Eleições 2024

Boulos perde no extremo leste e até no próprio bairro. Qual o seu futuro político?

Candidato do PSOL repetiu em 2024 o desempenho da eleição de 2020, mostrando dificuldade em 'furar a bolha' do eleitorado

Boulos vota nas eleições municipais de SP, no segundo turno. -  (crédito: Isaac Fontana/EPA-EFE/REX/Shutterstock)
Boulos vota nas eleições municipais de SP, no segundo turno. - (crédito: Isaac Fontana/EPA-EFE/REX/Shutterstock)

O atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) derrotou o adversário Guilherme Boulos (PSOL) no segundo turno da disputa à Prefeitura de São Paulo e poderá ficar mais quatro anos no cargo da maior cidade do país. O resultado confirmou a tendência já vista nas pesquisas eleitorais durante todo o segundo turno.

Com 93,5% das urnas apuradas, Nunes obteve 59,55% dos votos válidos (3,1 milhões) e Boulos, 40,45% (2,1 milhões) - número semelhante ao que candidato do PSOL tinha obtido há quatro anos, quando disputou o mesmo cargo.

O candidato psolista perdeu em quase todos os bairros da capital, incluindo regiões periféricas que tradicionalmente votavam na esquerda.

"O fato de Boulos ter perdido no extremo da zona leste foi a grande novidade destas eleições. Essa é uma área que tradicionalmente a esquerda vencia", avalia Sérgio Simoni Jr., professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).

"A vitória do Boulos era muito difícil. Marçal, que ficou em terceiro lugar com mais de 1,7 milhão de votos, era um cara que estava à direita, então a migração de votos mais lógica realmente era para Nunes", acrescenta o professor.

Boulos enfrentou forte rejeição durante toda a campanha. Na última segunda-feira, 21, na reta final, Boulos publicou uma carta "ao povo de São Paulo", semelhante ao gesto de Lula na campanha de 2002. No texto ele reconhece que a periferia mudou e busca apoio dos pequenos empreendedores.

"Você, mulher, que foi abrir seu salão, vender salgados na garagem de casa ou na porta do metrô, sabe disso. Você, jovem, que financiou uma moto e foi trabalhar sem parar e sem nenhuma proteção, sabe disso. Você que pega um carro e dirige a cidade toda como motorista de aplicativo sabe disso. Muitas vezes nós deixamos de falar com vocês", escreveu.

As discussões no segundo turno ganharam um novo tema explorado por Boulos contra Nunes: um apagão causado por fortes chuvas que atingiram a cidade no dia 11 de outubro, que deixou mais de 2,6 milhões sem energia elétrica, na capital e em outras cidades do estado.

Boulos usou seu espaço em debates e na propaganda eleitoral para criticar Nunes por não cuidar da zeladoria e deixar de fazer a poda das árvores na capital paulista, o que teria prejudicado ainda mais a retomada da distribuição de energia.

Já Nunes rebateu e tentou compartilhar a culpa com o governo federal, já que a concessão para distribuição de energia elétrica na cidade, operada pela empresa Enel, é dada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), e caberia à Aneel a punição à empresa ou eventual suspensão do contrato.

O assunto esfriou na última semana, sem grandes mudanças no resultado das pesquisas.

Boulos vota nas eleições municipais de SP, no segundo turno.
Isaac Fontana/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Boulos vota nas eleições municipais de SP, no segundo turno.

Qual é o futuro de Boulos?

Boulos é tido como uma das maiores lideranças da esquerda no país e visto como um dos possíveis sucessores do presidente Lula, que o apoiou durante a campanha deste ano, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Ele já foi candidato à Presidência da República em 2018, junto da vice Sonia Guajajara (hoje ministra dos Povos Indígenas) e terminou a corrida em décimo lugar, com 617 mil votos.

No mesmo ano, estava no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo nos dias que antecederam a prisão de Lula, em 2018, em defesa ao presidente.

Em entrevista à BBC News Brasil no mesmo ano, defendeu que "quando uma ordem é injusta, a resistência é legítima". Em seu último discurso antes da prisão, Lula o elogiou e comparou sua história à dele.

Em 2020, lançou-se candidato a prefeito de São Paulo pela primeira vez, formando chapa com a vice e ex-prefeita Luiza Erundina (também do PSOL) e chegou ao final com 40,6% dos votos válidos (ou 2,1 milhões), derrotado por Bruno Covas (PSDB).

