ELEIÇÕES 2024

Os grandes vencedores do primeiro turno das eleições municipais

Direita e centro-direita saíram vencedoras, com o PSD de Gilberto Kassab se tornando legenda com mais prefeituras.

O primeiro turno das eleições municipais chegou ao fim neste domingo (6) consolidando os principais vitoriosos nesta disputa.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que entre os grandes vencedores destas eleições estão: Gilberto Kassab e o PSD, partido que obteve o maior número de prefeituras e desbancou o MDB; e o Centrão e a direita e centro-direita, que juntos, vão comandar a maior parte das prefeituras do Brasil.

Por outro lado, os números e os especialistas apontam que, diante de um cenário complexo, outros atores importantes tiveram bons resultados, mas "com ressalvas", com alguns só selando sua sorte definitiva no segundo turno. Entre eles está o PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Entre os grandes derrotados destas eleições estão, de acordo com os analistas: o PSDB, partido que já ocupou a presidência do país por duas vezes e que tinha uma virtual hegemonia sobre a política de São Paulo - e não elegeu nenhum vereador na capital paulista; e o PDT e o clã da família de Ciro Gomes no Ceará.

Mas até entre os derrotados também há ressalvas: Pablo Marçal (PRTB) não passou ao segundo turno da capital paulista, mas ficou a uma distância mínima dos finalistas e se consagrou como um dos fenômenos da eleição.

Confira abaixo a análise detalhada:

Centrão e direita avançam no Brasil

O resultado do primeiro turno das eleições municipais materializou um cenário que era esboçado pelas principais pesquisas de intenção de voto há algumas semanas: um crescimento significativo no número de prefeituras que serão comandadas por legendas do chamado Centrão ou de direita ou centro-direita a partir de 2025.

O Centrão é o nome dado a um grupo de partidos, normalmente de centro-direita ou de direita, que orbita em torno da Presidência da República em troca de participação no governo.

Em 2020, as cinco maiores legendas do Centrão e da direita tinham 3.223 prefeituras em todo o país. Foi o equivalente a 55% de todas as cidades do país. Neste ano, esse número chegou a 3.613, um crescimento de 12% em relação a quatro anos atrás e e que representa 64% de todos os municípios do país.

A centro-esquerda só aparece com o PSB, o sétimo partido desta lista, que ficou à frente de PSDB e do PT.

O Centrão e a direita e centro-direita tiveram vitórias importantes em capitais, como Aracaju e Campo Grande. Em Salvador, por exemplo, o prefeito Bruno Reis (União Brasil) se reelegeu em primeiro turno, com 78% dos votos.

Em Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos) também foi reeleito, com 56%.

Um dos principais pontos abordados pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil é o de que a ampliação no número de prefeituras conquistadas pela direita no país é resultado de uma série de fatores e não pode ser, necessariamente, atribuído a uma suposta vitória do bolsonarismo, ainda que Jair Bolsonaro se mantenha como o principal nome deste campo político no Brasil.

O doutor em Ciência Política e diretor do Ipespe Analítica, Vinícius Alves, disse à BBC News Brasil que, historicamente, as legendas de direita levam mais vantagem que as da esquerda em eleições municipais.

Um dos motivos, segundo ele, é o maior número de partidos de direita no Brasil em comparação com as rivais à esquerda.

“Há um ambiente com maior oferta de candidatos de legendas à direita. Isso tem influência no resultado”, disse o especialista.

Um levantamento feito pela reportagem mostra que dos 29 partidos registrados atualmente junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somente nove são de esquerda ou de centro-esquerda: PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB, PSTU, UP, PSOL e PCO. Os demais ou são de direita, centro-direita ou não se manifestam sobre isso em seus estatutos.

Para o cientista de dados e CEO da empresa de análise dados AP Exata Sérgio Denicoli, as eleições deste ano trouxeram uma “consolidação” da direita no Brasil.

