Os responsáveis por publicações que causem algum tipo de "alerta" nas redes sociais poderão ser condenados a até cinco anos de prisão. É o que prevê uma lei aprovada, nesta terça-feira (11/9), por unanimidade, na Assembleia Nacional da Nicarágua. O parlamento do país é controlado pelo regime do presidente Daniel Ortega. A legislação foi batizada de "lei da mordaça" por opositores nicaraguenses no exílio.
O texto pune com prisão e multas quem fizer (na Nicarágua ou no exterior) publicações que causem "alarme, medo, pânico ou ansiedade" entre a população, anunciou a Assembleia Nacional. De acordo com a agência de notícias France-Presse, a norma reformada endurece a lei de crimes cibernéticos de 2020, que levou à acusação e prisão de opositores e jornalistas na Nicarágua por "divulgação de notícias falsas".
Em entrevista ao Correio, Félix Maradiaga — ex-preso político, principal líder da oposição e presidente da Fundación para la Libertad de Nicaragua — admitiu que a reforma da Lei de Ciberdelitos, também chamada de "Lei da Mordaça", representa um "alarmante avanço na consolidação do regime autoritário". "Daniel Ortega replica táticas repressivas implementadas por ditaduras, como as da China e da Rússia. Ele não apenas atenta contra a liberdade de expressão na Nicarágua, como busca expandir seu controle repressivo em âmbito internacional, ao visar especialmente opositores e dissidentes que residem no exílio", advertiu.
Para Maradiaga, a nova lei está intimamente ligada ao processo de reforma do Código Penal, cujo objetivo é usá-lo como ferramenta pólítica de perseguição. "Na clara tentativa de neutralizar líderes e vozes da resistência que continuam sendo uma ameaça desde o exterior, o regime de Ortega modificou o Código Penal para permitir julgamentos em ausência e autorizar a expropriação e o confisco de propriedade de pessoas que vivem fora do país", comentou o opositor. Ao mesmo tempo, Maradiaga reconhece que tais alterações refletem o reconhecimento, por parte da ditadura Ortega, de que os opositores no exílio seguem infligindo danos significativos à sua manutenção no poder.
Ainda de acordo com ele, Ortega busca utilizar a Interpol — órgão de polícia internacional — como um braço de sua repressão global, solicitando a extradição de qualquer pessoa que o regime considerar ser vítima de ataques. Diretor da revista independente Confidencial e um dos jornalistas mais conhecidos da Nicarágua, Carlos Fernando Chamorro lembrou ao Correio que a Lei de Ciberdelitos levou à prisão Sheyniss Palacios, Miss Universo em 2023, e outras pessoas, apenas por publicarem mensagens em que pediam a libertação do bispo Rolando Álvarez.
Retuítes
"O que em qualquer sociedade democrática equivale à liberdade de opinão, na Nicarágua, o Estado policial o tipifica como terrorismo, conspiração ou incitação ao ódio", explicou o jornalista, hoje exilado na Costa Rica e despojado da nacionalidade nicaraguense. Chamorro afirmou que, em seu país, há pessoas condenadas a oito anos de prisão e que não usavam redes sociais, enquanto outras foram sentenciadas por retuitarem mensagens. "Primeiro, o Estado policial reprime, sequestra e encarcera os cidadãos; depois, inventa uma suposta violação da Lei de Ciberdelitos."
Chamorro alertou que o aumento de penas previsto por uma lei "inconstitucional" apenas endurecerá o Estado policial e a repressão. "Querem que o povo tenha medo de opinar. O jornalismo no exílio está derrotando a censura do regime, ao destampar, todos os dias, casos de corrupção pública, os expurgos e lutas internas, além das graves violações dos direitos humanos", concluiu.
A nova lei "estaria materializando o controle total das redes sociais", afirmou à agência France-Presse o advogado nicaraguense Salvador Marenco, também exilado na Costa Rica. "Elas foram fundamentais para a denúncia das violações graves dos direitos humanos" na Nicarágua, destacou. Ele ressaltou que a reforma intensificou "a política de repressão transnacional" de Ortega.
A justificativa da Assembleia Nacional é a de que a lei "reforça a prevenção, o confronto, a investigação e a judicialização dos crimes cometidos por pessoas físicas ou jurídicas dentro ou fora do país, por meio de sistemas de informática, tecnologias e redes sociais".
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