Guerra no Oriente Médio

Entrada de tropas israelenses em Gaza completa um ano

Moradores relatam ao Correio como a vida ficou marcada pelo constante medo da morte, pelo luto e pela batalha da sobrevivência, em meio à destruição

Há exatamente um ano, depois de seis dias de intensos bombardeios, os 2,4 milhões de palestinos da Faixa de Gaza começaram a lidar com a presença de tropas e tanques israelenses. No entanto, as forças do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu haviam imposto um cerco total ao território em 9 de outubro, 48 horas após o massacre promovido pelos terroristas do Hamas. Cerca de 2 mil deles invadiram o sul de Israel, executaram 1.205 judeus e sequestraram 251. De acordo com a Organização das Nações Unidas  (ONU), pelo menos 90% dos moradores de Gaza foram obrigados a fugir de casa pelo menos uma vez desde o início da guerra. Israel insiste que a operação militar busca desmantelar o Hamas como grupo armado e resgatar os reféns ainda em poder da facção. 

Aos 32 anos, Ashraf Eldous, profissional de marketing digital, perdeu 40 familiares nos bombardeios de Israel. "O norte da Faixa de Gaza testemunha um deslocamento humano incomum e enfrenta a fome", afirmou ao Correio o morador da Cidade de Gaza, que também foi forçado a fugir. Ele se recorda de quando a guerra começou, em 7 de outubro. "Eu me levatentei às 6h, liguei o computador e comecei a trabalhar. Comecei a conversar com meus amigos sobre o conflito. Acreditávamos que tudo acabaria em uma ou duas semanas", lembrou. Ashraf classificou como uma "péssima experiência" o momento mais tenso para ele. "Nas primeiras horas da guerra, eu estava sentado no computador jogando Call of Duty. De repente, um ataque imenso com mísseis começou. Parecia o fim do mundo."

"Dias e noites infernais"

Em Deir Al Balah, no centro da Faixa de Gaza, o engenheiro civil Mohammed Al Assar — que viveu dos 8 meses aos 16 anos no Brasil — definiu os dias e as noites na Faixa de Gaza  com uma palavra: infernais. "Durante o dia, você precisa procurar água para beber e fazer escolhas básicas para comer. Durante a madrugada, o que fazemos é esperar o amanhecer, porque dá medo sair. Em meio à escuridão, sem luz e sem água, você escuta as bombas. O nível de destruição por aqui é altíssimo. Pelas fotos divulgadas na imprensa ocidental, é possível ter uma perspectiva da real devastação. Acho que entre 60% e 70% da Faixa de Gaza estão destruídos", disse Al Assar à reportagem. 

Enquanto as tropas de Israel mantêm a invasão e os bombardeios, o engenheiro não consegue lidar com o medo da morte. Está presente o tempo todo. "É medo. Acordar, dormir e saber que, em um segundo, pode cair uma bomba do seu lado. O seu vizinho por ser alvo, ou um cara que está andando na rua. É o ano inteiro com a hipótese de morrer a cada segundo. Não tem como lidarmos com isso, mas somos obrigados a fazê-lo", admitiu Al Assar.

Perdas

Também em Deir Al Balah, a professora Huda Al Assar, 57, mãe de Mohammed, afirmou ao Correio que o último ano foi "muito difícil". "Perdemos muita gente querida; eu perdi vários alunos. Nossos filhos perderam um ano de estudo e, talvez, perderão mais", desabafou. Segundo ela, ante a destruição massiva, muitos palestinos se tornaram desabrigados e passaram a viver sob tendas. "Cada dia está ficando mais difícil conseguir água para beber ou até para nos lavar", afirmou. A guerra também impacta o custo de vida. "As frutas e os legumes estão raros e os preços, proibitivos."

De acordo com Ashraf Eldous, o Exército de Israel ainda avança em alguns setores de Gaza, que de forma limitada. "Por aqui, temos visto grandes deslocamentos de palestinos. Eu e minha família deixamos tudo para trás: desde nossas casas até os brinquedos de nossos filhos", lembrou. "Tudo ficou no passado depois que decidimos fugir para locais mais seguros."

Mohammed Al Assar sublinhou que os moradores de Gaza vivem "um dos maiores genocídios da história". "Vejo destruição, mortes de muitos entes queridos, vários massacres, perda de empregos e de casas. Em um ano, nossas vidas mudaram por completo", disse. "Depois de 7 de outubro de 2023, a vida em Gaza nunca mais foi a mesma. Não é como vocês veem na televisão, é muito pior."

Mais de 42,1 mil palestinos morreram em 372 dias de guerra — média de 113 a cada 24 horas. No total, 98.117 pessoas ficaram feridas no mesmo período, ou 263 por dia. Os dados, divulgados pelo Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas, são respaldados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Na quinta-feira passada, a Comissão Internacional de Investigação Independente da ONU acusou Israel de "crimes de guerra e crimes contra a humanidade" por atacar, de forma deliberada, as instalações de saúde na Faixa de Gaza, além de torturar e matar médicos e enfermeiros. "Israel promove uma política orquestrada de destruição do sistema de saúde de Gaza como parte da sua ofensiva em Gaza", denunciou o órgão.

 


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Eu acho...

"O Exército de Israel avança por algumas áreas, agora de forma limitada, e grandes deslocamentos de palestinos têm ocorrido. Eu e minha família deixamos tudo para trás: desde nossas casas até os brinquedos de nossos filhos. Tudo ficou no passado ao decidirmos fugir para locais mais seguros."

Ashraf Eldous, 32 anos, profissional de marketing digital, morador da Cidade de Gaza. Hoje, refugiado

 

"Viver um dos maiores genocídios da história é difícil. Vejo destruição, mortes de muitos entes queridos, massacres, perda de empregos e de casas. Em um ano, nossas vidas mudaram por completo. Depois de outubro de 2023, a vida nunca mais foi a mesma. Não é como vocês veem na televisão, é muito pior."

Mohammed Al Assar, engenheiro civil, morador de Deir Al Balah (centero da Faixa de Gaza)