Na manhã deste sábado (12/10), uma mensagem foi publicada nas redes sociais por um porta-voz dos militares israelenses. Ela alertava a população de uma área conhecida como 'D5', ao norte de Gaza, para fugir para o sul.
D5 é um quadrado na grade sobreposta aos mapas de Gaza pelas Forças de Defesa de Israel (FDI). É um bloco dividido em várias dezenas de áreas menores.
A mensagem, a mais recente divulgada, afirmava: "As FDI estão operando com grande força contra as organizações terroristas e continuarão a fazê-lo por muito tempo. A área designada, incluindo os abrigos ali localizados, é considerada uma zona de combate perigosa. A área deve ser evacuada imediatamente através da estrada Salah al-Din para a área (de ajuda) humanitária."
Um mapa está anexado com uma grande seta amarela apontando do bloco D5 para o sul de Gaza. A estrada Salah al-Din é a principal rota norte-sul.
A mensagem não promete um regresso rápido aos locais onde as pessoas viviam, uma área que foi pulverizada por um ano de repetidos ataques de Israel. O cerne da mensagem é que as FDI usarão "grande força por muito tempo". Em outras palavras, não espere voltar tão cedo.
O ponto de ajuda humanitária designado por Israel na mensagem é al-Mawasi, anteriormente uma área agrícola na costa perto de Rafah. Ele está superlotado e não é mais seguro do que muitas outras partes de Gaza. A BBC registrou pelo menos 18 ataques aéreos na área.
O Hamas enviou suas próprias mensagens às 400 mil pessoas que restam no norte de Gaza, uma área que já foi o coração urbano da Faixa, com uma população de 1,4 milhões de habitantes.
O Hamas pede que a população não abandone a região. O sul, aponta o grupo, é "igualmente perigoso". Além disso, o Hamas avisou os moradores de que será permitido regressar.
Muitas pessoas querem permanecer, apesar dos ataques aéreos e dos bombardeios de artilharia israelense. Quando desci para uma área com vista para o norte de Gaza, pude ouvir explosões e ver colunas de fumaça subindo. A intensidade me lembrou dos primeiros meses da guerra.
Até agora, quase 42 mil palestinos foram mortos pela forças de Israel, segundo o ministério da Saúde de Gaza, gerido pelo Hamas.
Algumas das pessoas que permaneceram no norte de Gaza, quando tantas outras já fugiram para o sul, fizeram isso para ficar com familiares vulneráveis. Outros são de famílias com ligações com o Hamas. Sob as leis da guerra, isso não os torna automaticamente beligerantes.
Uma tática que tem sido utilizada no último ano por civis que querem evitar as operações das FDI sem correr riscos no superlotado e perigoso sul de Gaza é fugir para outro local no norte. De Beit Hanoun para a Cidade de Gaza, por exemplo, enquanto os militares israelense operam perto de suas casas ou abrigos. Quando o exército avança, eles retornam.
As FDI estão tentando impedir que isso aconteça, de acordo com colegas da BBC que mantêm contato diário com os palestinos em Gaza. Os militares estão canalizando famílias que se deslocam em uma única direção, por Salah al-Din, a estrada principal para o sul.
Israel não permite que jornalistas entrem em Gaza para reportar a guerra, exceto em viagens breves, raras e supervisionadas de perto pelas FDI.
Os jornalistas palestinos continuam a fazer um trabalho corajoso. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas afirma que pelo menos 128 trabalhadores palestinos da área de comunicação social foram mortos em Gaza desde o início da guerra.
No norte de Gaza, desde que Israel voltou à ofensiva, repórteres estão filmando famílias fugindo em pânico, muitas vezes com crianças pequenas ajudando e carregando mochilas enormes.
Um deles enviou uma breve entrevista com uma mulher chamada Manar al-Bayar, que corria pela rua carregando uma criança.
Ela afirmou, enquanto caminhava e corria ao sair do campo de refugiados de Jabalia, que "eles nos disseram que tínhamos cinco minutos para deixar a escola de Fallujah. Para onde vamos? No sul de Gaza há assassinatos. No oeste de Gaza eles estão bombardeando as pessoas. Para onde vamos, Deus?"
A jornada é difícil. Às vezes, dizem os palestinos em Gaza, as pessoas em deslocamento são alvejadas pelas FDI. Eles insistem que os soldados israelenses sigam regras de combate estritas que respeitem o direito humanitário internacional.
Mas a chefe de proteção da Assistência Médica aos Palestinos, Liz Allcock, afirma que as provas apresentadas pelos civis feridos sugerem o contrário.
