Começa nesta segunda-feira (21/10) um julgamento em Londres contra a mineradora anglo-australiana BHP para determinar sua responsabilidade sobre o desastre de Mariana, em novembro de 2015, quando uma barragem se rompeu na cidade em Minas Gerais, matando 19 pessoas e destruindo um distrito inteiro.
Mais de 620 mil pessoas estão processando a mineradora no Reino Unido por causa do desastre. Participam também da ação 46 governos locais e cerca de 2 mil empresas.
O valor estimado da indenização pedida é de 36 bilhões de libras (R$ 266 bilhões) — o que seria o maior valor da história da Justiça britânica e uma das maiores do mundo.
O desastre de Mariana é considerado a pior tragédia ambiental do Brasil. Além de destruir o distrito de Bento Rodrigues, a lama com rejeitos tóxicos de mineração que estava contida na barragem desceu o rio Doce até o litoral brasileiro, arrasando a fauna do rio e a fonte econômica de dezenas de comunidades.
A BHP — que é a maior mineradora do mundo em valor de mercado — é uma das donas da Samarco, empresa que controlava a barragem de Mariana. A outra é a mineradora brasileira Vale, que está sendo processada na Holanda por cerca de 70 mil pessoas. Ambas as empresas concordaram que se qualquer uma delas for considerada responsável pelos danos, elas dividirão os custos.
Os advogados das vítimas do desastre conseguiram abrir o processo no Reino Unido contra a BHP em Londres porque a sede da mineradora anglo-americana estava no Reino Unido na época do rompimento da barragem.
Se a BHP perder este caso, uma segunda etapa ocorrerá para determinar quais pessoas poderão ser indenizadas e os valores da indenização.
A BHP e a Vale argumentam que a ação legal no Reino Unido é "desnecessária, pois duplica questões já cobertas pelo trabalho existente e em andamento da Fundação Renova e outros procedimentos legais no Brasil".
A Fundação Renova foi criada pelas duas mineradoras para compensar as famílias afetadas pelo rompimento da barragem.
As empresas dizem que "seguem comprometidas" em reparar os danos causados. A BHP e a Vale fizeram uma nova oferta ao governo brasileiro, que pode ser assinada na sexta-feira (25/10), para pagar mais de R$ 170 bilhões em indenização.
As mineradoras disseram que já pagaram mais de R$ 57 bilhões em compensações a diferentes partes afetadas pelo desastre, através da Fundação Renova.
O escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa os demandantes, vinha desde 2018 tentando processar a BHP na Justiça inglesa, já que a multinacional é listada na bolsa de Londres.
Já a BHP argumentava que seria desnecessário responder a qualquer processo no Reino Unido, pois a empresa já estava sendo acionada no Brasil.
Inicialmente a Justiça inglesa decidiu em favor da mineradora. Mas em julho do ano passado, um tribunal de apelação reverteu a decisão e aceitou o processo contra a mineradora.
"Nossa conclusão é simplesmente que os recursos disponíveis no Brasil não são tão obviamente adequados que se possa dizer que é inútil prosseguir com os processos [na Inglaterra]", disse a decisão unânime assinada pelos juízes na ocasião.
A decisão desencadeou uma briga jurídica entre as duas mineradoras: a BHP entrou na Justiça inglesa para incluir a Vale no processo por indenização. Já a mineradora brasileira argumentou que não deve ser incluída no processo, já que não estaria dentro da jurisdição britânica.
As empresas chegaram a um acordo posterior, em que concordam dividir os custos em caso de derrota nos processos que estão enfrentando na Holanda e no Reino Unido.
A demora para o processo andar na Justiça britânica também fez com que o valor da indenização e o número de vítimas aumentassem ao longo dos anos.
Em 2020, o escritório de advocacia representava 200 mil vítimas, que pediam US$ 6 bilhões em reparação.
Famílias ainda sofrem
Entre as 620 mil pessoas pedindo reparação na Justiça britânica está Gelvana Rodrigues, que perdeu seu filho de sete anos, Thiago, quando a lama invadiu sua casa.
"As últimas palavras que ouvi ele dizer foram: 'você sabia que você é a melhor mãe do mundo?'", contou ela à BBC.
Ele foi uma das 19 vítimas fatais no dia 5 de novembro de 2015.
Gelvana estava no trabalho quando o desastre aconteceu, e seu filho estava em casa com a avó.
