O líder do partido Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ, na sigla em alemão), de direita radical, Herbert Kickl, disse que a sigla deu início a uma "nova era" após uma vitória inédita em eleições no fim de semana.
O FPÖ conquistou 29,2% dos votos segundo resultados provisórios — quase três pontos a mais do que o conservador Partido Popular Austríaco (ÖVP), que chegou a 26,5%. Mas o partido ainda está longe da maioria necessária para governar — e pode ter dificuldades para formar um governo.
Kickl elogiou os eleitores austríacos por seu "otimismo, coragem e confiança" em escrever uma "parte da história".
Analistas políticos dizem que durante a campanha, Kickl e o FPÖ fizeram referências veladas ao nazismo — apesar de o partido negar qualquer ligação com o nazismo atualmente. O FPÖ foi fundado por ex-nazistas nos anos 1950.
Em discursos, Kickl prometeu se tornar Volkskanzler (o chanceler do povo), mesmo termo usado por Adolf Hitler na Alemanha nazista.
Dois dias antes da eleição, alguns candidatos foram filmados cantando uma música da SS (o órgão paramilitar do partido nazista da Alemanha dos anos 1930) em um funeral.
Na medida em que a vitória do FPÖ começou a ficar evidente, alguns manifestantes protestaram com faixas anti-nazismo em frente ao parlamento austríaco.
Kickl tinha como bandeiras de campanha os temores sobre imigração na Áustria e a indignação com a forma como o governo lidou com a pandemia da covid. O político defendeu teorias da conspiração sobre tratamentos obscuros contra o vírus.
Em 1999, o partido chegou em primeiro lugar na eleição nacional e participou de uma coalizão de governo junto com o conservador ÖVP.
Durante o governo, a Áustria foi alvo de sanções e boicotes por parte de alguns países da União Europeia — forçando a renúncia do então líder do partido, o polêmico político Jörg Haider, um político que fazia frequentes elogios à Alemanha nazista. Herbert Kickl escrevia alguns dos discursos de Haider.
Onda de direita radical na Europa
A vitória de Kickl é a mais recente em quase um ano de sucessos eleitorais da direita radical na Europa.
Na Itália, a premiê Giorgia Meloni lidera uma coalizão de direita, à frente do partido Irmãos da Itália, de direita radical. Na Alemanha, a sigla da direita radical AfD ficou em primeiro lugar em eleição no Estado da Turíngia no mês passado. Na Holanda o Partido pela Liberdade, de Geert Wilders, também liderou o resultado de eleições porém desistiu de ser primeiro-ministro para que fosse possível costurar uma coalizão que permitisse formar um governo. Na França, o Reunião Nacional, de Marine Le Pen, foi vitorioso na eleição de junho para o parlamento europeu.
Ao contrário de Kickl, a premiê italiana deu total apoio à União Europeia em sua defesa da Ucrânia contra a Rússia.
Uma das líderes do AfD, Alice Weidel, parabenizou Kickl, publicando uma foto de ambos juntos. Marine Le Pen, do Reunião Nacional, disse que existe uma "onda de apoio à defesa de interesses nacionais", depois que eleições pela Europa confirmaram "os triunfos dos povos em todos os lugares".
Geert Wilders disse que os tempos estão mudando, e que milhões de europeus querem "identidade, soberania, liberdade e o fim da imigração ilegal e asilo".
Para Kickl, a vitória no pleito de domingo é uma recuperação notável em relação a 2019, quando o partido ficou em terceiro lugar, em meio a escândalos da época.
O partido de Kickl conquistou 58 vagas no parlamento austríaco, que possui 183 assentos. Os conservadores ficaram com 52 vagas, e os social-democratas, com 41.
O líder do FPÖ prometeu aos austríacos construir algo que ele chama de "Fortaleza Áustria", para restaurar segurança, prosperidade e paz. Ele se alinhou ao primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
O líder social-democrata Andreas Babler alertou que a Áustria não deve seguir o mesmo caminho da Hungria.
Dificuldades para governar
O comparecimento às urnas foi considerado alto, com índice de 74,9%. Os principais temas do pleito foram migração e asilo político, além da guerra na Ucrânia e do fraco desempenho da economia.
O FPÖ já participou de coalizões no passado. Mas o ÖVP disse que se recusa a participar de um governo liderado por Kickl. O maior rival do líder da direita radical, o chanceler Karl Nehammer, do ÖVP, disse que "é impossível formar um governo com alguém que adora teorias da conspiração".
O secretário-geral da FPÖ, Michael Schnedlitz, afirmou que "os homens e mulheres da Áustria fizeram história hoje", mas não disse que tipo de coalizão o partido tentará formar para poder governar.
Uma análise dos eleitores sugere que pessoas entre 35 e 39 anos eram as que tinham maior probabilidade de votar na direita radical — com leve predominância de mulheres.
Formar uma coalizão será uma tarefa difícil para Kickl, que é considerado uma pessoa polêmica.
Os social-democratas, os verdes e os integrantes do Neos (partido liberal) disseram que não formarão alianças com a direita radical.
A única possibilidade de coalizão seria com os conservadores do ÖVP, mas eles já manifestaram que não formarão governo com o FPÖ se Kickl for o chanceler.
Isso aconteceu na Holanda no ano passado, quando o líder do Partido pela Liberdade, Geert Wilders, aceitou não ser primeiro-ministro para que outras três siglas formassem uma coalizão junto com a direita radical.
Mas na Áustria, Kickl está determinado a liderar o país, prometendo agir como "servo e protetor" do povo.
O analista político Thomas Hofer disse à BBC que não está claro se o presidente Alexander Van der Bellen, que convoca as partes para a formação de governo. daria a Kickl um "mandato direto para formar uma coalizão".
Em tese, os conservadores conseguiriam formar uma coalizão junto com social-democratas e até mesmo atrair o Neos e os verdes.
Igualmente, Karl Nehammer pode ser pressionado a aceitar Kickl. Um político do FPÖ disse que Nehammer deveria renunciar depois da derrota no fim de semana, mas essa sugestão foi rejeitada pelo secretário-geral do ÖVP.
No passado, o presidente Van der Bellen manifestou preocupação com o FPÖ por sua postura crítica à União Europeia e pelo partido não criticar a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O partido se opõe a sanções contra Moscou, citando a neutralidade da Áustria. Muitos de seus políticos se retiraram do parlamento em Viena no ano passado quando o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fez um discurso.