Enquanto mantinha os ataques aéreos aos bastiões xiitas de Beirute, e ao sul e leste do Líbano (no Vale do Bekaa), Israel atingiu alvos no Iêmen, a 2.100km de suas fronteiras, ampliando a ameaça de uma guerra total no Oriente Médio. Dois dias depois do assassinato do xeque Hassan Nasrallah, líder máximo do movimento xiita Hezbollah, dezenas de aeronaves da Força Aérea israelense — incluindo caças, aviões para reabastecimento no ar e aeronaves espiãs — participaram da operação contra a infraestrutura dos rebeldes separtistas huthis, um dos aliados do Irã na região. "As IDF (Forças de Defesa de Israel) atacaram centrais elétricas e um porto, que são usados para importar petróleo. Por meio da infraestrutura alvejada e dos portos, o regime dos huthis transfere armas iranianas para a região, assim como suprimentos para fins militares, incluindo petróleo", afirmou o Exército de Israel, por meio de nota.
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Mísseis atingiram as cidades portuárias de Hodeidah e Ras Isa. Os huthis anunciaram que quatro pessoas morreram nos ataques (um funcionário do porto de Hodeidah e três engenheiros), que também deixaram 33 feridos. No sábado (28/9), os huthis tinham disparado um míssil contra o Aeroporto Internacional Ben Gurion, perto de Tel Aviv, com a intenção de derrubar o avião do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. "Nenhum lugar está longe demais para Israel", advertiu o ministro da Defesa, Yoav Gallant, após os bombardeios. No Líbano, novos ataques aéreos contra 120 alvos do Hezbollah deixaram pelo menos 100 mortos neste domingo. O movimento xiita elegeu Hashem Safieddine, primo de Nasrallah e chefe do Conselho Executivo, para ocupar o principal posto de comando.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, declarou que uma guerra total no Oriente Médio "deve ser evitada" e admitiu que pretende conversar com Netanyahu. Ao ser questionado por um jornalista sobre a possibilidade de evitar um conflito mais amplo na região, o titular da Casa Branca respondeu: "Deve ser evitado. Realmente deve ser evitado".
Em entrevista ao Correio, o iemenita Asher Orkaby, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, explicou que os bombardeios israelenses a Hodeidah serviram como uma resposta a contínuos ataques não provocados que os huthis têm levado a cabo contra o território de Israel. "A operação militar (deste domingo) teve como alvo depósito de petróleo, a fim de evitar baixas civis. Ao mesmo tempo, buscou desferir um golpe eficaz nas capacidades ofensivas dos huthis", avaliou.
Para Orkaby, o governo de Benjamin Netanyahu tenta estabelecer uma dissuasão contra a crescente ameaça iraniana que se espalhou pelo Oriente Médio. "Os iranianos armaram seus aliados ardilosos em toda a região, incluindo o Hezbollah, o Hamas, os huthis e grupos xiitas no Iraque. A mentalidade estratégica de Teerã centra-se em uma guerra contra Israel e os EUA, em detrimento da população em Gaza, no Líbano, no Iraque e no Iêmen", acrescentou.
O estudioso de Harvard e autor de Yemen: what everyone needs to know ("Iêmen: o que todo mundo precisa saber") afirmou que a capacidade militar e estratégica dos huthis é limitada. Orkaby cita evidências crescentes de que os iranianos não apenas armam os aliados iemenitas xiitas, mas estão presentes fisicamente no Iêmen. "Eles operam instalações de drones e de mísseis. É um perigo claro e constante para a população iemenita, para a região do Mar Vermelho, para o comércio global e para Israel", advertiu.
Jornalista em Sanaa, capital do Iêmen, o huthi Abdulhamid Sharwan, 34 anos, assegurou ao Correio que não tem medo de um espalhamento do conflito por toda a região. "Pelo contrário, antecipamos ansiosamente essa guerra e esperamos que ela chegue o mais breve possível. Em meu país, todos estamos desejosos de participar desse conflito por todos os meios necessários", garantiu. Ele acredita que os bombardeios israelenses de ontem são uma "tentativa desesperada" de Israel de reivindicar uma vitória, a fim de alimentar a mídia doméstica. "Em uma série de ataques aéreos, alvejaram instalações não essenciais na cidade de Hodeidah, incluindo tanques de petróleo que foram drenados nos últimos meses. Também atingiram o aeroporto, em ruínas desde que foi bombardeado pela coalizão americano-saudita. As operações ocorrem no momento em que o inimigo tenta capitalizar a falsa sensação de vitória experimentada desde o assassinato de Nasrallah."