Ao ouvir a notícia do rompimento da barragem, Gelvana correu para casa, onde tudo havia sido destruído.
"Passei três dias sem comer ou dormir, eu só queria achar meu filho", ela conta. O corpo de Thiago só foi resgatado após sete dias.
"Naquele dia, minha vida acabou, porque eu vivia para ele."
Marcos Muniz, conhecido como Marquinhos, se mudou para Bento Rodrigues em 1969, quando tinha seis anos de idade — para a mesma casa onde seu pai havia nascido. Quando adulto, ele construiu sua própria casa em terras de seu pai no distrito.
Marquinhos trabalhou na Samarco por quase 30 anos antes de se aposentar. Ele tinha animais e laranjeiras — que seriam sua fonte de renda e ocupação na aposentadoria.
"Eu nunca imaginei que isso poderia acontecer", disse. "Se eu soubesse que no futuro isso aconteceria, que a comunidade onde eu fui criado seria destruída, eu com certeza teria parado de trabalhar lá."
Hoje, Bento Rodrigues parece uma cidade-fantasma. As casas arrasadas ainda estão cobertas de uma lama densa. A casa de Marquinhos foi tomada por um lago que se formou. Só uma ponta dela ainda é visível.
A BHP e a Vale formaram a Fundação Renova para compensar as vítimas. Foram feitas ofertas em dinheiro ou na forma de uma casa nova em uma nova cidade chamada Novo Bento, que foi criada pela fundação.
A Fundação diz ter desembolsado R$ 57 bilhões em ações de reparo e compensação até hoje para mais de 445 mil pessoas — sendo 50% do montante destinado diretamente a pessoas afetadas.
Mas as empresas dizem que isso não significa que elas aceitam ser responsabilizadas pelo desastre.
A comunidade foi ouvida na decisão sobre a localização da nova cidade e no design das novas casas.
Marquinhos recebeu a oferta de uma casa, mas ele teme que na nova cidade moderna seu estilo de vida se perderá.
A nova cidade, que parece mais moderna e urbana do que o velho distrito de Bento Rodrigues, ainda está sendo construída. Ela fica na parte de cima do morro, e não em um vale.
Darliza das Graças se mudou para a cidade há um ano. Ela era dona de um bar em Bento Rodrigues; na nova cidade ela tem um restaurante.
"A vida aqui é maravilhosa, é boa. Mas no começo foi muito duro, tinha muito pouco morador", ela conta. "Eles estão começando a chegar, está bem melhor."
Mais de cem pessoas já se mudaram até agora, mas — quase nove anos depois do desastre — alguns ainda não puderam se mudar porque suas casas não ficaram prontas e outros porque simplesmente não quiseram.
Darliza diz que está feliz, mas que ainda assim preferia sua vida antiga, porque "a comunidade era mais unida". Nem todos da comunidade antiga quiseram se mudar.
Compensação
A Samarco diz que a Fundação Renova pagou compensação às famílias de 18 das 19 vítimas fatais, e que continua em contato com elas e seus advogados nos processos que ainda não foram resolvidos.
Fernanda Lavarello, diretora de assuntos corporativos da BHP Brasil, diz: "O que aconteceu em 2015 foi uma tragédia. Nós lamentamos sobre o que aconteceu. Desde então, a BHP nunca abandonou o país e está fazendo todo o possível para reparar o meio ambiente e a vida das famílias".
"Alguns processos estão demorando mais do que o esperado, porque é muito complexo, mas para as famílias que rapidamente quiseram ter suas casas construídas aqui, suas casas estão prontas e elas já se mudaram."
Caso vençam seu caso na Justiça britânica, a indenização coletiva pode passar de R$ 260 bilhões — o que seria um dos maiores valores já pagos no mundo por danos ambientais.
Para Marquinhos, o importante é conseguir uma compensação maior do que a que foi oferecida até agora, para que ele possa ter condições de reconstruir sua vida conforme achar melhor.
Mas para outros, não existe compensação financeira que possa ser suficiente.
"Nada vai trazer de volta uma vida", diz Gelvana, sobre o filho Thiago. "Não existe dinheiro no mundo que possa comprar uma vida. Eu quero justiça, para que nenhuma mãe precise passar pelo que estou passando."
* Com reportagem em Mariana (MG) de Ione Wells, correspondente da BBC News na América do Sul.
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