Corrida à Casa Branca

Trump culpa 'retórica de Biden e Harris' por novo atentado

Candidato republicano responsabiliza a retórica da adversária democrata e do presidente pela segunda tentativa de assassinato em dois meses. Potencial atirador é formalmente acusado por porte ilegal e adulteração de arma de fogo

Donald Trump apontou dois culpados pela nova tentativa de assassinato ocorrida no domingo (15/9): o presidente Joe Biden e a vice, e adversária democrata, Kamala Harris. "O suspeito acreditou na retórica de Biden e Harris e agiu de acordo com ela", afirmou o magnata republicano à emissora Fox News. "Tal retórica está fazendo com que disparem contra mim." Trump também usou a sua plataforma Truth Social para atacar os democratas. "Estão chovendo balas por causa desta retórica comunista e a situação vai piorar", advertiu.

Biden se apressou em responder às acusações do antecessor. "Sempre condenei a violência política. Sempre o farei", declarou, ao visitar a Filadélfia, na Pensilvânia. O titular da Casa Branca ressaltou que os americanos resolvem suas diferenças "pacificamente nas urnas, não com armas".

Por volta das 13h30 de domingo (14h30 em Brasília), um agente do Serviço Secreto dos Estados Unidos identificou um cano de fuzil AK-47 apontado para Trump, em meio a uma cerca, a menos de 500m do ex-presidente, que disputava uma partida em seu clube de golfe Trump International Golf Course, em West Palm Beach, na Flórida.

O suspeito, Ryan Wesley Routh, 58 anos, foi preso e formalmente acusado de porte ilegal de uma arma de fogo e porte de uma arma com o número de série apagado. O Serviço Secreto esclareceu que o potencial atirador não chegou a disparar o fuzil. 

Tocaia

As autoridades informaram que Routh ficou de tocaia por mais de 12 horas, em meio aos arbustos. No local, foram encontradas, além da arma com mira telescópica, duas mochilas e uma câmera GroPro. Ronald Rowe Jr., diretor interino do Serviço Secreto, negou, no entanto, que Trump estivesse na mira.

O procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, prometeu envidar todos os esforços no inquérito sobre a nova tentativa de assassinato, avaliada como "extremamente séria" pelo FBI (a polícia federal norte-americana). "Estamos agradecidos de que o ex-presidente esteja a salvo", declarou, por meio de um comunicado. "Trabalharemos incansavelmente para garantir que se prestem contas e utilizaremos todos os recursos disponíveis nesta investigação."

Agente especial aposentado do FBI, Bobby Chacon defendeu a necessidade de uma avaliação psicológica de Routh. "Depois desse procedimento, um especialista poderá dizer por que o suspeito fez isso e o que realmente o motivou a desejar matar Trump. Podemos ser capazes de inferir o motivo, a partir de suas declarações na internet e coisas assim, mas não podemos ter certeza até ouvirmos dele ou de um especialista que o tenha interrogado", afirmou ao Correio.

Chacon disse não ter visto falhas de segurança significativas no incidente de domingo. "Os agentes do Serviço Secreto perceberam a ameaça e dispararam contra o suspeito, antes que ele pudesse atirar. Ainda assim, acho que o perímetro de segurança ao redor de Trump precisa ser aumentado. Talvez seja necessário, também, empregar tecnologia, como drones, para detectar ameaças potenciais mais cedo", acrescentou o ex-agente especial.  

James Hawdon, diretor do Centro de Estudos para a Paz e Prevenção da Violência do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgína (Virginia Tech), admitiu que a retórica adotada pelos líderes políticos nos EUA "sempre importa". "Seria sensato para ambos os lados continuarem a condenar, aberta e veementemente, a violência. Eles estão fazendo isso agora, mas precisam continuar a se manifestar contra isso", disse à reportagem.

Hawdon reconhece que a cultura armamentista complica a proteção a Trump e a outros políticos. "Embora seja verdade que a maioria das armas usadas em crimes são obtidas ilegalmente, o fato de haver mais armas nos EUA do que pessoas e a permissividade das leis tornam extremamente difícil manter as armas longe de criminosos", observou. "É irônico que o ex-presidente — defensor ferrenho dos direitos às armas — tenha enfrentado duas tentativas de assassinato em dois meses."

Allan Lichtman, historiador político da American University (em Washington), denunciou a "demagogia ultrajante" de Trump. "Isso deveria ser condenado, tanto pelos republicanos quanto pelos democratas. Trump tem sido muito mais cruel em atacar os rivais do que Biden e Kamala", afirmou ao Correio

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Bobby Chacon é agente especial aposentado do FBI dos EUA

"Essa nova tentativa de assassinato é resultado da retórica política contínua e injustificada que pinta Trump como uma entidade maligna. Os democratas usam o tema, colocando o ex-presidente como uma 'ameaça à democracia'. Essa retórica vil não tem lugar no discurso político civil e serve apenas para inflamar as emoções de indivíduos já emocionalmente instáveis. O atirador apresentou um perigo claro para Trump. Ele estava dentro do raio de tiro para acertar Trump, caso o Serviço Secreto não tivesse reagido."

