O Hamas na Faixa de Gaza, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen, as milícias xiitas no Iraque e na Síria e o Irã.
A lista de frentes em que Israel está envolvido em conflitos é extensa.
Só na última semana, as Forças de Defesa de Israel (IDF) lançaram uma invasão terrestre no Líbano, ao mesmo tempo em que bombardeavam várias posições no Iêmen e seguiam com a ofensiva em Gaza.
Em resposta, o Irã — aliado e principal patrocinador do Hamas, do Hezbollah, dos Houthis e de outras milícias xiitas — atacou as cidades de Jerusalém e Tel Aviv com mísseis, pelos quais o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu jurou vingança.
"O Irã pagará um preço elevado", alertou ele.
Desde 7 de outubro de 2023 — quando o Hamas lançou um ataque sem precedentes ao território israelense que deixou 1,2 mil mortos — Netanyahu insiste no objetivo de criar uma "nova ordem" no Oriente Médio e promove uma ofensiva com consequências devastadoras: mais de 41 mil pessoas morreram em Gaza, enquanto no Líbano o número já ultrapassa os 2 mil, segundo as autoridades desses locais.
Todos esses fatos criam um dos "momentos mais perigosos" da história recente no Oriente Médio, de acordo com o correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner.
Mas há uma grande incógnita colocada diante dos conflitos: até que ponto é viável para Israel manter tantas frentes de guerra ao mesmo tempo? O país realmente tem capacidade militar para fazer isso?
"Os últimos ataques mostraram do que os serviços de inteligência e as forças militares israelenses são capazes. Mas há limitações e, quanto mais frentes abertas, mais difícil será cada operação", avalia Shaan Shaikh, especialista em defesa antimísseis e membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).
Qual é a capacidade militar de Israel?
A força militar israelense é conhecida em todo o mundo pela alta tecnologia e sofisticação. No entanto, é importante analisar a verdadeira capacidade bélica do país.
Segundo informações do Banco Mundial — baseadas nos balanços do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês) — desde 2019 Israel alocou mais de 20 bilhões de dólares por ano para gastos militares.
Isto representa quase o triplo dos cerca de 7 bilhões de dólares que o Irã investiu em 2022 (segundo o último registo do Banco Mundial) para o mesmo fim.
Os gastos de Israel com defesa, em comparação com o produto interno bruto (PIB), uma medida da produção económica do país, são o dobro do Irã.
Ainda de acordo com as informações mais recentes do Banco Mundial, Israel aplica 4,5% do PIB em defesa, enquanto o Irã destina 2,6%. Outros países, como o Líbano ou a Síria, gastam 3,4% e 4,1%, respectivamente.
Os números do IISS também mostram que Israel tem 340 aeronaves militares prontas para o combate, o que, segundo Eitan Shamir, diretor do Centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos da Universidade Bar Ilan de Israel, confere ao país uma vantagem muito importante em ataques aéreos de precisão.
"Israel pode bombardear quase qualquer ponto do Oriente Médio graças à sua Força Aérea", disse ele à BBC Mundo.
Entre as aeronaves que Israel possui estão os F-15 com alcance de ataque de longa distância, os F-35 (aeronaves "furtivas" de alta tecnologia que podem escapar de radares) e helicópteros de ataque rápido.
Além disso, as IDF possuem uma ampla gama de veículos blindados, tanques, artilharia, navios de guerra e drones.
"Acredito que as IDF são uma das forças militares mais modernas e equipadas que existem e tem uma vasta experiência em batalhas, especialmente depois da luta contra o Hamas em Gaza", destaca Shamir.
São também relevantes neste contexto os serviços de inteligência, como a Mossad, que foi considerada responsável pelas explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano, em meados de setembro.
Além disso, o "domo de ferro" e a "Funda de David" são estruturas fundamentais para o sistema militar israelense. Falamos aqui de sofisticados mecanismos de defesa aérea com os quais o país tem sido capaz de repelir vários ataques de mísseis, como o último lançado pelo Irã no início de outubro.
Esses sistemas são capazes de interceptar e destruir foguetes destinados a uma área urbana ou a uma localização estratégica.
Força terrestre
Segundo especialistas consultados para esta reportagem, todo esse aparato posiciona Israel como uma força mais poderosa quando comparada com milícias como o Hamas, o Hezbollah ou os Houthis no Iêmen.
"Os israelenses são mais capazes do que qualquer uma dessas forças", compara Shaan Shaikh, do CSIS.
No entanto, o especialista acrescenta que o problema "é quando Israel precisa combater o Irã e, ao mesmo tempo, lidar com outros inimigos na região".
"Isso é muito difícil. E uma das coisas que pode falhar é justamente o famoso 'domo de ferro', porque será impossível para eles se defenderem de muitos mísseis lançados juntos ao mesmo tempo."
"Isso ocorre porque alguns sensores só podem ser direcionados a determinadas direções. Se você tiver um sensor voltado para o norte, em direção ao Líbano, ele pode não ser capaz de ser usado para focar no leste, em direção ao Irã, ou para o sul, em direção ao Iêmen", detalha ele.
