Sob a liderança de Gilberto Kassab, o Partido Social Democrático (PSD) desbancou o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e conquistou o maior número de prefeituras do país: ao menos 888 dos 5.569 municípios brasileiros, quando já havia sido totalizado os votos de quase todo o país, na noite de domingo (6/10).
É a primeira vez desde 1988, após a redemocratização, que o partido de Ulysses Guimarães não conquista a maior quantidade de prefeituras.
O MDB, por sua vez, elegeu ao menos 861 prefeitos, ainda assim um aumento em relação a 2020 (793).
Os números foram contabilizados pelo portal Nexo, a partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Cinquenta e uma cidades ainda terão segundo turno no país, incluindo São Paulo, em que o MDB tentará a reeleição com Ricardo Nunes, contra Guilherme Boulos, do PSOL.
O desempenho do atual prefeito, porém, também tem o dedo de Kassab, que hoje é aliado político principal do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi o maior cabo eleitoral de Nunes na campanha deste ano.
Nunes, inclusive, agradeceu Kassab em seu discurso após a confirmação de sua ida ao segundo turno, em uma disputa acirrada com Pablo Marçal (PRTB) pelo eleitor conservador da cidade.
Considerando os eleitos em primeiro turno, o ranking dos dez maiores partidos do país em número de prefeituras estava assim na noite de domingo:
- PSD, com 888 prefeituras, alta ante 2020 (657);
- MDB com 861 prefeituras, alta ante 2020 (793);
- PP com 752 prefeituras, alta ante 2020 (690);
- União Brasil com 589 prefeituras (partido foi criado da fusão de PSL e DEM, que elegeram juntos 568 prefeituras em 2020);
- PL, com 523 prefeituras, alta ante 2020 (344);
- Republicanos, com 439 prefeituras, alta ante 2020 (212);
- PSB, com 311 prefeituras, alta ante 2020 (253);
- PSDB, com 273 prefeituras, queda ante 2020 (523);
- PT, com 251 prefeituras, alta ante 2020 (182);
- PDT, com 151 prefeituras, queda ante 2020 (315).
O destaque do PSD ficou com a reeleição de três prefeitos no primeiro turno, com Eduardo Paes, no Rio de Janeiro (RJ); Topázio Neto, em Florianópolis (SC); e Eduardo Braide (PSD), em São Luís (MA).
O caminho da sigla de Kassab ao topo da eleição municipal foi rápido, seguindo o mesmo comportamento pragmático do MDB: ou seja, apoiando diferentes governos, independentemente de sua corrente ideológica.
O PSD, fundado em 2011 a partir de uma dissidência do antigo Democratas, estreou em disputas municipais no ano seguinte já como a quarta maior força eleitoral, conquistando 494 cidades em 2012, quando ficou atrás apenas dos tradicionais MDB, PSDB e PT.
Depois disso, cresceu para 539 municípios, em 2016, e alcançou 657, em 2020.
O partido já havia se tornado o maior em prefeituras ao atrair quase 400 prefeitos de outras siglas nos últimos quatro anos.
Em abril deste ano, quando acabou o prazo para troca de partidos antes das eleições, o PSD tinha 1.040 municípios, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
O crescimento recente foi puxado por São Paulo, onde a sigla se tornou a principal aliada do governo de Tarcísio de Freitas, que é, por sua vez, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mas o PSD também está no governo de presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comandando três ministérios: o de Minas e Energia, o da Agricultura e o da Pesca.
As alianças com diferentes governos dão mais acesso a investimentos públicos nos redutos eleitorais do partido, fortalecendo a sigla nas eleições, explicam cientistas políticos.
Desde seu nascimento, o partido apoiou todos os governos federais, ocupando ministérios nas gestões de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
"O PSD já nasce como um projeto de, em alguma medida, virar um novo MDB, e, assim, ser uma figura central para governabilidade", nota o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria.
Ele lembra que o partido foi fundado em 2011 sob liderança do Kassab em um momento em que parte do Democratas estava cansada do papel de oposição.
A sigla estava acostumada a ser governo até o PT chegar ao poder em 2003, com a primeira eleição de Lula.
Democratas foi o novo nome adotado pelo Partido da Frente Liberal (PFL), em 2007, quando a legenda vivia um enfraquecimento.
A sigla nasceu em 1985, liderada por egressos da Arena, partido de sustentação da ditadura militar (1964-1985).
Depois, esteve nos governos de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), cujo vice-presidente era o pefelista Marco Maciel.
"Havia uma percepção de que estava muito custoso ser oposição por tanto tempo e que, então, seria possível atrair parte do PFL [Democratas] a partir desse descontentamento. O PSD foi uma forma desse grupo se reaproximar do poder", destaca Cortez.
