ARTIGO

Análise: o risco de uma guerra total no Oriente Médio

Anderson Barreto Moreira, professor de história com especialidade em geopolítica, discorre sobre o perigo de o conflito entre Irã e Israel se espalhar por toda a região

Mísseis iranianos interceptados pelas forças israelenses sobre Tel Aviv -  (crédito: Jack Guez/AFP)
Mísseis iranianos interceptados pelas forças israelenses sobre Tel Aviv - (crédito: Jack Guez/AFP)

POR ANDERSON BARRETO MOREIRA* — O tempo é de profunda apreensão com os destinos da humanidade. A confluência de dois grandes conflitos têm colocado o mundo em apreensão com relação a uma conflagração global. A guerra promovida pelos Estados Unidos e Otan (Organização do tratado do Atlântico Norte) contra a Rússia se encontra em um momento decisivo, e é questão de tempo para que a Ucrânia sofra não apenas com a derrota militar, mas com a mudança política que será inevitável com a vitória russa. Já no Oriente Médio, Israel e Estados Unidos traçam no mapa, ações que estão conduzindo à guerra total na região. Se faz necessária uma forte resposta mundial para que o pior cenário não seja o único possível.

O risco da derrota tem levado Estados Unidos e aliados a dobrarem suas apostas na guerra. A fracassada invasão da região russa de Kursk e a discussão sobre a autorização do lançamento de mísseis de médio e longo alcance de propriedade da Otan sobre todas as regiões da Rússia aceleraram mudanças profundas na doutrina sobre o uso de armas nucleares por Moscou. 

Anderson Barreto Moreira, historiador e pesquisador do Instituto Front, em Porto Alegre
Anderson Barreto Moreira, historiador e pesquisador do Instituto Front, em Porto Alegre (foto: Anderson Barreto Moreira historiador mestre Instituto Front Porto Alegre RS)

Apesar de os Estados Unidos e Otan continuarem afirmando que Vladimir Putin blefa, já não é mais segredo de que a Ucrânia está à beira da derrota, e crescem os apelos para que os aliados atuem diretamente no conflito. Em outras palavras, um confronto direto que poderia resultar numa guerra nuclear.

Em outubro de 2023, um novo front foi aberto no Oriente Médio. Independentemente da concordância ou não com as ações do Hamas no dia 7 de outubro, hoje, com o atual genocídio do povo palestino praticado pelo Estado terrorista de Israel, isso não tem mais lugar. O bombardeio e assassinato indiscriminado de civis, principalmente crianças e tantas outras cenas chocantes colocaram Israel no banco dos réus da História.

Israel e Estados Unidos promovem uma dança macabra em que o primeiro foi autorizado usar toda sua força para atender a estratégia maior do seu principal aliado: enfraquecer a ascensão de uma nova ordem mundial multipolar. O genocídio do povo palestino atende aos interesses de Israel do "sonho da grande Israel" mas, numa camada mais profunda, tem como objetivo trazer todo o chamado "Eixo da Resistência" para uma guerra total na região.

Esse “Eixo” vem se consolidando desde a tentativa de destruição da Síria em 2011 que, graças ao apoio da Rússia em articulação com o Irã, Hezbollah no Líbano e o Hamas na Palestina, sobreviveu a sua desintegração. Desde então, essa aliança que envolve Estados e entes não estatais cresceu em força e organização, incorporando forças do Iraque e os huthis no Iêmen.

A escalada de assassinatos de Israel chegou ao seu ápice com o bombardeio em Beirute que matou Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, no final setembro e esse fato pode ter selado uma mudança estrutural no desenrolar da transição de poder no século 21. A escalada de Israel contra o Irã, via assassinatos e atentados contra líderes da resistência não havia sido suficiente para arrastar os iranianos para a guerra total.

A prudência iraniana de não provocar uma guerra aberta foi interpretada como fraqueza e animou israelenses e norte-americanos a seguir adiante na estratégia trazer o Irã para um confronto direto. Isso colocaria Rússia, China e outros países que estão na Organização de Cooperação de Xangai e BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em um cenário sombrio diante da necessidade de defender o Irã, membro dessas organizações.

Após tentativas frustradas de um cessar-fogo na região a resposta iraniana na terça-feira, era  praticamente inevitável, pois o preço que pagaria política e militarmente caso não o fizesse seria
alto demais. O Irã mostrou que tem capacidade de infligir severos danos a Israel. A resposta israelense promete ser dura e, caso ocorra, entraremos em uma espiral de incertezas. O recuo não parece estar no horizonte de nenhuma das partes.

Será preciso uma ampla força social mundial que denuncie os crimes de guerra de Israel e Estados Unidos e o risco de que sua estratégia resulte numa guerra total e, talvez, nuclear, cujo único objetivo é evitar a perda do seu poder mundial.

* Professor de história, mestrando em história pela UFRGS e pesquisador do Instituto Front, sediado em Porto Alegre (RS)

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postado em 03/10/2024 06:03
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