A plataforma de rede social X solicitou seu desbloqueio — depois de mais de um mês de bloqueio, em meio a uma queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a empresa com sede nos Estados Unidos.
Segundo o jornal O Globo, a Procuradoria-Geral da República já se manifestou favoravelmente à liberação após pagamento de multas.
As tensões começaram no ano passado, quando o ministro do STF Alexandre de Moraes, que é relator de inquéritos sobre fake news no Brasil, determinou a suspensão de contas de redes sociais de diversas pessoas ligadas aos tumultos de janeiro de 2023 em Brasília.
Outras plataformas cumpriram com as decisões judiciais, mas o X não acatou as ordens. A empresa veio a público em abril desse ano com críticas ao STF, a quem acusou de censura.
Desde então, as tensões cresceram, com trocas de farpas entre Alexandre de Moraes e o bilionário Elon Musk, dono da plataforma. A maior parte das declarações de Moraes apareceram em despachos judiciais; já Musk escolheu sua plataforma para publicar críticas e ironias.
Nas últimas semanas, Elon Musk não vem mais se manifestando sobre o Brasil. E a empresa recuou em sua decisão de descumprir ordens judiciais dadas pela Justiça brasileira.
Confira abaixo uma cronologia das tensões entre o X e o STF.
8 de janeiro de 2023 - Tumultos em Brasília
Em 8 de janeiro de 2023, uma multidão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, insatisfeitos com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, invadiu o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, e vandalizou símbolos da República.
Após esse episódio, o STF intensificou investigações sobre a disseminação de conteúdos falsos e o possível financiamento de grupos que ameaçam a democracia brasileira.
O ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que apuram a disseminação de fake news, milícias digitais e atos golpistas, ordenou o bloqueio de diversos perfis em redes sociais administrados por usuários acusados de atentar contra a democracia brasileira e o processo eleitoral.
As ordens emitidas pelo ministro geraram repercussão negativa entre parte dos apoiadores de Bolsonaro e eleitores da ala direitista da política brasileira, que alegavam que as medidas violavam o direito à liberdade de expressão.
Moraes contou com o apoio dos demais ministros do STF, que ressaltaram que a liberdade de expressão não deve ser confundida com a permissão para desrespeitar leis ou promover ideais antidemocráticos.
3 de abril de 2024 - Documentos do X publicados
Mais de um ano depois dos tumultos em Brasília, vieram à público comunicações entre a plataforma X, de Elon Musk, e o STF.
O STF exigiu que o X retirasse do ar diversas contas ligadas ao bolsonarismo e aos tumultos em Brasília.
Esses dados vieram à tona quando o jornalista Michael Shellenberger publicou documentos internos do X que teriam sido entregues a ele por Elon Musk.
Shellenberger é um dos jornalistas escolhidos por Musk como parte de um episódio chamado Twitter Files ("Arquivos Twitter"). Depois que Musk assumiu o controle do X, em outubro de 2022, ele deu a jornalistas documentos internos, para que fosse exposto o modo como funcionários lidavam com problemas dentro da plataforma, como no caso da moderação de conteúdo.
Musk e outros políticos conservadores acusavam a empresa de favorecer políticos progressistas em diversas decisões internos — algo que nunca ficou comprovado.
Em 3 de abril, Shellenberger publicou documentos que mostravam mais de dois anos de comunicações entre a equipe jurídica do Twitter e os tribunais brasileiros. Segundo o jornalista, os documentos mostram evidência de “uma repressão radical à liberdade de expressão”.
As decisões de Moraes mandavam o X retirar do ar contas de algumas das pessoas envolvidas nos tumultos de 8 de janeiro de 2023.
6 de abril - Musk acusa STF de 'censura agressiva'
Três dias depois da divulgação dos documentos, Elon Musk falou publicamente sobre o assunto. Ele disse que a ação do Supremo Tribunal Federal era uma "censura agressiva".
"Este juiz aplicou multas pesadas, ameaçou prender nossos funcionários e cortar o acesso a X no Brasil", disse Musk.
"Provavelmente perderemos toda a receita no Brasil e teremos que fechar nosso escritório lá. Mas os princípios importam mais do que o lucro."
Musk prometeu publicar tudo que estava sendo exigido do X por Moraes: "Este juiz traiu descarada e repetidamente a constituição e o povo do Brasil. Ele deveria renunciar ou sofrer impeachment."
Musk também chamou Moraes de "ditador do Brasil" e disse que o juiz mantém o presidente Lula "em uma coleira".
O caso teve repercussões políticas no Brasil.