Bobby Chacon, agente especial aposentado do FBI (polícia federal dos Estados Unidos)

John McCormick - James Hawdon, diretor do Centro de Estudos para a Paz e Prevenção da Violência do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgína (Virginia Tech)

"Embora a violência política não seja nova nos Estados Unidos e certamente tenhamos tido momentos marcados por mais violência política — a Guerra Civil Americana sendo o exemplo mais óbvio —, ela tem aumentado nos últimos anos. Esse incremento, provavelmente, é resultado da crescente polarização política nos Estados Unidos. Ao contrário do passado, quando as diferenças políticas eram baseadas em educação, frequência religiosa, gênero ou raça, a maior divergência de valores agora está entre os partidos (Republicano versus Democrata)."

James Hawdon, diretor do Centro de Estudos para a Paz e Prevenção da Violência do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgína (Virginia Tech)

Arquivo pessoal - Crédito: Arquivo Pessoal. Timothy Hagle, professor de ciência política da Universidade de Iowa

"Uma parte importante da campanha da esquerda é demonizar Trump, tal como aconteceu em 2020. Trump é uma figura bem conhecida, por isso a retórica sobre ele tornou-se mais intensa. Não é surpreendente que alguém tenha decidido agir em relação a isso e que Trump e os seus simpatizantes estejam alertando a esquerda, incluindo Kamala, sobre o assunto."

Timothy Hagle, professor de ciência política da Universidade de Iowa

Quem é o suspeito de tentar eliminar o ex-presidente?

Ativista, idealista ou iluminado? Ryan Routh parece uma mistura dos três, à luz de sua trajetória até ser preso no domingo, na Flórida, depois de tentar assassinar o ex-presidente Donald Trump. Em uma fotografia publicada pelo gabinete do xerife do condado de Martin, o americano de 58 anos aparece com o cabelo loiro despenteado e as mãos algemadas atrás das costas. 

Ex-trabalhador da construção civil, Routh viajou para a Ucrânia em 2022, após a invasão russa. A agência France-Presse  (AFP) o entrevistou por acaso em Kiev, durante uma  manifestação em solidariedade aos ucranianos. "Putin é um terrorista, e precisamos acabar com ele. Precisamos que pessoas de todo o mundo deixem o que estão fazendo e venham aqui agora apoiar os ucranianos para acabar com esta guerra", declarou.

Escritório do Xerife do Condado de Martin/AFP - Flagrante do momento da prisão de Ryan Wesley Routh, na Rodovia Interestadual I-95

Routh tem antecedentes criminais. Foi preso em 2002 por fuga após um controle de trânsito. Estava armado e se entrincheirou em um local. Além disso, várias pessoas moveram ações judiciais contra ele, que também não paga seus impostos. 

Em junho de 2020, Routh publicou uma mensagem na então rede social Twitter, na qual diz que se arrependia de ter votado em Trump em 2016 e expressava sua "grande decepção". "Ficarei feliz quando você não estiver mais aqui", escreveu. 

Em um livro autopublicado de 300 páginas, intitulado A guerra que não se pode vencer, ele expõe suas ideias sobre vários temas: "o erro fatal da democracia", "o abandono do mundo e o cidadão global", "a Terceira Guerra Mundial e o fim da humanidade". Fala sobre Taiwan, Afeganistão e Coreia do Norte. Em março de 2023, declarou a um jornalista do The New York Times que tinha um projeto para ajudar Kiev: recrutar ex-soldados afegãos e enviá-los para combater na Ucrânia.

Nas redes sociais, ele buscava passar a imagem de um "guerreiro pela liberdade mundial" e afirmava sua disposição em morrer em prol das causas nas quais acreditava. Tanto que chegou a oferecer ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, conselhos sobre a estratégia militar para vencer a guerra contra a Rússia.

A emissora de televisão CNN divulgou que Routh fez várias pequenas contribuições financeiras a candidatos presidenciais do Partido Democrata durante o ciclo eleitoral de 2020. Teriam sido 19 doações, entre setembro de 2019 e março de 2020, em valores que variavam entre US$ 1 e US$ 25.

Selfie

Em uma selfie sem data, Ryan Routh aparece com uma barba branca rala e uma expressão franzida. Ele usa a bandeira americana enrolada no pescoço como um lenço e parece estar vestindo um colete à prova de balas. Em outras imagens, ele porta a bandeira dos Estados Unidos costurada em roupas.

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