“Eu diria que houve uma consolidação de um espaço político que é o espaço da direita. Antes, havia um certo receio em candidatos se assumirem como de direita. Hoje, não há mais essa preocupação [...] E como o Brasil é um país muito conservador, os membros das antigas elites políticas do país usaram suas antenas para captar esse sentimento”, disse à BBC News Brasil.

Gilberto Kassab e o PSD: partido chega ao topo

Bruno Peres/MCTIC
Gilberto Kassab, quando era ministro do governo de Michel Temer, em 2018. Seu partido, o PSD, obteve o maior número de prefeituras em todo o Brasil

O PSD, liderado pelo ex-ministro Gilberto Kassab (PSD), é o partido que vai comandar mais prefeituras em todo o país. A sigla criada por Kassab venceu em 888 cidades do Brasil.

É a primeira vez que um partido fica a frente do MDB em número de prefeituras desde a redemocratização do Brasil, em 1985. Neste pleito, o MDB elegeu 861 mandatários.

Em 2020, o PSD elegeu 657 prefeitos, mas, nos últimos anos, o partido ganhou mais de 300 prefeitos com trocas de filiação.

Uma das vitórias mais importantes do PSD ocorreu no Rio de Janeiro, com a reeleição do prefeito Eduardo Paes, que se filiou ao partido de Kassab em 2021. Paes teve 60% dos votos válidos.

Ex-prefeito de São Paulo, Kassab hoje ocupa o cargo de secretário de Governo e Relações Institucionais do governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), de oposição ao governo Lula.

Mas o PSD de Kassab também está no governo de presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comandando três ministérios: o de Minas e Energia, o da Agricultura e o da Pesca.

O bom desempenho do PSD nas eleições municipais deixa o partido bem-posicionado para tentar mais espaço no governo Lula, um uma provável reforma ministerial, avalia Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria. Ele também avalia que a legenda também se cacifa para as articulações políticas das eleições de 2026 (leia mais aqui).

Bolsonaro: relevante, mas com liderança em xeque

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que Bolsonaro demonstrou força política no primeiro turno destas eleições municipais, embora o resultado geral das eleições aponte que sua liderança inconteste sobre a direita pode estar em xeque.

O PL, partido ao qual Bolsonaro está filiado, conseguiu aumentar em 52% o número de prefeituras conquistadas no primeiro turno, saindo de 344 em 2020 para 523 em 2024.

Apesar do crescimento, o número está bem abaixo das 1,5 mil prefeituras estabelecidas como meta pelo presidente nacional da legenda, Valdemar da Costa Neto.

Além disso, candidatos a prefeito com o apoio de Bolsonaro ou com imagem ligada ao ex-presidente, como Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte, Cristina Graeml (PMB) em Curitiba, e André Fernandes (PL) em Fortaleza e Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo, irão disputar o segundo turno com chances reais de vitória.

Para o cientista de dados e CEO da AP Exata, Sérgio Denícoli, Bolsonaro cometeu erros ao longo da campanha eleitoral deste ano, mas conseguiu se manter relevante no cenário político atual.

“A derrota do Marçal consolida Bolsonaro como uma liderança da direita. O Bolsonaro colocou o freio de arrumação e mandou recados para seus correligionários e conseguiu se manter como uma liderança da direita”, disse à BBC News Brasil.

Carolina de Paula, doutora em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora do projeto Monitor do Debate Público, disse avaliar que houve uma separação entre a direita e o bolsonarismo nas eleições deste ano.

"Bolsonaro teve um papel importante na consolidação da direita no Brasil, mas, ao mesmo tempo, o seu apoio se mostrou tóxico em alguns casos. Inclusive, houve candidatos de direita que não se declararam bolsonaristas com todas as forças por receio de perder o eleitor de centro", destacou Carolina de Paula.

Carolina cita como exemplo uma pesquisa do Datafolha em São Paulo revelou que 63% dos eleitores não votariam em um candidato apoiado por Bolsonaro, ilustrando essa resistência.