"Quando recebemos pacientes em hospitais, um grande número de mulheres, crianças e adolescentes recebem tiros diretos na cabeça, na coluna, nos membros. Isso indica um ataque direcionado."
Mais uma vez, a ONU e as agências de ajuda humanitária que atuam em Gaza afirmam que a pressão militar israelensa está piorando o que já é uma catástrofe humanitária.
Mensagens de pessoas desesperadas estão sendo enviadas dos poucos hospitais que ainda estão de pé no norte de Gaza.
Elas informam que os postos de atendimento estão ficando sem combustível para alimentar os geradores que mantêm vivos pacientes gravemente feridos. Alguns hospitais relatam que os seus edifícios foram atacados pelos israelenses.
A suspeita entre os palestinos, a ONU e as agências de ajuda humanitária é que as FDI estão gradualmente adotando parte ou a totalidade de uma nova tática para "limpar" o norte de Gaza, conhecida como o "Plano dos Generais".
Essa tática foi proposta por um grupo de oficiais superiores reformados liderados pelo major-general (aposentado) Giora Eiland, ex-conselheiro de segurança nacional.
Tal como a maioria dos israelenses, os generais estão frustrados e zangados porque, um ano após o início da guerra, Israel ainda não alcançou seu objetivo de "destruir o Hamas e libertar os reféns" capturados em 7 de outubro de 2023.
O "Plano dos Generais" é uma ideia nova que os seus instigadores acreditam poder, da perspectiva de Israel, quebrar o impasse.
No seu cerne está a ideia de que Israel pode forçar a rendição do Hamas e do seu líder, Yahya Sinwar, aumentando a pressão sobre toda a população do norte.
O primeiro passo é ordenar aos civis que fujam para o sul de Wadi Gaza, uma corrente leste-oeste que se tornou a linha divisória em Gaza desde a invasão de Israel, em outubro do ano passado.
O general aposentado Giora Eiland acredita que Israel deveria ter feito um acordo imediato para recuperar os reféns, mesmo que isso significasse a retirada total de Gaza. Um ano depois, "outros métodos são necessários", diz ele.
Em seu escritório no centro de Israel, ele expôs a essência do plano.
"Como já cercamos a parte norte de Gaza nos últimos nove ou 10 meses, o que deveríamos fazer é dizer a todos os 300 mil residentes (a ONU estima em 400 mil) que ainda vivem na parte norte de Gaza que eles têm de deixar esta área en 10 dias para sair através de corredores seguros que Israel fornecerá", afirma Eiland.
"E depois desse tempo, toda esta área se tornará uma zona militar. E todo o povo do Hamas ainda terá, no entanto, sejam alguns deles combatentes, sejam eles civis… Eles terão duas opções: se render ou morrer de fome."
Eiland quer que Israel feche as áreas assim que os corredores de evacuação forem bloqueados.
Qualquer um que ficar para trás seria tratado como um combatente inimigo, avalia Eiland.
A área ficaria sob cerco, com o exército bloqueando a entrada de todos os suprimentos de alimentos, água ou outras necessidades básicas. Ele acredita que a pressão se tornaria insuportável e o que o "restante do Hamas desmoronaria rapidamente", libertando os reféns sobreviventes e dando a Israel a vitória que almeja.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA), da ONU, aponta afirma que a atual ofensiva de Israel em Gaza teve um “impacto desastroso na segurança alimentar de milhares de famílias palestinas”.
As principais passagens para o norte de Gaza, diz, foram fechadas e nenhuma ajuda alimentar entrou na região desde 1 de outubro.
As cozinhas móveis e as padarias foram forçadas a parar de funcionar devido aos ataques aéreos. A única padaria em funcionamento no norte, apoiada pelo PMA, pegou fogo depois de ser atingida por uma munição explosiva. A situação no sul é quase igualmente terrível.
Não é claro se as FDI adotaram o Plano dos Generais de maneira parcial ou total, mas as provas circunstanciais do que está sendo feito em Gaza sugerem que o plano é, no mínimo, uma forte influência nas táticas utilizadas contra a população. A BBC apresentou uma lista de perguntas às FDI, mas não recebeu resposta.
Os extremistas ultranacionalistas do gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, querem substituir os palestinos no norte de Gaza por colonos judeus.
Entre muitas declarações que fez sobre o assunto, o ministro das finanças, Bezalel Smotrich, afirmou: "Os nossos heroicos combatentes e soldados estão destruindo o mal do Hamas, e ocuparemos a Faixa de Gaza… para dizer a verdade, onde não há acordo, não há segurança."
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