Um homem de 88 anos, condenado à morte com mais tempo de prisão no mundo, foi absolvido por um tribunal japonês, após a descoberta de que as evidências usadas contra ele foram forjadas.
Iwao Hakamada, que estava no corredor da morte há mais de meio século, foi considerado culpado em 1968 por matar o próprio chefe, além da esposa e dos dois filhos adolescentes do homem.
Recentemente, Hakamada foi alvo de um novo julgamento em meio às suspeitas de que os investigadores poderiam ter forjado evidências que levaram à sua condenação por homicídio quádruplo nos anos 1960.
O caso de Hakamada é uma das sagas jurídicas mais famosas do Japão e atraiu amplo interesse público — cerca de 500 pessoas acompanharam o desfecho do julgamento no tribunal localizado na cidade de Shizuoka na manhã desta quinta-feira (26/9).
Quando o veredicto finalmente foi divulgado, os simpatizantes de Hakamada do lado de fora do tribunal aplaudiram e gritaram banzai — uma exclamação japonesa que significa "viva".
Hakamada não estava presente no tribunal, pois foi dispensado de todas as audiências devido ao seu estado mental deteriorado.
Desde 2014, ele vive sob os cuidados da irmã. Neste ano, Hakamada foi liberado da prisão e recebeu a oportunidade de um novo julgamento por um tribunal japonês.
Roupas manchadas de sangue em um tanque de missô
Ex-boxeador profissional, Hakamada trabalhava em uma fábrica de processamento de missô — um ingrediente tradicional da culinária japonesa feito a partir da fermentação de soja, arroz e sal — em 1966, quando os corpos de seu chefe, da esposa do homem e de dois filhos do casal foram recuperados após um incêndio na casa da família em Shizuoka, que fica a oeste de Tóquio.
A investigação revelou que as quatro vítimas haviam sido esfaqueadas.
As autoridades acusaram Hakamada de assassinar a família, atear fogo na casa e roubar 200 mil ienes (R$ 7,5 mil, na cotação atual) em dinheiro.
Hakamada inicialmente negou ter roubado e assassinado as vítimas, mas depois deu o que ele descreveu posteriormente como uma confissão forçada. Ele alegou que sofreu espancamentos, além de ser submetido a interrogatórios que duravam até 12 horas por dia.
Em 1968, ele foi condenado por assassinato e incêndio criminoso e acabou sentenciado à morte.
A saga jurídica de décadas tinha como chave algumas roupas manchadas de sangue que foram encontradas em um tanque de missô logo após os corpos serem descobertos.
Essas peças foram usadas para incriminar Hakamada.
Durante anos, no entanto, os advogados de Hakamada argumentaram que o DNA recuperado a partir das roupas não correspondia com o material genético dele.
A defesa levantou a possibilidade de que os itens pertenciam a outra pessoa e sugeriu ainda que a polícia poderia ter fabricado as evidências.
O argumento foi suficiente para persuadir o juiz Hiroaki Murayama, que em 2014 observou que "as roupas não eram do réu".
"É injusto deter o réu por mais tempo, pois a possibilidade de sua inocência se tornou clara em um grau considerável", disse Murayama à época.
Hakamada foi então libertado da prisão e ganhou o direito a um novo julgamento.
A demora de procedimentos legais fizeram com que o novo julgamento se arrastasse por mais alguns anos e só começasse em 2023. E o veredicto só veio nesta quinta-feira (26/9) pela manhã.
Além de declarar Hakamada inocente, o juiz também concluiu que as principais evidências dos promotores foram de fato forjadas.
As décadas de detenção, muitas vezes em confinamento solitário com a ameaça de execução a qualquer momento, tiveram um grande impacto na saúde mental de Hakamada, de acordo com os advogados e os familiares dele.
Hideko, irmã de Hakamada que tem 91 anos, há muito tempo defendia a libertação. No ano passado, quando o novo julgamento começou, ela expressou alívio e disse que finalmente um peso havia sido tirado dos ombros dela.
Novos julgamentos para condenados à morte são raros no país — o de Hakamada é apenas o quinto na história do pós-guerra do Japão.
Ao lado dos Estados Unidos, o Japão está entre os únicos países do G7 (grupo que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo) que ainda impõe pena de morte.
No país, prisioneiros condenados à pena capital são notificados sobre o enforcamento apenas algumas horas antes da execução.
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