Apesar desse distanciamento, segundo ela, o bolsonarismo ainda seria uma força significativa na direita.

Tarcísio de Freitas: aposta deu resultado

Governo do Estado de São Paulo/Divulgação
Tarcísio de Freitas ao lado de Ricardo Nunes. O governador de São Paulo apoiou a candidatura de Nunes à Prefeitura de São Paulo desde o início

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), viu sua principal aposta eleitoral render frutos no primeiro turno. Seu candidato na capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), chegou ao segundo turno como o candidato mais bem votado nessa primeira etapa, ainda que por uma diferença diminuta.

Tarcísio foi o principal fiador da candidatura de Nunes, e o acompanhou durante a votação neste domingo. Nunes agradeceu ao “amigo” Tarcísio.

Foi o governador, que tem pretensão de disputar a Presidência em 2026, quem costurou o apoio de Jair Bolsonaro ao atual prefeito, mesmo que o ex-presidente não tenha se empenhado na campanha como a coligação esperava.

Bolsonaro não apareceu em eventos nem chegou a gravar para o horário eleitoral de Nunes, ao contrário de Tarcísio, sempre presente no horário eleitoral e em eventos da campanha.

Embora parte do bolsonarismo tenha aderido à candidatura de Pablo Marçal (PRTB), Tarcísio se manteve fiel a Nunes. “Eu preciso de um cara que não lacra, trabalha”, disse ele na semana da eleição, em evento com Nunes.

Para o cientista de dados e CEO da empresa de análise de dados AP Exata Sérgio Denicoli diz acreditar que Tarcísio saiu fortalecido destas eleições.

"O Tarcísio bancou o Nunes e sai bem fortalecido e se consolida como uma liderança hábil neste campo. Ele se coloca como um nome forte da direita e com o aval de Bolsonaro. Penso que o futuro da direita no Brasil passa por ele", disse.

Lula e o PT: "Perdeu ganhando"

Ricardo Stuckert/Presidência da República
Lula pediu votos para Guilherme Boulos, mas especialistas afirmam que transferência de votos do petista foi aquém do esperado

O primeiro turno das eleições municipais deste ano chegou ao final e trouxe um resultado ambíguo para o PT, partido do presidente Lula.

Por um lado, o partido aumentou em 37% o número de prefeituras vencidas neste ano em comparação com as 182 de 2020. Neste ano, foram 251 prefeituras vencidas.

O partido ainda vai disputar o segundo turno em quatro capitais: Porto Alegre, Fortaleza, Natal e Cuiabá.

Em São Paulo, apesar de não ter um candidato, o partido é visto como o principal avalista da candidatura do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que vai disputar o segundo turno.

Por outro lado, especialistas apontam que o cenário inspira preocupação no partido.

Os principais motivos de preocupação, segundo eles, seriam: a ampliação e consolidação da direita e do Centrão no comando da maioria das cidades brasileiras; a pequena presença do partido em cidades com mais de 200 mil eleitores; e o não surgimento de uma nova geração de líderes em meio ao que classificam como o esgotamento do ciclo político de Lula.

Para além disso, o PT ainda viu o PL, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, aumentar o seu número de prefeituras.

Para o professor de Ciência Política Marco Antônio Teixeira, o PT saiu como um dos derrotados destas eleições.

"O PT teve um resultado que pode ser visto de dois ângulos. É melhor que 2020, mas é aquém do que se esperava pelo fato de o governo ter retomado o governo federal. Esperava-se uma transferência de votos maior de Lula para Boulos e vemos que o incremento foi baixo. O PT está no segundo turno em quatro capitais, mas com poucas chances de ganhar, exceto em Fortaleza", disse.

O pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Grin, disse à BBC News Brasil que a situação é paradoxal.

“O PT perdeu ganhando. Ele ganhou mais prefeituras do que tinha, mas perdeu porque ficou menos relevante politicamente do que se imaginava, especialmente nos grandes centros urbanos”, disse à BBC News Brasil.

