Na tentativa de resolver o impasse governamental que se instalou na França nos últimos três meses, o presidente Emmanuel Macron designou, ontem, um político veterano, conservador e com perfil de negociador, para assumir o cargo de primeiro-ministro. Ao fim de semanas de consultas “sem precedentes”, em busca de uma nomeação “mais estável possível”, Macron entregou a Barnier a espinhosa missão de formar “um governo de unidade” num país politicamente fragmentado.
- Leia também: Michel Barnier é nomeado primeiro-ministro da França
O novo premiê, 73 anos, terá como primeiro desafio evitar uma rápida censura no Parlamento. “Serão necessários muita escuta e muito respeito. Respeito entre o governo e o Parlamento, entre todas as forças políticas (...) E eu começarei a trabalhar nisso a partir de agora”, disse o sucessor do jovem Gabriel Attal, 35 anos, em suas primeiras declarações como chefe de governo. O presidente de centro-direita abriu uma crise política na França ao antecipar para 30 de junho as eleições legislativas previstas para 2027.
Apesar de a coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) ter vencido a votação, emergiu das urnas uma Assembleia Nacional (câmara baixa) com três blocos principais, todos distantes da maioria absoluta.
A NFP ganhou no segundo turno, após um expressivo desempenho da ultradireita na primeira etapa da votação, com a promessa de revogar a reforma das pensões de Macron. A coalizão indicou a economista Lucie Castets para o cargo de premiê, uma escolha rejeitada pelo presidente em nome da “estabilidade”.
Com mais de 50 anos na política, Barnier, que atuou como chefe negociador da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), poderia contar com o apoio de seu partido, Os Republicanos (LR), e da aliança de Macron.
Moção de censura
No entanto, analistas políticos consideram que isso é insuficiente diante de uma eventual moção de censura, se tanto o partido de extrema direita Regrupamento Nacional (RN) e seus aliados, quanto a coalizão de esquerda, votarem a favor. Esses somariam 335 votos, bem acima dos 289 necessários.
O RN de Marine Le Pen descartou por enquanto uma moção de censura, aguardando para ouvir seu discurso de política geral. E reiterou suas prioridades: poder aquisitivo, combate à “imigração fora de controle” e insegurança, e modificação do sistema eleitoral. Por sua vez, a esquerda denunciou uma “crise de regime”, nas palavras do socialista Olivier Faure. Isso porque Macron nomeou um membro do LR, que não participou do acordo tácito entre a NFP e o governo para conter a ultradireita durante as eleições. “Roubaram a eleição dos franceses”, denunciou o líder da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon.
A escolha de Macron por Barnier ocorreu depois que outras opções, como o ex-primeiro-ministro socialista Bernard Cazeneuve e o presidente regional de direita, Xavier Bertrand, não se mostraram factíveis a médio prazo. O LR havia rejeitado desde as legislativas qualquer coalizão com a desgastada aliança governista para evitar ser marcado para as eleições presidenciais de 2027, nas quais Macron não poderá se candidatar, mas finalmente se mostrou mais flexível.
Prioridades
No primeiro discurso após a transferência de cargo, o novo premiê esboçou suas prioridades: acesso aos serviços públicos, educação, segurança, controle da imigração, trabalho e nível de vida. “Será uma questão de responder, na medida de nossas possibilidades, aos desafios, à raiva, ao sofrimento, ao sentimento de abandono e injustiça”, observou Barnier, prometendo “dizer a verdade” sobre a “dívida financeira e ecológica”. Além de formar o governo, entre suas primeiras decisões, estará, de fato, apresentar ao Parlamento até 1º de outubro o orçamento de 2025 e confirmar se seguirá a recomendação do ministro da Economia, Bruno Le Maire, de realizar cortes para reduzir o déficit.
De todos os encargos, superar a crise política será o principal desafio do chefe de governo mais velho desde a Reforma Constitucional que instaurou a Quinta República em 1958. “A política francesa está doente, mas a cura é possível”, garantiu Attal, que se tornou em janeiro o primeiro-ministro mais jovem do país.