Outra dificuldade que Israel poderá enfrentar na manutenção de conflitos em diferentes áreas do Oriente Médio tem a ver com as forças terrestres, explica Shamir.
Segundo o IISS, Israel tem cerca de 178 mil soldados em serviço, além de cerca de 460 mil soldados da reserva — vale lembrar que o serviço militar é obrigatório no país para maiores de 18 anos, com algumas exceções.
No entanto, o Irã tem mais de 600 mil soldados em serviço e mais de 300 mil na reserva. Se somarmos os combatentes de algumas milícias — acredita-se, por exemplo, que o Hezbollah tenha entre 50 mil e 100 mil homens, e o Hamas entre 20 mil e 30 mil — a desvantagem de Israel torna-se evidente.
A grande proporção de reservistas no exército israelense também é um problema, aponta Shamir.
"Quase 70% dos militares israelenses são reservistas e não soldados profissionais. Então, depois de um tempo, você terá que mandá-los para casa porque eles são necessários nos empregos, para administrar a economia. Isso torna a conclusão de certas missões mais demorada e complexa", pontua ele.
Respaldo dos Estados Unidos
Outro ponto fundamental na análise da capacidade militar israelense é o apoio que o país recebe dos Estados Unidos.
Quase 70% das importações de armas israelenses vêm do país norte-americano, de acordo com o último relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri).
Segundo a organização, no final de 2023, os EUA entregaram milhares de bombas a Israel.
Antes da guerra, os Estados Unidos forneciam anualmente 3,3 bilhões de dólares em financiamento militar, além de mais 500 milhões de dólares em financiamento de defesa antimísseis, segundo o Departamento de Estado americano.
Em 2022, os EUA acrescentaram mais 1 bilhão de dólares em fundos adicionais para reabastecer o estoque de mísseis interceptadores para o "domo de ferro".
"Os israelenses dependem fortemente do apoio dos EUA. De lá vêm aviões, munições e diversos componentes tecnológicos", explica Shamir.
Dessa forma, os especialistas asseguram que o apoio americano é crucial para Israel continuar a ofensiva em múltiplas frentes.
"Além disso, há o guarda-chuva diplomático: sem o veto dos Estados Unidos poderia haver um cenário problemático, em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas diria que Israel tem de parar a ofensiva; caso contrário, imporia sanções internacionais", acrescenta Shamir.
Para Shaikh, o país liderado por Joe Biden deu sinais recentes de que continuará a apoiar a ofensiva israelense no Oriente Médio.
"A administração Biden disse repetidamente que quer um cessar-fogo em Gaza, mas o que realmente fez para atingir esse objetivo foi mínimo", observa ele.
"O presidente não está disposto a cessar o envio de armas e recursos financeiros aos israelenses. Portanto, se o conflito continuar, penso que os Estados Unidos seguirão apoiando Israel em grande medida", antevê ele.
Existem outros países que também são importantes para Israel.
A Alemanha, por exemplo, é a segunda nação que mais vende armas a Israel, com 30% do total, segundo dados do Sipri.
Em novembro do ano passado, as exportações de armas alemãs ao país totalizaram 326 milhões de dólares, o equivalente a 10 vezes os valores registados em 2022.
A Itália ocupa o terceiro lugar deste ranking, com 0,9% do total, de acordo com o Sipri.
Outros fornecedores de armas para Israel incluem a França, o Reino Unido, os Países Baixos, o Canadá e a Austrália.
Outras variáveis
Mas para além da quantidade de munições, aviões, tanques e soldados que Israel possui, os especialistas dizem que outros fatores também devem ser levados em conta nesta análise
"Israel é mais forte que os inimigos do pa[is e sabemos que pode aguentar durante muito tempo. Mas há aspectos que não têm apenas a ver com o poder de fogo, mas também por quanto tempo se consegue suportar uma guerra. E isso é muito mais complicado", diz Shamir.
"O preço que Israel tem que pagar é muito elevado em termos econômicos, sociais e de reputação internacional", acrescenta ele.
Para o diretor do Centro de Estudos Estratégicos Begin-Sadat, apesar da "superioridade militar" de Israel, o país está em desvantagem no Oriente Médio em termos de dimensão.
"Trata-se de um país pequeno numa região muito grande, onde há muita gente", afirma ele.
"Então, não importa se você derrota seus inimigos em uma, duas ou dez batalhas. No final das contas, você não conseguirá vencê-los completamente devido às diferenças de tamanho", acrescenta o especialista.
O Irã, por exemplo, é um país muito maior. A população (atualmente em cerca de 89 milhões) é quase dez vezes maior que a de Israel (10 milhões).
O especialista em defesa antimísseis Shaan Shaikh classifica como preocupante o fato de Israel agir em múltiplas frentes e perseguir "objetivos maximalistas em toda a política externa".
"Parece que se trata de um derramamento de sangue desnecessário, que poderia ser evitado por meio da diplomacia e de um cessar-fogo em Gaza, o que permitiria pelo menos ao Hezbollah e ao Irã recuar e reivindicar algum tipo de vitória diplomática", diz ele.
Em todo o caso, os especialistas concordam que os protagonistas do conflito não querem uma "guerra total" na região porque "todos sabem que a destruição pode ser enorme".
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