Pablo Marçal: derrotado, mas ainda competitivo

Reuters
Pablo Marçal posa para fotos durante votação no primeiro turno. Ex-coach ficou prestes a ir para o segundo turno em São Paulo mesmo não tendo tempo de TV e rádio

Apesar de ter ficado de fora do segundo turno das eleições à Prefeitura de São Paulo e de ter acumulado polêmicas nos últimos meses, o ex-coach Pablo Marçal foi apontado pelo doutor em Ciência Política Vinícius Alves como um dos destaques da disputa neste ano.

Marçal concorreu à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB, um partido considerado "nanico" que não contou com tempo de rádio e TV no horário eleitoral gratuito.

Apesar disso, sua enorme popularidade no universo digital permitiu que ele disputasse as eleições de forma competitiva até o final do primeiro turno.

Com 100% das urnas apuradas, Nunes teve 29,48% dos votos, Boulos, 29,07% e Marçal ficou com 28,14%.

"Considero que o Marçal, do ponto de vista eleitoral, sai como alguém competitivo, com potencial para provocar alguma fissura na direita. Ele conseguiu ficar bem próximo dos dois que avançaram ao segundo turno, equilibrando até os últimos minutos de apuração uma disputa que de início parecia que seria apenas em torno de Nunes e Boulos", afirmou.

O especialista ponderou, no entanto, que as polêmicas nas quais Marçal se envolveu, entre elas a divulgação de um laudo falso indicando que Boulos teria sido internado por uso de drogas em 2021, pode trazer problemas para o seu futuro político.

Reuters
PDT e grupo político da família de Ciro Gomes tiveram derrotas eleitorais neste ano

Família Gomes: hegemonia ameaçada

O PDT e o grupo político formado pela família do ex-governador do Ceará Ciro Gomes foram dois dos principais derrotados das eleições de acordo com os resultados divulgados até agora pelo TSE. O partido pelo qual Ciro Gomes disputou as eleições presidenciais em 2022 conquistou 151 prefeituras neste ano, um número 52% menor que as 315 obtidas no primeiro turno das eleições de 2020.

Em Fortaleza, o PDT do prefeito José Sarto ficou de fora do segundo turno, que será disputado por André Fernandes (PL) e por Evandro Leitão (PT). O prefeito não conseguiu avançar em sua tentativa de buscar a reeleição.

Além disso, o clã Gomes, que vive um racha entre os irmãos Ciro e o senador Cid Gomes (PSB), viu um opositor da família vencer no seu principal reduto político, a cidade de Sobral.

Lá, Oscar Rodrigues (União Brasil) venceu Izolda Cela (PSB).

Derrocada tucana

O PSDB foi um dos grandes derrotados desta eleição, não elegendo nenhum prefeito de capitais. Pior: não irá disputar o segundo turno em nenhuma delas.

Nessa eleição, os tucanos elegeram 273 prefeitos. Quatro anos atrás, eles eram 523.

Mas foi em São Paulo, berço do partido, onde a derrota do PSDB foi mais marcante.

Os tucanos já governaram a cidade de São Paulo em três ocasiões, com José Serra (2005-2006), João Doria (2017-2018) e Bruno Covas (2018-2021).

Dessa vez, o candidato do partido, José Luiz Datena, teve 1,84% dos votos — a pior votação do partido em uma eleição municipal de São Paulo na história.

Na Câmara a situação foi pior ainda. Os tucanos não elegeram nenhum vereador neste ano — em 2020 foram oito, a maior bancada da Casa junto com o PT. Essa é a primeira vez em que o partido não elege nenhum parlamentar na cidade desde sua fundação.

O fracasso eleitoral do PSDB na capital é mais um capítulo da derrocada do partido no Estado onde foi criado. Em 2022, depois de 24 anos, a sigla deixou de ocupar a cadeira de governador. Tarcísio Freitas (Republicanos), aliado de Bolsonaro, venceu a disputa.

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