América do Sul

María Corina promete ficar na Venezuela para manter luta contra Maduro

María Corina Machado anuncia que nada muda com a saída de Edmundo González para a Espanha e reafirma a posição de presidente eleito do aliado político. De Madri, ex-diplomata atribui decisão ao desejo de transformar a nação e defende diálogo

Mulher segura cartaz com a imagem de Maduro e as palavras
Mulher segura cartaz com a imagem de Maduro e as palavras "Assassino da Venezuela", durante ato no aeroporto militar de Torrejon de Ardoz, onde Edmundo desembarcou - (crédito: Thomas Coex/AFP)

Um dia depois do desembarque de Edmundo González Urrutia em Madri, candidato nas eleições presidenciais da Venezuela, a líder opositora María Corina Machado descartou mudanças na natureza da luta contra o regime de Nicolás Maduro. "A urgência se mantém, a legitimidade se mantém e a estratégia se mantém", assegurou. "Se algo muda com a saída de Edmundo, de uma perspectiva que possa aumentar o risco para mim, eu não sei, mas de qualquer forma, eu decidi permanecer na Venezuela e acompanhar a luta daqui, enquanto ele faz isso de fora", acrescentou. "Todos sabemos que Edmundo González Urrutia é o presidente eleito da Venezuela. E ele será, seja na Venezuela ou em qualquer parte do mundo."

María Corina convocou os cerca de 280 mil venezuelanos que vivem na Espanha e os espanhóis para uma grande manifestação, na Praça das Cortes, em Madri, para "reivindicar o mandato de 28 de julho" — uma referência à data das eleições presidenciais da Venezuela, que a oposição insiste ter conquistado uma vitória.

Por meio de carta, o ex-diplomata Edmundo González, 75 anos, alvo de mandado de prisão expedido pelo regime de Maduro, buscou justificar a saída da Venezuela. "Tomei essa decisão pensando na Venezuela e no fato de que, nosso destino, enquanto país, não pode, não deve ser, o de um conflito de dor e de sofrimento", escreveu. "Eu o fiz para que as coisas mudem e construamos uma etapa nossa para a Venezuela." Segundo Edmundo, seu compromisso não se baseia em ambição pessoal. Ele frisou que somente a política do diálogo pode fazer com que os venezuelanos se reencontrem como compatriotas.

O ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, confirmou que Edmundo González receberá asilo. O opositor venezuelano deverá se encontrar na quinta-feira com o primeiro-ministro Pedro Sánchez e somente depois falará à imprensa. Albares esclareceu que não houve contrapartida da Espanha para o asilo. "A Espanha não reconhece a vitória de Maduro (nas eleições de 28 de julho", reafirmou.

Na clandestinidade desde 30 de julho, Edmundo González esteve abrigado por um tempo na Embaixada da Holanda, em Caracas, antes de se transferir para a representação da Espanha em 5 de setembro. Os Estados Unidos, a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos (OEA) lastimaram o "exílio forçado" do líder opositor. Por sua vez, a Colômbia lamentou a saída de Edmundo da Venezuela e destacou o acordo dos governos de Madri e de Caracas para a garantir do asilo político.

O Correio entrevistou um dos líderes da oposição que se exilaram na Espanha. Capturado em 2017, o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma se refugiou em Madri, depois de obter a prisão domiciliar. Para ele, o regime venezuelano não sai fortalecido com a partida de Edmundo. "Maduro não passa de um artífice do terrorismo de Estado. Tanto que precisou do extremo de o governo da Espanha ter que resgatar o presidente eleito (Edmundo) ante ameaças que colocavam a vida dele em risco", comentou. "Maduro terá que suportar o peso do que significa Edmundo percorrendo o mundo, na estratégia de defender a vitória de 28 de julho", acrescentou.

