Oeste, onde vivem muitos árabes-americanos, isso pode forçar o Partido Democrata a repensar seu apoio inquestionável a Israel."
Daniel Bessner, professor de política externa americana da Universidade de Washington