ESPORTE?

O excêntrico campeonato mundial de arremesso de pedrinhas

Todo mês de setembro, a ilha de Easdale, na Escócia, recebe os jogadores de pedras mais fanáticos do mundo.

A chuva era forte e pesada. As gotas caíam como se fossem bolas de gude. O vento rodopiava e o ar estava tomado pelo cheiro de uísque.

No centro do cenário, estava Lynsay McGeachy, golfista amadora, ciclista de montanhas e chefe de destilação de gim da empresa Beinn an Tuirc, em Kintyre, na Escócia. Ela era a expressão da tranquilidade enquanto se preparava para sua exibição.

O ambiente era eletrizante, como em um show de rock. A multidão se reunia, oferecendo seu apoio.

Mas McGeachy não ouvia. Ela não estava se preparando para uma tacada, nem para pedalar pelas montanhas, nem para participar de nenhum outro tipo de esporte convencional.

Ela estava se preparando para arremessar uma pedra.

McGeachy agarrava o objeto duro e frio e o sentia nas pontas dos dedos, com sério espírito competitivo.

Segundos depois, um arremesso na altura da cintura, no estilo dos jogadores de beisebol, fez a pedrinha de ardósia achatada girar por 42 metros de distância. Ela atravessou a pedreira alagada que estava à sua frente, zunindo e flutuando no ar como se fosse uma libélula embriagada.

A pedra girou no ar 15 vezes. Segundo a própria McGeachy, foi "absolutamente excepcional".

"Tive dificuldade de encontrar pedras para treinar este ano porque já arremessei muitas", ela conta.

McGeachy calcula ter arremessado cerca de 160 pedrinhas por semana, durante seu treinamento na praia de Torrisdale, em Kintyre, uma península no litoral do sudoeste da Escócia. Para ela, o arremesso de pedrinhas é mais uma vocação do que uma carreira.

"Pratico o arremesso desde que era criança", ela conta. "O segredo é encontrar pedregulhos suaves com o lado de baixo plano. Eles giram com muito mais rapidez."

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A inscrição no torneio é limitada a 350 participantes, que pagam uma taxa de 10 libras (cerca de R$ 73)

A competição de arremesso de pedrinhas é uma demonstração de habilidades com o pulso que são quase sobre-humanas. É um esporte tão incomum que pode deixar os espectadores com os dedos formigando só de assistir.

No ano passado, o arremesso de 42 metros feito por McGeachy valeu a ela a vitória entre as mulheres adultas no Campeonato Mundial de Arremesso de Pedrinhas, realizado na ilha de Easdale, no arquipélago das Hébridas.

A ilha fica perto de Oban, no condado de Argyll (oeste da Escócia). É lá que ocorre quase todos os anos, desde 1997, o campeonato de um dos esportes mais estranhos do mundo, no mês de setembro.

O torneio de 2024 reúne concorrentes de 27 países de cinco continentes, incluindo Alemanha, Holanda, Suíça, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e um concorrente vindo da Bolívia. Em anos anteriores, os vencedores foram da Hungria e do Japão.

O campeonato ocorre em uma das pedreiras inundadas de Easdale, do tamanho de um anfiteatro. Trata-se de uma modesta reunião pouco ortodoxa, organizada por parte dos 60 moradores da ilha. Eles incluem o dono do bar, o barqueiro e o único médico local.

O evento também é marcado pelas rivalidades locais e pelo bom humor regado a cerveja. Qualquer pessoa pode participar, mediante o pagamento de uma taxa de inscrição de 10 libras (cerca de R$ 74).

A ilha conta com um único bar, um centro comunitário e um museu que conta a história dos primeiros pedreiros que ocuparam o local. Mas sua topografia irregular é uma atração à parte.

A dificuldade de acesso da ilha também chama a atenção. Ela fica em meio às ilhas Slate (nome que significa "Ardósia", em inglês), na região de Firth of Lorn. Sua incontestável beleza deixa os visitantes com a impressão de que o ser humano e a natureza firmaram um acordo há muito tempo e o respeitam até hoje.

Em Easdale, a admiração pela ardósia é profunda. A interação com a pedra está no DNA dos seus moradores.

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Todas as pedras arremessadas precisam ser de ardósia de formação natural de Easdale e ter, no máximo, 7,6 cm de diâmetro

"Existe muito orgulho e positividade em Easdale, devido ao arremesso de pedrinhas", diz o médico comunitário Kyle Mathews.

Originário de Portadown, na Irlanda do Norte, ele agora é o principal árbitro, anfitrião e um dos organizadores do campeonato.

"A pedreira não é cercada, como a quadra central de Wimbledon", destaca Mathews. "Por isso, ela atrai pessoas para a ilha o ano inteiro."

O desafio para os organizadores são as limitadas acomodações e a infraestrutura para receber um grupo de mil espectadores curiosos, esperados para as finais deste ano.

Apesar da popularidade do torneio, a participação é limitada a 350 arremessadores. No evento deste mês de setembro, as inscrições se esgotaram em 29 minutos.

A demanda foi tão grande que as 700 pessoas que tentaram se inscrever derrubaram o website do torneio.