Questionado sobre a possibilidade de a oposição depender de um levante militar para derrubar Maduro, Ledezma — coordenador do Conselho Político Internacional de María Corina Machado — ressaltou que o que ocorreu na Venezuela foi uma sublevação civil. "Milhões de venezuelanos saíram para votar, em 28 de julho. Pedimos às Forças Armadas venezuelanas e aos militares que façam respeitar a soberania popular, assim como está escrito no artigo 5º da Constituição Nacional."

Fortaleza inexistente

Professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV), Jose Vicente Carrasquero Aumaitre negou que a oposição saia enfraquecida com o asilo político de Edmundo González. "Ele é o candidato presidencial eleito. A fortaleza de Maduro não existe. Ela está apenas na capacidade administrar a violência. Maduro não é, hoje, mais popular do que no dia das eleições: não conta com o apoio de 20% da população", disse à reportagem. O estudioso avalia que Edmundo terá mais capacidade de ação fora da Venezuela, com a possibilidade de comandar reuniões, visitar países e demonstrar sua causa. "Maduro cometeu um erro. Agora, ele terá que lidar com Edmundo apresentando as atas de apuração no exterior e explicando o processo eleitoral. A saída de Edmundo, na qualidade de asilado político, envia um sinal negativo sobre o regime de Maduro."

Para Aumaitre, María Corina segue como figura central da oposição. "A mobilização, a estratégia e a capacidade de chegar a um desenlace está em María Corina. Ela é a pessoa que aglutina os desejos da maioria dos venezuelanos", observou. "Essa maioria estará ao redor de uma figura que tem a capacidade de conduzir a Venezuela em um de seus piores momentos, quando um ditador decide roubar a eleição." O cientista político alertou que os militares sabem que Edmundo ganhou a votação. "Sobre eles está o peso do futuro do país. Falo de militares reais, não de delinquentes, que se colocaram a serviço do partido governista. É possível uma ruptura militar."

A carta com a justificativa de Edmundo González

"Queridos venezuelanos!

Decidi sair da Venezuela e me mudar para a Espanha, a cujo governo agradeço profundamente por ter me acolhido e me dado proteção. Igualmente agradeço à Embaixada da Holanda na Venezuela. 

Tomei essa decisão pensando na Venezuela e em que, nosso destino, enquanto país, não pode, não deve ser, o de um conflito de dor e sofrimento. 

Eu o fiz pensando em minha família e em todas as famílias venezuelanas neste momento de tanta tensão e angústia. 

Eu o fiz para que as coisas mudem e construamos uma etapa nova para a Venezuela.

Saibam que sempre defendi os valores democráticos de paz e de liberdade. 

Meu compromisso não se baseia em uma ambição pessoal, esta decisão é um gesto que estende a mão a todos e espero que, como tal, seja correspondido. 

Sou incompatível com o ressentimento. Somente a política do diálogo pode fazer nos reencontrar como compatriotas. Somente a democracia e a realização da vontade popular podem ser o caminho para nosso futuro como país. Nisso seguirei comprometido. 

Penso, antes de tudo, nas pessoas privadas de liberdade que me apoiaram. Sua liberdade é, para mim, a grande prioridade, uma exigência irrenunciável. 

Quero expressar minha gratidão infinita a aqueles que me apoiaram na Venezuela e no mundo, e, especialmente, à minha família. 

Quero reivindicar o trabalho e o esforço de María Corina Machado, que liderou este processo eleitoral, e da Plataforma Unitária, por seu trabalho e empenho. Muito obrigado!

Edmundo González Urrutia

Madri, 9 de setembro de 2024 

VOZ DO EXÍLIO

Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas
Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas e ex-prisioneiro político exilado em Madri (foto: Wikipedia)

"María Corina Machado esteve à frente da campanha eleitoral, a qual a legitima como líder opositora reconhecida, assim como Edmundo González. Agora, o regime tratará de ampliar a caçada a María Corina. Ela está nas mãos de Deus, saberá como se cuidar e como se proteger para seguir à frente da resistência dos venezuelanos."

Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas exilado em Madri e coordenador do Conselho Político Internacional de María Corina Machado

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postado em 10/09/2024 06:00 / atualizado em 10/09/2024 14:03
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