O avanço sobre o 'tucanistão' paulista
Esse magnetismo pelo poder impulsionou a sigla no maior Estado do país.
A legenda se tornou o partido forte do governo de Tarcísio de Freitas, com Kassab ocupando a poderosa função de secretário de Governo e Relações Institucionais.
O cargo lhe garante protagonismo na articulação política, estando à frente da relação com as prefeituras paulistas e com a Assembleia Legislativa, e também nas negociações para liberação de centenas de milhões de reais em emendas extras — recursos que os deputados estaduais têm para investir pelo Estado, para além das emendas obrigatórias.
Foi nesse contexto que o partido praticamente quintuplicou de tamanho em São Paulo, passando de 66 prefeituras em 2020 para 329 no final de 2023, segundo levantamento do portal Poder 360.
O saldo das urnas em 2024 consolidou sua liderança também no Estado, com o PSD conquistando o comando de 207 municípios paulistas no primeiro turno, segundo dados da própria sigla.
O partido cresceu principalmente sobre antigas cidades tucanas, acompanhando o encolhimento do PSDB, que deixou de comandar o governo de São Paulo após quase três décadas ocupando o Palácio dos Bandeirantes, época em que o Estado ficou conhecido como "Tucanistão".
"Depois de 30 anos [de governos do PSDB], São Paulo tem um novo comando. E o Tarcísio está indo bem. Então o que há são prefeitos que querem estar sob sua liderança. Por que escolhem o PSD? É porque a acomodação local prevalece. O PSD é de centro, é conciliador. Estão indo para a liderança do Tarcísio", disse Kassab, ao jornal Valor Econômico, em novembro de 2023.
Para o cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o bom desempenho do PSD nesta eleição municipal reflete também esse trabalho construído por Kassab de atrair prefeitos para a legenda nos anos anteriores.
"O ponto de partida é fundamental, ainda mais numa eleição que teve alto índice de reeleição", ressalta ele.
Apesar de Kassab definir seu partido como centro, Lavareda considera que o partido, por ser uma cria do antigo PFL, está mais para o campo da direita.
Além disso, lembra que o principal governador do partido, Ratinho Jr., do Paraná, é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. O partido também governa Sergipe, com Fábio Mitidieri.
Os próximos passos do PSD
O bom desempenho do PSD nas eleições municipais deixa o partido bem-posicionado para tentar mais espaço no governo Lula, um uma provável reforma ministerial, avalia Rafael Cortez.
A legenda também se cacifa para as articulações políticas das eleições de 2026, avalia.
Na última disputa presidencial, a sigla ameaçou lançar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como candidato, mas desistiu e optou pela neutralidade, sem apoiar Lula ou Bolsonaro no segundo turno.
A expectativa é que, na próxima eleição, Pacheco saia candidato ao governo de Minas Gerais.
Já para o Palácio do Planalto, Kassab tem dito que o potencial candidato do PSD seria o governador do Paraná, Ratinho Jr. Nesse caso, nota Cortez, a sigla concorreria em oposição a Lula, tentando aglutinar o campo da direita.
Não há, hoje, um candidato claro para liderar esse campo, já que Bolsonaro foi condenado pela Justiça Eleitoral e está inelegível.
Outros que têm aparecido como potenciais concorrentes são os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Kassab, porém, tem afirmado que o caminho natural de Freitas seria disputar a reeleição em São Paulo.
Para o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o plano do presidente do PSD é ser eleito vice-governador de Freitas em 2026 e, assim, se cacifar para disputar o governo de São Paulo em 2030.
Nesse cenário, ele assumiria o comando do maior Estado do país quando Freitas deixasse o cargo em meados de 2030 para disputar a Presidência da República.
"Kassab quer mostrar poder. Ele sonha ser vice do Tarcísio para ser governador [quando o Freitas se afastar para disputar a eleição presidencial]. Acho difícil Kassab atingir esse projeto. Nós somos contra", disse Costa Neto ao jornal Folha de S.Paulo em setembro.
"Kassab está nos dois lados. Está na esquerda e na direita. Mas isso tem um preço e vai custar caro para ele", criticou ainda o presidente do PL.
As falas revelaram o incômodo de Costa Neto com o avanço do PSD, que acabou atrapalhando a meta, declarada por ele próprio, de eleger mais de mil prefeitos esse ano.
O objetivo do PL apostava em duas bases: Bolsonaro como cabo eleitoral nas disputas municipais e o grande volume de recursos para investir nas campanhas, já que o partido, por ter feito a maior bancada da Câmara de Deputados em 2024, teve o maior volume de recursos do fundo eleitoral (R$ 886 milhões).
Kassab respondeu a Costa Neto no jornal: "É compreensível que os radicais, da esquerda e da direita, não entendam o papel do centro. Por isso, radicais", afirmou.
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