ESTADOS UNIDOS

À espera do pior furacão em 100 anos, EUA deixam crise climática fora da eleição presidencial

Nem Donald Trump nem Kamala Harris têm discutido propostas para combater as mudanças climáticas, que podem agravar fenômenos como furacões

A menos de um mês das eleições presidenciais, os Estados Unidos começam a enfrentar nesta quarta, 9/10, o que pode ser o pior furacão em mais de cem anos no país.

A tempestade Milton se aproximava da Flórida na última madrugada como categoria 5, a mais alta na escala de intensidade dos furacões, provocando a fuga de casa de mais de um milhão de pessoas e " " .

Mas, ao menos na corrida eleitoral de 2024, a crise dos extremos climáticos parece não comover os dois presidenciáveis.

Em uma disputa que já incluiu discussões até sobre a falsa ingestão de cachorros por imigrantes haitianos, a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump converteram a questão do aquecimento global em um não-assunto.

Até meados de setembro, nenhum dos dois candidatos tinha lançado um plano de governo específico para o clima. E o tema não tem aparecido em debates, entrevistas ou mesmo discursos.

'Perfure, querido, perfure'

Historicamente desconectado das pautas verdes, Trump já chamou o aquecimento global de "farsa" e voltou à carga nesta campanha.

Em conversa com o bilionário Elon Musk, no X (ex-Twitter), ele disse, por exemplo, que a maior ameaça para o mundo "não é o aquecimento global, no qual o oceano vai subir um oitavo de polegada (menos de meio centímetro) nos próximos 400 anos".

Na verdade, relatórios como o de 2022 do National Oceanic and Atmospheric Administration, do governo federal americano, estimam que o nível do mar poderia subir 60 centímetros ou mais até 2100, em decorrência das alterações no clima.

Trump tem argumentado que a pressão por medidas de mitigação contra os gases do efeito estufa são um modo de outros países tentarem prejudicar a economia americana. Durante seu governo, ele abandonou tratados de metas internacionais, como o Acordo de Paris.

“Drill, baby, drill", algo como “perfure, querido, perfure”, virou um de seus bordões em comícios atualmente. É uma referência ao seu plano de explorar mais petróleo e gás, e converter o país “no maior produtor de energia do mundo”. Combustíveis fósseis são cientificamente reconhecidos como grandes responsáveis pelo aquecimento planetário.

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Harris e Trump competirão pela Presidência nas eleições de novembro

Kamala e os votos do petróleo

Se Trump está onde sempre esteve, talvez a maior surpresa seja o quase silêncio democrata no tópico.

Em seu discurso na convenção do partido, em Chicago, há algumas semanas, Kamala deliberadamente evitou o tema.

Muitas “liberdades fundamentais estão em jogo” nesta eleição, disse, incluindo a “liberdade de respirar ar puro e beber água limpa e viver livre da poluição que alimenta a crise climática”.

A essa frase se resumiu a referência feita pela presidenciável ao tema do meio ambiente ao aceitar a nomeação como candidata.

Não que Kamala não tenha o que mostrar em relação às mudanças climáticas. Na verdade, a administração Biden, da qual ela é vice-presidente, aprovou no Congresso o maior pacote da história americana de estímulo econômico para energias limpas e renováveis e inovou ao designar uma autoridade climática para centralizar o tema, o Enviado Climático John Kerry.

Mas, ao contrário do que fez o próprio Biden durante a campanha de 2020, quando chegou a citar com preocupação as queimadas na Amazônia e propor um fundo para conservar o bioma durante um debate televisivo com Donald Trump, Kamala parece ter se convencido de que o tema não atrai a simpatia do eleitorado - ou ao menos não daqueles que ela ainda precisa conquistar.

É o que sugere uma pesquisa eleitoral feita pela empresa de opinião pública Blueprint com 2,3 mil eleitores, em julho passado.

O levantamento mostrou que, enquanto a democrata conseguia atrair atenção ao defender medidas duras de combate ao crime ou a redução da inflação, por exemplo, defender seu trabalho no combate ao aquecimento global tendia a diminuir a chance de que o eleitor a escolhesse.

Em uma eleição a ser definida por uma margem provável de apenas dezenas de milhares de votos, este é um risco que ela não estaria disposta a correr.

No cálculo de Kamala, sua base está assegurada - ainda que possam ficar frustrados com seu silêncio, não teriam opção em Trump.

Uma pesquisa do Instituto Pew Research publicada em 2023 mostrou que enquanto 78% dos eleitores democratas acreditam que “as mudanças climáticas são uma grande ameaça”, apenas 23% dos republicanos e 54% dos independentes disseram o mesmo.

E apenas 37% dos americanos no geral veem o combate ao aquecimento global como alta prioridade - apenas a 17a a aparecer em uma lista de 21 medidas.

O risco eleitoral é especialmente alto em lugares centrais da disputa, como a Pensilvânia, um dos Estados-pêndulo que deve definir o novo ocupante da Casa Branca e que pratica uma extração de petróleo conhecida como fracking.

O método consiste na injeção em alta pressão de líquidos em reservas subterrâneas de xisto de modo a abrir rachaduras nessas formações e liberar gases e petróleo ali enterrados.

A prática é considerada super poluente não só por liberar gases do efeito estufa, mas por gerar enorme quantidade de líquidos descartados e impacto no meio ambiente.

Anos atrás, Kamala Harris chegou a se posicionar contrariamente à exploração de petróleo por fracking na Pensilvânia, mas recuou porque o tema se tornou central para o eleitorado da área, altamente disputado por republicanos e democratas. Trump tem dito que, se ela for eleita, abrirá “guerra contra a produção de energia” no país.

Em falas públicas, Kamala tem optado por mencionar, por exemplo, que é dona de uma arma de fogo e que não hesitaria em atirar caso alguém invadisse sua propriedade - uma pauta cara à base do republicano Donald Trump e menos conectada às demandas históricas de democratas, que buscam restrições aos acessos a armas.

E escalou outros integrantes do partido Democrata para tentar assegurar a seus eleitores que a falta de menções às mudanças climáticas nas falas da candidata não significam que ela abandonou a agenda.

“Estou totalmente confiante de que quando ela estiver em posição de efetuar mudanças positivas, ela o fará”, disse o governador democrata de Washington Jay Inslee, um dos maiores advogados do tema dentro do partido. Democratas citam ainda o histórico de medidas verdes do candidato à vice Tim Walz, governador de Minnesota, como prova de que, chegada a hora, Kamala cometerá estelionato eleitoral, tomando medidas ambientais que não prometeu durante a campanha.

Nesta quarta, ao lado do presidente Biden, que cancelou uma viagem à Alemanha para supervisionar diretamente os esforços contra a devastação causada pelo furacão Milton, a democrata mais uma vez evitou comentar sobre mudanças climáticas. Concentrou-se em pedir que os americanos em áreas possivelmente afetadas deixem suas casas e busquem abrigos seguros.

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