No fim de semana das finais, Mathews se encarrega de organizar o evento no "Arremesso do Destino", a plataforma de onde os arremessadores lançam suas pedrinhas pela pedreira inundada. Ele também serve de árbitro em eventuais contestações de resultados.

Todos os arremessadores devem concorrer com pedrinhas de ardósia de formação natural de Easdale com até 7,6 cm de diâmetro. Cada pedra deve se encaixar em um padrão de medição cuidadosamente selecionado, para garantir que ninguém tenha vantagens indevidas.

E, sem dúvida, este é um esporte emocionante.

No ano passado, Dougie Isaacs – oito vezes campeão e o favorito dos torcedores escoceses – atingiu o muro traseiro da pedreira com tanta força que gerou uma enorme confusão.

"Buzinas tocaram e o entusiasmo do público soou tão alto que foi ouvido na ilha vizinha de Seil", relembra Mathews. "É um ambiente difícil de conter."

A história que se conta – e que mais parece uma anedota – é que a ideia do torneio surgiu cerca de 40 anos atrás.

Um inglês, um escocês e um irlandês entraram em um bar – no caso, o único bar da ilha, The Puffer – e, depois de muita bebida, seguiu-se uma competição de arremesso de pedrinhas que durou até pouco antes do nascer do sol.

Os mais céticos podem insinuar que a ideia nunca deveria ter saído do bar. Mas o objetivo do torneio, até hoje, é reunir os moradores da ilha. E a força motriz por trás da competição é o grupo de desenvolvimento comunitário Eilean Eisdeal.

O evento serve para arrecadar recursos para a caridade. No ano passado, foram arrecadadas 9 mil libras (cerca de R$ 66 mil) para a escola e o salão comunitário. O propósito é ajudar a garantir o futuro da ilha.

Antes próspera devido à qualidade da ardósia retirada das suas sete pedreiras para o setor global de construções, o comércio primário de Easdale entrou em súbito declínio nos anos 1850, quando uma tempestade histórica inundou os fossos.

Atualmente, as pedras macias que ficaram para trás são repletas de significado e só são empregadas para as competições de arremesso. A última placa de ardósia foi retirada em 1950.

Esta história é contada no Museu Popular da Ilha de Easdale. Ele oferece um melancólico contraponto aos animados regimes de treinamento de arremesso de hoje em dia.

Ombros e pulsos são rotineiramente estirados, quadris são torcidos em movimentos parecidos com ioga e os dedos vibram como se fossem elásticos.

As lesões também são rotineiras, segundo o arremessador Alex Lewis. Estudante de Economia de Stirling, na Escócia, Lewis já participou do torneio seis vezes e venceu diversas competições de arremesso de pedrinhas, como o campeonato britânico, galês, inglês e suíço.

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O evento é tão popular que suas inscrições para a edição de 2024 se esgotaram em apenas 29 minutos

"Na maior parte dos dias, treino para ter certeza de que não vou me lesionar durante a competição", explica ele.

Seu ritual diário inclui exercícios com os pulsos e os ombros e o condicionamento da flexibilidade é fundamental para garantir arremessos de mais de 100 metros de forma consistente, sem romper ligamentos ou músculos.

"Infelizmente, as injeções de cortisona são muito comuns hoje em dia", ele conta.

Um evento que não sai da mente de Lewis é o Torneio Aberto do País de Gales do ano passado. O ex-arremessador de dardo atingiu um recorde mundial não oficial de 147,7 metros de distância – duas vezes o comprimento da pedreira de Easdale.

Sua pedra pulou na água cerca de 50 a 60 vezes. Infelizmente, ele ainda aguarda a confirmação do seu recorde pelo Guinness.

"É claro que pretendo atingir novas conquistas, mas também acho este esporte imensamente terapêutico", explica Lewis. "Pratico porque adoro."

"Por mais estranho que possa parecer, esta é uma grande comunidade para fazer parte... Nós crescemos conversando sobre a interação das pedras com a água. O que, naturalmente, é estranho para muitas pessoas."

Conseguir o lançamento mais longo em uma competição não é uma tarefa fácil para qualquer esportista. Mas, no arremesso de pedrinhas e, particularmente, no litoral tempestuoso de Argyll no Oceano Atlântico, é sempre preciso enfrentar o tempo e os efeitos do vento sobre a água da pedreira.

Mesmo em condições calmas, um arremesso de três lances em Easdale também pode fazer com que uma pedra faça uma curva totalmente fora do curso marcado, perseguida pelas fortes ondas.

"Pode ser a pedra perfeita, o arremesso perfeito, mas uma rajada descontrolada pode fazer sua tentativa sair de controle", explica Lewis. "Por isso, grande parte é sorte. Qualquer um pode vencer."

Qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, pode participar do campeonato mundial de arremesso de pedrinhas – independente da sua idade, capacidade ou experiência. A possibilidade de atingir a glória faz parte do arrebatador apelo de Easdale, ao lado da sua bela e complexa geografia.

Aqui, as pedras estão sempre rolando. E, como diz o ditado, elas não criam limo.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

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