As mensagens de Musk geraram intensa movimentação de bolsonaristas em seu apoio. O ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou uma mensagem no X em que diz que "@elonmusk é o mito da nossa liberdade", acompanhado de um vídeo de um encontro dos dois em maio de 2022.
Já integrantes do governo Lula fizeram duras críticas a Musk.
Usando sua conta no X, o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, disse que "nossa soberania não será tutelada pelo poder das plataformas de internet e do modelo de negócio das big techs [grandes empresas de tecnologia]".
"Não vamos permitir que ninguém, independente do dinheiro e do poder que tenha, afronte nossa Pátria. Não vamos transigir diante de ameaças e não vamos tolerar impunimente nenhum ato que atende contra a democracia", disse.
15 de agosto - Moraes aumenta multa ao X
O caso voltou ao noticiário em 15 de agosto, quando Alexandre de Moraes aumentou de R$ 50 mil para R$ 200 mil a multa diária aplicada ao X por descumprir suas decisões.
O ministro havia determinado que a rede social bloqueasse o perfil do senador Marcos do Val (PL-ES) e de outros investigados. Do Val é um dos investigado por obstruir investigações sobre as invasões de 8 de janeiro ao Supremo e Congresso Nacional.
Do Val vinha realizando ataques ao STF e a Alexandre de Moraes e dizia que iria acioná-lo em “tribunais internacionais”. O STF ordenou a retirada da conta de Marcos do Val em outras plataformas, mas o X não cumpriu a ordem.
Na sua decisão, Moraes afirmou que ficaria configurado o crime de desobediência do representante legal da companhia, caso a decisão não fosse cumprida.
17 de agosto - Musk fecha escritório do X no Brasil
Em resposta à decisão de Moraes, Elon Musk decidiu fechar o escritório do X no Brasil, retirando seu representante legal.
A rede social anunciou, por meio de uma publicação na própria plataforma, o fechamento do escritório, alegando ameaças de prisão contra a responsável pela rede no país, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição. Mesmo com o encerramento das atividades administrativas, a rede social continuaria funcionando normalmente.
Em suposto despacho divulgado pelo X, Moraes teria afirmado que a representante da empresa no Brasil agiu de má-fé, tentando evitar a notificação da decisão proferida nos autos, conforme noticiado pela Agência Brasil.
Todos os cerca de 40 funcionários do X (ex-Twitter) no Brasil foram surpreendidos com uma reunião online de emergência, em que acabaram demitidos.
Em seu perfil no X, Elon Musk se manifestou horas depois, atribuindo o fechamento do escritório brasileiro a "exigências de censura" do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
"A decisão de fechar o escritório X no Brasil foi difícil, mas, se tivéssemos concordado com as exigências de censura secreta (ilegal) e entrega de informações privadas de @alexandre, não haveria como explicar nossas ações sem ficarmos envergonhados."
O perfil oficial do X dedicado às relações governamentais publicou uma nota confirmando o fim da operação no Brasil e divulgando um despacho sigiloso de Moraes destinado à empresa.
28 de agosto - Moraes dá ultimato ao X
Moraes determinou no dia 28 de agosto que o X nomeasse em 24 horas um novo representante legal no Brasil, conforme exigido pela legislação local.
A intimação foi feita por uma postagem no perfil oficial do Tribunal na própria rede social.
O ministro advertiu que, se a empresa não o fizesse, ele poderia determinar que a rede social fosse imediatamente tirada do ar.
O STF disse que ''Musk é investigado no Inquérito (INQ) 4957, que apura a suposta prática dos delitos de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.''
Como forma de "cobrar multas" aplicadas contra a rede social X por descumprir decisão judicial, Alexandre de Moraes também decidiu bloquear as contas da empresa Starlink, também pertencente a Elon Musk, no Brasil.
O X criticou a decisão.
"Essa ordem é baseada em uma determinação infundada de que a Starlink deve ser responsável pelas multas aplicadas —de forma inconstitucional— contra o X", divulgou a empresa.
Elon Musk reagiu à determinação com uma série de posts sobre Alexandre de Moraes na rede social. Entre as publicações, estavam memes que comparavam o ministro ao vilão Voldemort, dos filmes da série Harry Potter, e outros ataques diretos, chamando Moraes de uma "vergonha para as togas de juízes".
30 de agosto - X sai do ar no Brasil
No dia 30 de agosto, uma sexta-feira, Moraes determinou que o X saísse do ar. Ao longo do final de semana, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) começou a cumprir a decisão.
Na decisão, Moraes argumentou que Musk e sua rede social estariam incentivando, com sua postura, discursos extremistas e antidemocráticos. Além disso, estariam obstruindo a Justiça ao não seguir determinações judiciais como bloqueio de contas e ao deixar de apontar um representante legal no país.
