Israel e o Hezbollah parecem estar caminhando para uma guerra total que pode se espalhar por toda a região, após uma semana de escalada significativa no conflito de longa duração.
Após vários dias de ataques aéreos contra Beirute e o sul do Líbano, Israel anunciou que seu Exército havia iniciado "incursões terrestres limitadas, localizadas e direcionadas" contra o Hezbollah.
Na sexta-feira (27/9), Israel desferiu um golpe devastador contra o grupo islâmico xiita ao matar seu líder, Hassan Nasrallah, em um ataque aéreo de grandes proporções nos subúrbios ao sul de Beirute.
Israel partiu para a ofensiva após quase um ano de trocas de hostilidades na fronteira, desencadeadas pela guerra em Gaza, dizendo que quer garantir o retorno seguro dos moradores das áreas de fronteira que foram desalojados pelos ataques do Hezbollah.
Embora o Hezbollah tenha sido enfraquecido, ele não foi derrotado. O grupo continua a disparar foguetes no norte de Israel — e ainda acredita-se que possua um enorme arsenal incluindo mísseis de longo alcance.
A seguir, está um breve guia para ajudar a entender os vários acontecimentos dos últimos dias.
A operação terrestre de Israel no sul do Líbano
Em uma declaração publicada pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) às 2h da manhã (horário local) desta terça-feira (1/10), Israel confirmou o que já era amplamente esperado — que estava lançando uma incursão terrestre pela fronteira no Líbano.
As FDI afirmaram que os alvos previstos estão "localizados em vilarejos perto da fronteira e representam uma ameaça imediata às comunidades israelenses no norte de Israel".
"A Força Aérea Israelense e a artilharia das FDI estão apoiando as forças terrestres com ataques precisos contra alvos militares na área", acrescentou.
O anúncio foi precedido por tanques israelenses sendo avistados perto da fronteira e pela mobilização de reservistas.
Uma autoridade de segurança de alto escalão disse à BBC, na manhã desta terça-feira, que as forças terrestres israelenses que entraram no Líbano permanecem "a uma distância muito próxima" da fronteira, e até agora não houve "nenhum confronto".
"Não posso dar números, mas posso dizer que não se trata de uma grande invasão terrestre", afirmou a autoridade, descrevendo a incursão como "limitada", diferentemente das operações israelenses em Gaza.
Em entrevista ao programa de rádio Today, da BBC, o tenente-coronel Peter Lerner, porta-voz das FDI, afirmou que o Hezbollah tem “bases de operação avançadas" no sul do Líbano, previstas para serem usadas em "ataques semelhantes aos de 7 de outubro".
Segundo ele, é por isso que os militares israelenses se mobilizaram durante a noite, "a fim de desmantelar essas infraestruturas".
"Não há nenhum plano para ocupar [o Líbano], o plano é desmantelar a infraestrutura que o Hezbollah criou para matar israelenses", acrescentou Lerner.
O primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, afirmou que seu país está enfrentando "uma das fases mais perigosas" da sua história.
A declaração foi feita durante uma reunião da Organização das Nações Unidas (ONU), horas após as tropas israelenses entrarem no sul do Líbano.
Diz-se que o chefe do Comando Norte do Exército israelense é favorável à criação de uma zona tampão (região considerada neutra, entre dois Estados em conflito) no sul do Líbano, para afastar os combatentes e a infraestrutura do Hezbollah da fronteira — e permitir que Israel leve de volta 60 mil civis, desalojados há quase um ano, às suas casas no norte do país.
A imprensa dos EUA noticiou anteriormente que pequenas equipes de comandos israelenses já estavam realizando breves incursões pela fronteira.
Incursão no Líbano acontece após uma série de ataques contra o Hezbollah
Israel infligiu danos enormes ao Hezbollah nas últimas semanas, matando mais de uma dúzia de comandantes de alto escalão e destruindo aparentemente milhares de armas em ataques aéreos.
O país também foi responsabilizado pelas explosões de pagers e walkie-talkies que deixaram milhares de membros do Hezbollah mutilados, cegos ou mortos. No entanto, o editor de internacional da BBC, Jeremy Bowen, diz que a morte de Hassan Nasrallah é o maior golpe de todos.
