Na véspera de a crise pós-eleição completar um mês na Venezuela, a organização não governamental Human Rights Watch (HRW) divulgou, na madrugada desta terça-feira (27/8), uma carta aberta dirigida aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gustavo Petro (Colômbia) e Andrés Manuel López Obrador (México). O texto, de oito páginas, assinado por Juanita Goebertus Estrada, diretora da Divisão das Américas da HRW, lembra que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não divulgou as atas de apuração das eleições, nem conduziu as auditorias eleitorais ou os processos de verificação cidadã exigidos por lei. A carta ressalta que a HRW documentou a repressão governamental, com mais de 20 mortos e 2 mil detidos.
Ao cumprimentar os esforços de governos da América Latina, da Europa e dos Estados Unidos para garantir a vontade do povo, Estrada afirma que uma negociação entre todas as partes interessadas é a melhor maneira de proteger os direitos humanos na Venezuela. No entanto, a HRW demonstra preocupação com propostas específicas feitas por estes governos nas últimas semanas: a repetição da eleição, a confiança no Tribunal Supremo de Justiça para resolver o problema da eleição, e a concessão de uma "anistia geral".
Segundo a organização não governamental, uma premissa básica de qualquer eleição é que ela deve refletir a vontade expressa do povo e resultar na transferência pacífica de poder. "Refazer a eleição porque o governo de Maduro não está disposto a aceitar o resultado de 28 de julho seria um escárnio a esses princípios. Essa proposta seria inaceitável em qualquer país, mas seria particularmente problemática na Venezuela, dadas as barreiras significativas que os candidatos e eleitores foram forçados a superar para participar das eleições de 28 de julho, incluindo violações generalizadas dos direitos humanos", alerta a carta, ao citar a proposta de Lula.
A HRW acusa o governo de Maduro de adotar medidas para tornar o processo eleitoral ainda mais desequilibrado. "Embora rejeitemos a ideia de repetir a eleição, concordamos com seus governos de que uma solução para a crise na Venezuela deveria incluir garantias para que todos os partidos políticos participem dos assuntos públicos ", acrescenta. No entanto, ressalta a carta, isso exigiria a pluralidade de visões e o fim dos processos arbitrários contra líderes da oposição e outros críticos, e a libertação de todas as pessoas detidas arbitrariamente. "Pedimos a V. Exas. para que continuem concentrando seus esforços nessas iniciativas e em garantir o respeito à vontade do povo."
A proposta de aguardar uma decisão do Tribunal Supremo de Justiça, feita por López Obrador, também foi rechaçada pela HRW. A organização não governamental reitera que, em 22 de agosto passado, a Suprema Corte "validou categoricamente" os resultados eleitorais anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e instou as autoridades eleitorais "a publicarem os resultados definitivos". "Em vez de proteger o direito dos venezuelanos de participar de eleições livres e justas, a Suprema Corte tem um papel de destaque no enfraquecimento do processo eleitoral de 2024. Diante desse contexto, a decisão final da Suprema Corte não é uma análise confiável dos resultados eleitorais ou da lei venezuelana. (...) Portanto, pedimos aos seus governos que insistam na verificação independente dos resultados, que deveria ser conduzida por um terceiro confiável e imparcial ", sustenta a diretora da HRW.
Em relação à proposta de Petro de uma "anistia geral de alcance nacional e internacional", a carta recorda que o direito internacional determina que os governos têm a obrigação de investigar e processar graves violações dos direitos humanos e crimes internacionais. A carta firmada por Estrada sublinha que uma missão da ONU encontrou graves violações dos direitos humanos e possíveis crimes contra a humanidade, como execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e tortura. "Respeitar as obrigações previstas no direito internacional dos direitos humanos provavelmente exigirá investigações criminais estratégicas que priorizem os grandes responsáveis pelas atrocidades ", diz o texto.
A carta aberta adverte que a proposta formulada em termos vagos pelo presidente Petro parece violar o direito internacional e afetaria os direitos das vítimas de atrocidades. Ao mesmo tempo, assegura que tal fórmula não garantiria segurança jurídica para todas as partes interessadas na Venezuela.