No dia seguinte, usuários de internet no Brasil já não conseguiam acessar o X. O texto fixa fixou um prazo de até cinco dias para que todos os envolvidos na operação, incluindo empresas de telefonia e servidores, cumprissem com o bloqueio da plataforma.
A decisão de Moraes também impôs uma série de medidas contra usuários de um mecanismo de proteção ou burla de barreiras na internet chamado VPN. Entre elas estava a aplicação de multas a quem usar VPN para acessar o X no Brasil.
Moraes estipulou uma multa de R$ 50 mil para pessoas físicas ou jurídicas que utilizem VPN para burlar o bloqueio determinado por ele e acessar a o X a partir do Brasil.
Moraes também havia determinado que Google e Apple retirassem de suas lojas de aplicativos aqueles que oferecem esse serviço, mas após uma série de críticas em redes sociais, o ministro recuou deste ponto de sua decisão.
Logo após a decisão, Elon Musk reagiu em sua conta no X. Disse que “a liberdade de expressão é a base da democracia e um pseudo-juiz não eleito no Brasil está destruindo-a para fins políticos”.
A notícia do bloqueio do X teve ampla repercussão internacional — com meios de comunicação criticando algumas decisões do STF, mas também criticando a postura de Musk de desobedecer as leis brasileiras.
"A proibição do X colocaria o Brasil entre um grupo de nações autocráticas, como Coreia do Norte e Venezuela, que também proíbem a plataforma", escreveu o jornal britânico Financial Times. "Moraes liderou uma repressão judicial contra a desinformação online, mas é uma figura controversa que divide opiniões no Brasil."
O jornal americano Washington Post destacou que a medida aconteceu após Musk se recusar a nomear um representante legal no Brasil.
O X criou uma conta chamada AlexandreFiles ("Arquivos Alexandre") para divulgar decisões tomadas pelo juiz que a empresa considera ilegais ou inconstitucionais.
18 de setembro - X 'dribla' bloqueio no Brasil
Usuários em cidades como São Paulo e Belo Horizonte conseguiram acessar a plataforma normalmente, o que chamou a atenção de usuários e autoridades brasileiras.
O retorno foi conseguido por meio de uma manobra técnica na forma de hospedagem na rede social na internet, desafiando o bloqueio estabelecido pelo STF.
O ministro Alexandre de Moraes reagiu determinando que a rede social retomasse o cumprimento do bloqueio imediatamente, com multa de R$ 5 milhões por dia de violação. Moraes estabeleceu que a multa poderia ser cobrada da Starlink, outra empresa de Musk que mantém atuação no Brasil.
A empresa disse que o acesso no Brasil foi um efeito colateral "não intencional e temporário" da troca de provedores de rede.
"Embora esperemos que a plataforma fique inacessível novamente em breve, continuamos os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para retornar muito em breve ao povo do Brasil", dizia declaração do X.
20 de setembro - X diz que vai cumprir decisões
A rede social X anunciou que decidiu cumprir todas as decisões do STF e nomeou a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição como representante.
"A empresa decidiu cumprir com todas as determinações judiciais", disse à BBC News Brasil o criminalista Sérgio Rosenthal, nomeado pelo X como um dos seus advogados. "O importante é regularizar a situação da empresa no Brasil."
Alguns perfis de contas de bolsonaristas e envolvidos nos tumultos de Brasília foram excluídos do X.
No dia 21, Moraes deu um novo prazo para que o X enviasse mais dados antes que o site volte a funcionar no Brasil.
Segundo o ministro, uma decisão judicial anterior para que os advogados apontados pela rede social comprovassem a regularidade e a validade da representação legal da empresa no país “não foi devidamente cumprida” no prazo estipulado de 24 horas.
Moraes pediu que diversos órgãos, como a Receita Federal, o Banco Central, a Polícia Federal, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a própria Secretaria Judiciária do STF, prestem esclarecimentos e compartilhem informações sobre o X no país para esclarecer “a atual situação da representação legal do X no Brasil” e fazer cálculos de “eventual multa a ser aplicada”.
4 de outubro - X paga multa em conta errada
Moraes disse que o X fez o depósito do valor das multas devidas em uma conta bancária errada.
O valor de R$ 28,6 milhões foi depositado em uma conta da Caixa Econômica Federal e não na conta judicial no Banco do Brasil.
Moraes determinou que a Caixa transferisse o dinheiro para a conta certa.
O ministro determinou que o caso fosse encaminhado para manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Depois disso, o STF avaliaria o desbloqueio da plataforma.
Nesta terça-feira (8/10), o X anunciou que fez o pagamento na conta correta, e que agora aguarda a liberação da plataforma no Brasil.
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