ORIENTE MÉDIO

Por que o Estado Islâmico ainda continua sendo uma ameaça 5 anos após ter sido derrotado

Perda de território físico foi um golpe decisivo para a imagem do grupo — mas suas capacidades ideológicas e operacionais estavam longe de serem erradicadas.

Ataque a casa de shows em Moscou deixou 145 mortos e 551 feridos em março -  (crédito: Getty Images)
Ataque a casa de shows em Moscou deixou 145 mortos e 551 feridos em março - (crédito: Getty Images)

As autoridades austríacas anunciaram a prisão de duas pessoas, no dia 7 de agosto, por planejarem ataques a grandes eventos em Viena, incluindo shows da cantora Taylor Swift. Os suspeitos — um rapaz de 19 anos, conhecido pelos serviços de segurança, e um jovem de 17 anos — são cidadãos austríacos que acredita-se terem sido radicalizados pela propaganda extremista islâmica do grupo autoproclamado Estado Islâmico (EI) e da Al-Qaeda.

Estes planos frustrados foram seguidos por um ataque com faca na cidade de Solingen, no oeste da Alemanha, em 23 de agosto, que matou três pessoas e feriu outras oito. O EI assumiu a responsabilidade pelo ataque no dia seguinte.

Para entender a mensagem que o Estado Islâmico pretendia enviar por meio destes ataques, precisamos levar em consideração como o grupo operou tanto em seu auge quanto após sua derrota em 2019, quando o último território controlado pelo grupo foi liberado em Baghuz, na Síria.

Entre 2014 e 2016, o EI ganhou destaque na imprensa internacional por sua campanha para estabelecer o chamado califado islâmico no Iraque e na Síria. O grupo recrutou homens e mulheres de mais de 80 países e cometeu atrocidades contra minorias, incluindo curdos, shabaks, cristãos e yazidis nos territórios do Iraque e da Síria que ficaram sob seu controle.

Uma coalizão global composta por 87 parceiros internacionais, incluindo países e associações como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi estabelecida para derrotar o EI. Depois que o grupo perdeu o controle de todo seu território, houve uma redução significativa da atenção da imprensa. Este declínio na cobertura ocorreu apesar das consequências duradouras e graves das ações do grupo, particularmente para grupos étnicos, como os yazidis.

Dez anos se passaram desde a brutal campanha de genocídio e escravidão sexual do EI contra os yazidis no Iraque. Mas cerca de 150 mil sobreviventes ainda vivem em tendas de acampamentos para pessoas desalojadas, e aproximadamente 2,6 mil yazidis ainda estão desaparecidos.

A perda de território físico foi um golpe decisivo para a imagem do EI como uma entidade extensa e poderosa. No entanto, suas capacidades ideológicas e operacionais estavam longe de serem erradicadas.

Notável capacidade de adaptação

O Estado Islâmico demonstrou uma capacidade notável para se adaptar e persistir. O grupo fez a transição de uma estrutura territorial centralizada para uma rede mais clandestina de células descentralizadas operando principalmente na África Subsaariana, ainda capaz de orquestrar e inspirar ataques em todo o mundo.

Alguns destes ataques foram extremamente notórios. Em 2021, grupos afiliados ao EI lançaram um ataque à prisão de Al-Sina, na Síria, para libertar outros militantes.

A batalha que se seguiu com as Forças Democráticas Sírias (uma milícia no nordeste do país liderada por curdos apoiados pelos EUA) durou dez dias — e deixou mais de 500 mortos. Não há consenso sobre o número de membros do EI que conseguiram escapar da prisão, mas acredita-se que esteja entre 30 e 300.

Depois, em março de 2024, o braço do grupo no centro-sul da Ásia, o Estado Islâmico-Khorasan, atacou a casa de shows Crocus City Hall em Moscou, na Rússia. Este incidente destacou a capacidade do EI de atacar muito além do Oriente Médio.

O EI pode parecer menos ameaçador agora do que em seu apogeu. Mas estes e outros ataques servem como duros lembretes de que, apesar da perda de seu califado, o grupo continua sendo uma forte ameaça que busca continuamente projetar poder e espalhar medo pelo mundo.

Pessoas deixando flores em memorial improvisado perto da casa de shows Crocus City Hall, em Moscou, após ataque mortal, em março de 2024.
Getty Images
Ataque a casa de shows em Moscou deixou 145 mortos e 551 feridos em março

Os ataques frustrados aos shows de Taylor Swift nos dizem várias coisas. Primeiro, que o EI ainda é capaz de planejar ataques em qualquer lugar, muitas vezes usando pessoas radicalizadas localmente, sem enviar membros para o exterior. Isso indica que a ideologia do grupo continua viva — e que os jovens ainda são vulneráveis ??às suas narrativas extremistas violentas.

Em segundo lugar, a escolha dos shows de Swift foi estratégica. Um ataque a um evento com tanta visibilidade teria atraído uma atenção significativa da imprensa internacional, o que poderia ajudar no recrutamento. Na verdade, o grupo pode já ter alcançado parte do seu objetivo — ganhar atenção da mídia — simplesmente planejando o ataque.

E terceiro, vale a pena considerar o possível elemento misógino dos ataques planejados. Semelhante ao atentado a bomba em um show de Ariana Grande, em Manchester, em 2017, este ataque foi planejado contra uma cantora cujos shows são predominantemente frequentados por meninas e mulheres jovens.

Estes incidentes destacam a ordem política e social extremamente patriarcal promovida pelo EI, que dita os papéis e posições de mulheres e homens dentro do grupo. Esta ideologia de gênero tem motivado a violência, e servido como um meio de promover sua agenda brutal, desde que o EI surgiu em 2014.

Combatendo a ameaça

Viena já sofreu com terrorismo antes — a cidade enfrentou um ataque, em 2020, que matou quatro pessoas. Mas os recentes ataques frustrados destacam problemas em curso de radicalização online e offline, que se manifestam em várias ideologias e crenças.

As pessoas que são suscetíveis à radicalização não estão restritas a uma faixa etária específica. Embora os jovens sejam frequentemente citados como quem corre particularmente risco, pessoas de todas as idades podem ser vulneráveis ??a influências extremistas, motivadas por uma série de fatores pessoais, sociais, políticos e ideológicos.

Os Estados não podem se dar ao luxo de se tornarem complacentes, apesar da derrota territorial do Estado Islâmico — ou de qualquer grupo terrorista. Eles devem continuar a se concentrar nas pessoas vulneráveis à radicalização, sem estigmatização.

* Busra Nisa Sarac é professora de estudos sobre terrorismo na Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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BBC
Busra Nisa Sarac - The Conversation*
postado em 04/09/2024 04:50 / atualizado em 04/09/2024 08:50
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