Cadáver
O corpo de Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, foi retirado dos escombros do quartel-general da milícia, no sábado (28), e envolto em uma mortalha depois da ablução fúnebre, no domingo (29). O cadáver estaria intacto, o que indica que o clérigo morreu em decorrência de trauma contundente provocado pela força da explosão. As cerimônias fúnebres ocorreriam nesta segunda-feira, mas acabaram canceladas, anunciaram as emissoras sauditas Al Hadath e Al Arabiya.
O tenente-coronel israelense Mordechai Kedar — pesquisador do Centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan) — lembrou ao Correio que Nasrallah foi o único líder do Hezbollah durante 32 anos. "Sua personalidade fez dele o pilar dessa organização terrorista, que praticamente se apossou do Líbano. Não existe ninguém no Hezbollah capaz de substituí-lo à altura. O próximo escolhido (Hashem Safieddine) precisará tomar o seu lugar nos aspectos militar e político e na relação com o Irã", comentou. Segundo Kedar, mais do que a morte de Nasrallah, o ponto de virada no Líbano ocorrerá se os cristãos, drusos e muçulmanos sunitas começarem a combater o Hezbollah, tirando vantagem da "terrível situação" do grupo.
EU ACHO...
"Os iranianos começaram a escalar a guerra no Oriente Médio. Os ataques de Israel destinam-se a eliminar as capacidades aliadas iranianas em toda a região e, em última análise, servirão para desescalar o conflito, em vez de causar uma nova escalada."
Asher Orkaby, especialista iemenita em Oriente Médio pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos
RÁPIDAS
Papa condena uso "imoral" da força
O papa Francisco condenou o uso "imoral" da força no Líbano e em Gaza, e pareceu pedir moderação a Israel ao retornar de sua visita à Bélgica. Questionado a bordo do avião sobre as consequências para os civis dos bombardeios israelenses em Gaza e no Líbano, o pontífice respondeu: "Um país que usa a força para agir desta forma, seja qual for o país, que age de forma tão excessiva, (presta-se a) ações imorais". "A defesa deve ser sempre proporcional ao ataque. Quando não é assim, surge uma tendência dominante, que vai além da moralidade", respondeu o jesuíta argentino de 87 anos à pergunta de um jornalista americano. "Mesmo na guerra, há uma moral a defender. A guerra é imoral, mas as regras da guerra indicam uma forma de moralidade", acrescentou o papa Francisco.
Al-Assad lamenta morte de Nasrallah
O presidente da Síria, Bashar Al-Assad, rompeu o silêncio sobre a morte de Hassan Nasrallah e disse que o líder do Hezbollah foi "um caminho rumo à resistência e à dignidade". De acordo com a agência estatal síria de notícias Sana, Al-Assad enviou uma mensagem à família de Nasrallah e a representantes da "Resistência Nacional Libanesa". "A resistência é uma ideia e uma doutrina, e o mártir Nasrallah é sua memória e história. Ele nunca será apenas uma lenda, mas um caminho, que continua a criar uma realidade cujo núcleo é a resistência e cuja essência é a dignidade", escreveu.
Paradeiro de chefe do Hamas é um mistério
O jornal The Times of Israel publicou uma imagem curiosa de uma reunião liderada, ontem, pelo chefe do Estado-Maior israelense, tenente-general Herzi Halevi. Em um telão, os nomes de Hassan Nasrallah e de Yahya Sinwar, líderes do Hezbollah e do Hamas, aparecem lado a lado, no alto. Detalhe: enquanto a foto de Nasrallah está marcada com um X, a imagem de Sinwar surge com um ponto de interrogação. O líder do Hamas, que sucedeu Ismail Haniyeh, assassinado em Teerã, está incomunicável há vários dias. As Forças de Defesa de Israel (IDF) não descartam que ele tenha sido morto.