Pelo menos 25 civis mortos, 200 feridos, 2.400 detidos — incluindo cerca de 150 crianças e adolescentes. Muitos dos presos estão em centros de tortura como o Helicoide, a sede do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), em Caracas, sem direito a advogados ou à visita de familiares. Perseguições a opositores, ameaças do Ministério Público, batidas policiais. Desde as eleições de 28 de julho e a proclamação, por parte da Plataforma Unitária Democrática, da vitória do ex-diplomata Edmundo González Urrutía, o regime de Nicolás Maduro mobilizou o aparato repressivo. Para especialistas, uma medida de sobrevivência.
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Ao longo da última semana, a polícia do Estado deteve aliados e assessores da ex-deputada e líder opositora María Corina Machado. Na quarta-feira, o ex-parlamentar Biagi Pilieri e o filho Jesús Pilieri foram perseguidos pelo Sebin e capturados, ao retornarem de uma manifestação na qual Machado estava presente. Um dia antes, Perkins Rocha, advogado de María Corina, também foi detido. O procurador-geral, Tarek William Saab, emitiu três convocações para que Edmundo preste depoimento. A última delas, na quinta-feira, veio com uma ameaça de prisão.
"Sem dúvida, houve um incremento da repressão política desde 29 de julho. É uma tentativa do regime de Maduro de controlar a situação, depois de perder a eleição e de fazer com que o país, por meio da força, aceite os 'resultados oficiais'", admitiu ao Correio Benigno Alarcon, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidad Católica Andrés Bello (em Caracas). Ele explicou que esse cenário cria condições para o aumento de conflitos na Venezuela. "O regime trata de controlar esse fenômeno com a intensificação da perseguição política e da repressão, além de gerar um clima de medo generalizado. O objetivo é manter a situação sob controle."
Para Alarcon, a saída mais plausível para a crise passa pelo reconhecimento da eleição, a fim de abrir espaço para um processo de negociação entre Maduro e a oposição. "Seria uma transição negociada nos moldes daquela ocorrida na África do Sul, quando o presidente Frederik Willem De Klerk (1936-2021) aceitou uma abertura política e negociar com Nelson Mandela, que ganharia a eleição", explicou. "O mesmo ocorreu com Augusto Pinochet, no Chile, que entrou em um processo de negociação depois da derrota no plebiscito, antes da eleição."
Risco de ruptura
O estudioso considera essa solução impossível e vê o risco de uma ruptura de poder, com circunstâncias imprevisíveis. "Pode ocorrer uma fratura no governo de Maduro que o leve ao colapso. É difícil prever se setores com algum nível de consciência democrática decidirão facilitar o processo de transição ou se todo o regime se esquacionará para se manter no poder pela força", disse Alarcon.
Marino Alvarado, advogado e ex-coordenador jurídico da organização não governamental Programa Venezuelano de Educação e Ação em Direitos Humanos (Provea), concorda com Alarcon. "Temos visto uma intensificação da perseguição sistemática às organizações políticas e sociais que expressam dissidência em relação à cúpula governante. O Tribunal Penal Internacional investiga esse crime de perseguição", relatou à reportagem.
Professor emérito da Universidad Central de Venezuela (em Caracas), Allan R. Brewer-Carías afirmou ao Correio que a onda repressiva pós-eleição é "uma realidade muito lamentável". "Isso foi denunciado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e discutido no Conselho Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)", lembrou. De acordo com ele, a perseguição política se intensificou e houve um aumento das detenções arbitrárias e dos desaparecimentos forçados. "Os ativistas dos direitos humanos e advogados de líderes da oposição são os mais afetados. Tudo isso tem abatescido os documentos reunidos pelo Tribunal Penal Internacional para julgar crimes contra a humanidade."
O regime de Maduro não tem discernido nem sequer menores de idade. Segundo Alvarado, adolescentes estão em centros de detenção da Venezuela. Um documento da Missão Internacional Independente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas atesta que mais de 100 crianças e adolescentes foram acusados dos mesmos crimes graves que os adultos e não contaram com a presença de seus pais, mães ou tutores durante os procedimentos judiciais.
Advogado e professor de direito em Barquisimeto, o venezuelano Alfonso Ochoa — hoje residente em Orlando (EUA) — crê que a perseguição começou antes mesmo de 28 de julho, durante a campanha. "Os órgãos tributários do Estado multaram e fecharam escritórios da oposição, além de empresas prestadoras de serviços", exemplificou. "Aos poucos, a polícia fechou rodovias e ruas, para impedir que María Corina e Edmundo chegassem aos compromissos de campanha. Na noite do dia das eleições, a oposição tinha o direito de acesso às atas de apuração, mas não recebeu os documentos. Coletivos (grupos armados) começaram a amedrontar a população e a cometer assassinatos."