A perda de Yahya Sinwar é um golpe sísmico para o Hamas, diz o correspondente de segurança da BBC Frank Gardner.
Quando o grupo escolheu Yahya Sinwar para substituir Ismail Haniyeh, o líder de sua ala política assassinado em 31 de julho, foi um ato deliberado de desafio e resiliência. Não poderia ter escolhido uma figura mais intransigente, segundo o analista.
Mas o Hamas, assim como o Hezbollah no Líbano, viu a liderança dele ser eliminada uma a uma, seus combatentes mortos e seus depósitos de armas explodidos.
Para Frank Gardner, o grupo terá que decidir se agora é o momento de fazer um acordo que encerre a operação militar israelense de um ano que devastou a Faixa de Gaza. Ou, inversamente, se deve continuar lutando e resistindo, esperando sobreviver à paciência de Israel, apesar do terrível número de mortos que este conflito causou a civis palestinos.
O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, disse recentemente que um acordo de cessar-fogo em Gaza estava "90%". A morte de Sinwar pode ser uma oportunidade para finalmente concluir esse acordo e levar os reféns capturados no ataque de 7 de Outubro em Israel para casa.
Também corre o risco de ocorrer o oposto: afastar os membros furiosos do Hamas mais do que nunca de qualquer tipo de compromisso.
Correspondente de Gaza, reportando a partir de Istambul, Rushdi Abualouf afirma que a ausência de Sinwar da cena em Gaza é a maior perda estratégica para o Hamas até agora.
“Qualquer um que acompanhou a carreira dele desde sua libertação da prisão israelense em 2013 sabe que ele governou os componentes políticos e militares da organização e controlou todas as articulações do poder”, diz.
Segundo o analista, Sinwar é quem costumava nomear o chefe do comitê de governo do Hamas que administra Gaza e quem nomeou os líderes das alas militares dos batalhões do Hamas. Tudo isso em cooperação com o irmão dele Mohammed, que lidera os batalhões armados mais fortes do Hamas no sul da Faixa de Gaza.
Esses fatos dificultam a rápida recuperação do Hamas após os golpes sucessivos que recebeu e dificultam a busca por uma alternativa forte para preencher o vazio deixado pela ausência de Sinwar.
Wyre Davies, correspondente em Jerusalém, afirma que imagens gráficas publicadas nas redes sociais mostram uma figura parecida com Sinwar deitada nos escombros de um prédio após intensa atividade militar, com ferimentos claramente fatais.
“Supôe-se que Sinwar passou grande parte da guerra localizado em túneis sob Gaza, cercado por um escudo humano de reféns israelenses, especialmente depois que ele se tornou o líder-geral do Hamas após o assassinato de Ismail Haniyeh”, dizo correspondente.
Mas de acordo com relatos das Forças de Defesa de Israel, nenhum refém foi encontrado perto do local — o que pode ser significativo.
“A morte dele não causa um fim imediato à guerra de Israel em Gaza, mas com as contínuas operações militares israelenses contra o Hamas em todo o território palestino, nas quais muitos milhares de civis também foram mortos. Isso pode trazer o fim da guerra para um pouco mais perto.”
Quem é Yahya Sinwar?
Sinwar, amplamente conhecido como Abu Ibrahim, nasceu em 1962 no campo de refugiados de Khan Younis, em Gaza. Seus pais eram de Ashkelon, mas tornaram-se refugiados depois do "al-Naqba" (a Catástrofe), o deslocamento em massa de palestinos das suas casas ancestrais na Palestina durante a guerra que se seguiu à fundação de Israel, em 1948.
Ele foi educado na Escola Secundária para Meninos Khan Younis e concluiu um bacharelado em árabe pela Universidade Islâmica de Gaza.
A cidade onde viveu Sinwar, Khan Younis, era um centro de ativismo. Um “bastião” de apoio à Irmandade Muçulmana, que era “um movimento massivo para jovens que iam para as mesquitas na pobreza do campo de refugiados”, diz Ehud Yaari, fellow do Washington Institute for Near East Policy. Ele entrevistou Sinwar na prisão quatro vezes.
Tornou-se então um centro importante para o Hamas, à medida que crescia o apoio a uma campanha militar contra Israel.
Ibrahim Awad, professor de Assuntos Globais na Universidade Americana do Cairo, diz que os palestinos foram privados dos seus direitos e de uma "vida normal": "O Hamas provavelmente não teria existido, não fosse pela ocupação estendida, prolongada e brutal," diz.
Sinwar foi preso pela primeira vez por Israel em 1982, aos 19 anos, por "atividades islâmicas" e depois preso novamente em 1985. Nessa época, ele conquistou a confiança do fundador do Hamas, o xeque Ahmed Yassin.
Os dois tornaram-se “muito, muito próximos”, diz Kobi Michael, pesquisador sênior do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Tel Aviv.
Dois anos depois da fundação do Hamas, em 1987, ele criou a temida organização de segurança interna do grupo, a al-Majd.
A Al-Majd tornou-se famosa por punir pessoas acusadas de cometer ofensas morais - Michael diz que ele tinha como alvo lojas que vendiam "vídeos de sexo" - e por matar qualquer pessoa suspeita de colaborar com Israel.
Yaari diz que Sinwar foi responsável por inúmeros “assassinatos brutais” de pessoas suspeitas de cooperar com Israel. “Alguns deles com as próprias mãos, e ele tinha orgulho disso, falando para mim e para outros.”
De acordo com autoridades israelenses, Sinwar confessou mais tarde ter punido um suposto informante fazendo com que o irmão o enterrasse vivo. Ele disse que fez o homem terminar o trabalho usando uma colher em vez de uma pá.
“Ele é o tipo de homem que consegue reunir ao seu redor seguidores, fãs, mas também muitos que simplesmente têm medo dele e não querem brigar com ele”, diz Yaari.
Mustapha Kamel Al Ayyid, da Faculdade de Economia e Ciências Políticas da Universidade do Cairo, adverte que alguns relatos sobre a brutalidade dos líderes do Hamas são exagerados e que é necessário uma dose de ceticismo em relação às afirmações israelenses sobre a organização.
Em 1988, Sinwar teria supostamente planejado o sequestro e assassinato de dois soldados israelenses. Ele foi preso no mesmo ano, condenado a quatro penas de prisão perpétua por Israel pelo assassinato de 12 palestinos.
Sinwar passou grande parte da sua vida adulta, mais de 22 anos, em prisões israelenses (de 1988 a 2011). E esse período, parte dele passado em confinamento solitário, parece ter radicalizado-o ainda mais.
Ele se posicionou como um líder entre os presos, impondo disciplina e negociando por eles com as autoridades penitenciárias.
Enquanto estava preso, Sinwar tornou-se fluente em hebraico fazendo a leitura dos jornais israelenses.
Ele deixou a prisão em 2011 como parte de um acordo que resultou na libertação de 1.027 prisioneiros palestinos e árabes israelenses em troca de um único refém israelense, o soldado das IDF Gilad Shalit.
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