Em 2022, o psolista foi o deputado federal eleito com mais votos em São Paulo, com o apoio de mais de 1 milhão de eleitores. Naquele ano ele cogitou disputar o cargo de governador, mas desistiu para buscar uma unidade de esquerda no estado. O PT acabou lançando Fernando Haddad, que terminou em segundo lugar, com 44,73% dos votos.

"Apesar de todo o tempo de TV, recurso do fundo partidário e um arco de aliança que contava até com Geraldo Alckmin, Boulos foi rigorosamente o mesmo de 2020. Não houve avanço no sentido de furar a bolha do eleitorado. Esse resultado mostra que o chamado campo de esquerda, na cidade de São Paulo, é mais amplo quando se fala em eleição presidencial, e mais conservador quando se fala em eleição municipal", diz o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) Marco Antonio Carvalho Teixeira.

Teixeira acredita que, ainda assim, o resultado pode ajudá-lo em outras disputas.

"Ele desponta como a nova liderança capaz, inclusive, de ambicionar, não no curto prazo, e dependendo do vazio que vai ser deixado pelo Lula, um projeto de envergadura maior, que pode ser, inclusive, uma candidatura à Presidência da República."

Para o professor de Estratégia de Comunicação Política da FESPSP (Escola de Sociologia e Política de São Paulo) Beto Vasques, os resultados demonstram que a história de Boulos se aproxima cada vez mais da de Lula.

"O Boulos é o herdeiro. Ele continua sendo, e talvez o que o destino esteja mostrando é que a sina de herdeiro é mais parecida com a do 'pai', Lula, do que se imaginava. Todo mundo achava que talvez ele tivesse a vida mais fácil pelo caminho que o Lula tinha trilhado, mas talvez ele acabe seguindo uma trilha muito parecida, com sucessivas derrotas ao executivo antes de ter a primeira vitória."

Vasques diz que Boulos se forjou como uma liderança de esquerda "altamente reconhecida" por sua capacidade de articulação.

"Embora as pessoas tentem colocar a pecha de sectário, ele tem se mostrado, assim como Lula, alguém muito hábil na negociação, no diálogo. Quando estava no MTST, como líder do movimento ele se especializou em negociar com os policiais, com o governador, com a Secretaria de Habitação. As ocupações [feitas pelo movimento social liderado por Boulos] eram para abrir espaço na mesa de negociação. Assim como Lula, ele nunca fez guerra para tensionar a corda e arrebentar, mas sim abrir diálogo e compor."

Outro trunfo do psolista, segundo Vasques, foi apontar um rumo para a esquerda ao sinalizar para os pequenos empreendedores durante a campanha, ato reforçado na última semana com a carta aos paulistanos.

"O campo progressista, como um todo, historicamente, tem muita dificuldade de entender os empreendedores. Boulos falou que é preciso compreender quais são as dores e demandas desses trabalhadores."

Daniela Costanzo, doutora em Ciência Política pela USP, pesquisadora do Cebrap e da Sciences Po, afirmou que o papel da vice de Boulos, Marta Suplicy, e do PT, não foi muito relevante para o desempenho do candidato.

Isso pode ser visto, segundo Constanzo, como um problema da articulação do PT com PSOL e com a campanha de Boulos.

Ela avalia que o PT nacional não se engajou muito nas campanhas municipais, não teve muita coordenação e nem teve grande apoio do presidente Lula ou de outras figuras do partido envolvidas no governo. "Há uma certa desarticulação, que também refletiu na campanha de Boulos."

"Como as pessoas votam em uma eleição municipal é diferente de como votam pra presidente ou deputado, por exemplo. É uma eleição que expressa bastante comodidade. Em todo o Brasil houve a maior taxa de reeleição e São Paulo expressa isso também. Não acho que a rejeição alta a Boulos seja só rejeição à esquerda. Tem uma rejeição ligada à figura dele, mas também de não mudar, de um contexto municipal."

Ela também diz que é preciso olhar mais para o eleitor de classe média como forma de reduzir a rejeição.

"Desde o lulismo a gente tem uma divisão eleitoral em que as categorias de pobre e rico operam. Muitas pessoas, a partir de três salários mínimos, já não se identificam mais como eleitores pobres. Se o discurso da esquerda é muito voltado aos eleitores mais pobres, essas pessoas podem se identificar mais com candidatos dos mais ricos. Quando o Boulos fala muito de moradia popular, um tema que ficou muito associado a ele, essa parcela do eleitorado acaba não se identificando."

Colaborou Rute Pina, da BBC News Brasil em São Paulo

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BBC
Luiz Fernando Toledo - Da BBC News Brasil em Londres
postado em 27/10/2024 20:14 / atualizado em 27/10/2024 22:15
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