Por mais de 30 anos, ele foi o coração pulsante do Hezbollah. Com a ajuda de financiamento, treinamento e armas do Irã, ele transformou o grupo em uma força militar cujos ataques levaram Israel a encerrar uma ocupação de 22 anos no sul do Líbano em 2000 — e que lutou contra Israel até o fim durante uma guerra de um mês em 2006.
Para Israel, a morte de Nasrallah é uma grande vitória. Em um discurso desafiador na ONU na sexta-feira, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que Israel estava "vencendo" a guerra contra inimigos que queriam destruí-lo. Naquele momento, ele já havia autorizado o ataque que matou Nasrallah.
Líbano diz que há centenas de mortos e até um milhão de desalojados
O Ministério da Saúde libanês informou no sábado (28/9) que os ataques israelenses mataram mais de mil pessoas nas duas últimas semanas, incluindo 87 crianças e 56 mulheres.
Não houve trégua no bombardeio israelense no domingo, e outras 100 pessoas foram mortas. O primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, alertou que até um milhão de pessoas — um quinto da população — podem ter sido forçadas a deixar suas casas fugindo dos bombardeios de Israel.
As autoridades estão se esforçando para atender a todos, com abrigos e hospitais sobrecarregados.
Israel diz que está atacando bases do Hezbollah, incluindo depósitos de armas e munições, e acusa o grupo de usar civis como escudos humanos. Mais de 500 pessoas foram mortas nos ataques de Israel incluindo 50 crianças, segundo autoridades libanesas.
Mas a correspondente internacional da BBC, Orla Guerin, afirma que isso é contestado pelos moradores do Vale do Bekaa, um reduto do Hezbollah que foi bombardeado repetidamente na semana passada.
O diretor médico do Hospital Rayak, na região, também disse a ela que todas as vítimas que ele atendeu eram civis.
Esforços para apaziguar o conflito fracassaram
O presidente dos EUA, Joe Biden, saudou o assassinato de Hassan Nasrallah. No entanto, o correspondente do departamento de Estado da BBC, Tom Bateman, diz que a decisão israelense de intensificar drasticamente o conflito com o Hezbollah foi um golpe potencialmente fatal para toda estratégia dos últimos 11 meses do presidente americano — de tentar impedir que a guerra em Gaza envolvesse a região.
Biden afirmou que está reforçando a postura defensiva dos EUA no Oriente Médio, enquanto o Pentágono alertou as milícias apoiadas pelo Irã para não tentarem usar esse momento para atacar bases americanas.
Apesar das tentativas anteriores dos EUA de conter o líder israelense e convencer o Hezbollah a fazer uma trégua, o primeiro-ministro, Netanyahu, deu fortes sinais de que vai agir como achar melhor, independentemente da pressão de Washington.
Hezbollah e Irã estão pensando em como responder
Em discurso na segunda-feira, o vice-líder do Hezbollah, Naim Qassam, descreveu seus atuais ataques com foguetes, drones e mísseis contra Israel como "o mínimo necessário" — e disse que "sairia vitorioso" após uma ofensiva terrestre israelense.
O grupo ainda possui milhares de combatentes, muitos deles veteranos de combate na guerra civil da vizinha Síria, assim como um arsenal significativo de mísseis, muitos deles mísseis de longo alcance e guiados com precisão, que poderiam atingir Tel Aviv e outras cidades.
O correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner, diz que vai haver pressão dentro da hierarquia do grupo para usar esses mísseis antes que sejam destruídos, mas que um ataque em massa contra Israel que mate civis pode desencadear uma resposta devastadora.
O assassinato de Nasrallah também foi um grande golpe para o Irã, atingindo o coração da sua rede regional de milícias aliadas fortemente armadas, conhecida como "Eixo da Resistência", que é essencial para sua estratégia de dissuasão contra Israel.
No domingo, caças israelenses atingiram infraestruturas na cidade portuária de Hudaydah, no Iêmen, no Mar Vermelho, em resposta aos recentes ataques de mísseis e drones do movimento houthi, apoiado pelo Irã.
O Irã poderia pedir aos houthis e outros grupos para intensificar seus ataques às bases israelenses e americanas na região. Mas, seja qual for a resposta escolhida, o Irã provavelmente a calibraria de modo a não desencadear uma guerra regional que atrairia os EUA — e que ele não poderia vencer.
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