Neste segundo turno, a cidade de São Paulo bateu recorde em abstenção em uma eleição municipal.
Foi o maior número de abstenções da história em um 2º turno na capital paulista: mais de 2,9 milhões de eleitores que não compareceram aos locais de votação neste domingo (27/10).
O índice de 31,54% supera ao registrado nas eleições de 2020, em uma eleição realizada em meio à pandemia de covid-19. Em 2020, 30,81% dos eleitores não participaram das eleições.
O número de pessoas que não foram votar supera a votação do segundo colocado, Guilherme Boulos, que recebeu 2,3 milhões de votos.
Quando somadas as abstenções aos 665 mil votos em branco e nulos, o número supera a votação do prefeito reeleito, Ricardo Nunes (MDB). Ele recebeu 3,3 milhões de votos.
Os faltantes têm crescido ano a ano. Em 1992, quando Paulo Maluf disputou o segundo turno com Eduardo Suplicy, o número de ausentes foi de 12%.
Estes números são sinais de um eleitorado desestimulado com as candidaturas oferecidas pela política, diz a estrategista política Cila Schulman, do Instituto de Pesquisa Ideia.
"Em cidades onde a disputa foi mais concorrida, como o caso de Fortaleza, por exemplo, a tendência é que o eleitor compareça mais", diz.
O cientista político Sérgio Simoni Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP), pondera que, embora seja tentador atribuir a abstenção apenas ao desânimo com a política, é necessário considerar múltiplos fatores.
"A abstenção maior no segundo turno em comparação ao primeiro é um fenômeno recorrente. Esse é um padrão porque no primeiro turno a eleição para vereador mais candidatos a prefeito mobilizam mais o eleitor", diz.
"Mas é sempre difícil só olhar os números absolutos porque não temos como saber a razão da abstenção tradicionalmente, ouvimos sempre falar desânimo e apatia pessoas que sentem descrentes da política, mas é difícil cravar isso apenas com dados absolutos."
Abaixo, listamos algumas hipóteses que ajudam a explicar a abstenção recorde em São Paulo, segundo os analistas consultados pela BBC News Brasil.
1. Facilidade de justificativa pelo e-Título
Desde novembro de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permite que eleitores justifiquem a ausência pelo aplicativo e-Título.
Segundo Simoni, a tecnologia facilitou o eleitor registrar sua ausência, mas também pode ter incentivado mais abstenções.
Ele destaca que o aplicativo é especialmente prático para quem tem acesso à tecnologia, como eleitores de classe média e jovens, que costumam ter facilidade com aplicativos.
"A introdução da justificativa pelo app é positiva do ponto de vista de acessibilidade, mas também pode ter contribuído para a abstenção. Eleitores que talvez antes fizessem um esforço mínimo para votar, agora têm uma alternativa rápida para justificar", observa o pesquisador.
Simoni acredita que essa facilidade pode ter impulsionado a abstenção entre aqueles que enxergam o processo eleitoral como repetitivo ou que não sentem uma conexão direta com os candidatos.
2. 'Efeito Marçal'
Terceiro colocado nestas eleições, Pablo Marçal (PRTB) foi um fenômeno novo neste ano. Com alto engajamento nas redes sociais, ele mobilizou 1,7 milhão de eleitores no primeiro turno.
Na segunda etapa das eleições, ele continuou a influenciar o pleito, até mesmo organizando sabatinas entre os candidatos — apenas Boulos aceitou participar.
A postura "anti-sistema" de Marçal durante todo o pleito pode ter influenciado simpatizantes. Ele também não votou neste segundo turno, já que está em Roma, na Itália.
"Ele passou a campanha inteira ressaltando que era o único diferente dos demais. Ele ressaltava esse discurso de que todos os políticos eram iguais, e isso pode ter desmobilizado seu eleitorado."
Cila Schulman diz que Marçal, no segundo turno, fez "apologia ao voto nulo".
"A alta rejeição do candidato Guilherme Boulos, somada à ausência de Pablo Marçal, ajudam a explicar os números de nulos, brancos e abstenções, além do fato de que depois da pandemia o voto no Brasil, na prática, deixou de ser obrigatório, com a justificativa de ausência facilitada por um aplicativo."
3. Questões meteorológicas e do cotidiano
A terceira explicação, que Simoni diz ser frequentemente negligenciada nas análises políticas, está relacionada a aspectos práticos da vida dos eleitores.
"Às vezes esquecemos das dificuldades enfrentadas por muitos eleitores: preferem ficar com a família, cuidando das crianças, ou têm outras razões mais práticas para não votar", destaca o professor.
Simoni Jr. observa que esse padrão não é exclusivo das eleições municipais. Nas eleições presidenciais, por exemplo, o percentual de comparecimento às urnas costuma ser menor entre eleitores de baixa renda, que enfrentam desafios como o cuidado com crianças ou idosos.
Questões meteorológicas também desanimam o eleitor a sair de casa. Com mínima de 19°C e garoa persistente por quase todo o dia, o clima deste domingo na capital também pode ter afastado os paulistanos das urnas.
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