Mais uma vez, as opções para resolver a crise da Venezuela parecem esgotadas.
Por um lado, o poder de Nicolás Maduro continua: a coligação de forças institucionais que o mantêm no poder, incluindo as Forças Armadas, permanece coesa.
Por outro lado, a oposição insiste em não perder a esperança de mudança e em pressionar de todas as formas: nas ruas, nos meios de comunicação, no mundo.
Depois há uma comunidade internacional que tenta mediar entre as forças, mas cujas propostas foram rejeitadas por ambos os lados.
Entretanto, a maioria dos venezuelanos vê que, tal como aconteceu em anos anteriores, a crise humanitária pode aprofundar-se se não houver soluções políticas.
A decisão de quinta-feira (22/8) do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), que validou a vitória de Maduro nas eleições presidenciais de 28 de julho, confirma a extensão do status quo, um cenário desejado por Maduro e sua cúpula.
No entanto, a oposição liderada por María Corina Machado manterá a pressão para cumprir o que considera o mandato popular daquele 28 de julho, quando 70% dos venezuelanos, segundo as atas publicadas, manifestaram o desejo de mudança.
O que está por vir agora? Os cenários propostos possuem diversas formas, são cheios de nuances e podem se sobrepor. É até provável que, tal como aconteceu com a economia, a transição política ocorra de forma gradual, lenta e improvisada.
Por mais que tudo isto pareça familiar, a política venezuelana surpreende sempre. Há semelhanças com experiências anteriores, sim, mas também elementos novos. A resposta do governo é cada vez mais dura e radical, a oposição está forte e unida como nunca antes, o chavismo perdeu o apoio popular e as consequências da imigração transformam a crise numa crise internacional.
Embora a decisão do TSJ, acusada de tendenciosa, busque resolver a questão, a crise está intacta. E os serviços, a pobreza, a saúde, a educação e a violência pioram.
A seguir, veja cenários gerais de onde a situação poderia chegar.
1. As coisas são mantidas como estão
O governo Maduro parece interessado em prolongar o estado de coisas: que a oposição se refugie das pressões políticas, judiciais e policiais, que a comunidade internacional perca o interesse e que as pessoas tenham de se resignar a resolver as suas vidas cotidianas.
Para isso, o partido no poder precisa ganhar tempo.
“O tempo hoje não é um vetor no qual as coisas acontecem, mas uma arma política numa disputa”, afirma Jesús “Chúo” Torrealba, ativista e ex-líder da oposição.
Nas crises anteriores, o chavismo conseguiu ganhar tempo até que a crise passasse.
Mas, segundo Torrealba, desta vez é mais difícil: “O governo já não é esta entidade todo-poderosa que define os termos. Agora está na defensiva, agindo sem muita sofisticação, e a oposição está na ofensiva.”
Uma oposição poderosa não se vai resignar com o fato de as coisas permanecerem iguais.
Aí surge a possibilidade de que as coisas se deteriorem.
“O governo aposta numa espécie de cenário intermediário entre o status quo e o aprofundamento”, afirma Mariano de Alba, advogado próximo da oposição e especialista em diplomacia.
“Ele está disposto a aprofundar o autoritarismo se for necessário para tentar permanecer no poder, mas preferiria um status quo para evitar reações e decisões que na prática anulam as perspectivas de uma recuperação econômica, o que continuaria a aumentar o descontentamento das massas.”
Costuma-se dizer que os venezuelanos já não têm nada a perder: que as suas famílias isoladas e os seus salários muito baixos são como chegar ao fundo do poço.
Mas há outra coisa que se costuma dizer: sempre é possível ser pior.
2. O aprofundamento
Na verdade, o governo pode optar por uma crise mais aguda.
Isso significaria aceitar que lhes sejam aplicadas mais sanções econômicas que os impeçam de vender petróleo ou os obriguem a vendê-lo mais barato, afetando o seu fluxo de caixa. Que as suas famílias no exterior sejam perseguidas pelas autoridades internacionais. Que não só os líderes, mas também os militares e funcionários públicos médios vejam as suas propriedades e vistos congelados.
Poderia também traduzir-se em mais repressão não só contra a oposição e os seus ativistas, que acabariam isolados e anulados, mas também contra a população em geral, que não conseguiria expressar as suas opiniões em público, usar as redes sociais ou organizar-se em comunidade para resolver problemas cotidianos como coleta de lixo e distribuição de água.
Isso, necessariamente, significaria um isolamento quase total da Venezuela no mundo, com a incapacidade de ter canais de comunicação com os governos vizinhos para enfrentar a crise migratória.
A Colômbia seria particularmente afetada por isto, não só porque é o país que mais recebe migrantes venezuelanos, mas porque fez as suas apostas de paz com o Exército de Libertação Nacional na mediação de Maduro com as guerrilhas.
Muitos veem nos casos de Cuba e da Nicarágua exemplos do que poderia ser um aprofundamento do autoritarismo na Venezuela, com uma oposição anulada e eleições sem concorrência.
A Venezuela, porém, é um país maior e conectado com o mundo.
As consequências de um aprofundamento das suas crises seriam de uma magnitude muito mais complexa do que aquela que a região tem visto na sua história recente.
3. Algum tipo de transição
Embora pareça o menos provável, uma transição na Venezuela não pode ser descartada.
Se a crise se agravar, ou se houver um surto social da magnitude do Caracazo, acontecimento de 1989 que marcou a origem social do movimento político que resultou na vitória de Hugo Chávez em 1999, a possibilidade de romper o apoio a Maduro entre os militares e oficiais é maior.
Além disso, sem dinheiro, as deserções são mais difíceis de evitar.
“A oposição aposta numa ruptura dentro do governo que obrigue Maduro a negociar a sua saída”, afirma De Alba.
“Tudo indica que o cálculo daqueles que apoiam Maduro continua a ser o de que preferem o status quo, e se a oposição também chegar a essa conclusão, faria bem em abrir-se ao que os negociadores propõem”.
É neste cenário que desempenha um papel a comunidade internacional, que sob a liderança da Colômbia e do Brasil — governados por Gustavo Petro e Luiz Inácio Lula da Silva, que têm vias de diálogo com o chavismo – propôs novas eleições ou um governo de coabitação transitório.
A oposição, em princípio, rejeitou estas iniciativas. Também o governo. Mas uma versão dessas propostas pode entrar na equação.
Torrealba considera o cenário: “A única forma de aceitar novas eleições é que sejam precedidas de um governo de coligação, com substituição das autoridades militares e eleitorais e sem as condições desequilibradas e antidemocráticas em que decorreram as eleições (de julho)”.
“A oposição poderá aceitar algo deste gênero porque é um fato que não tem forças para fazer valer o resultado das eleições do dia 28 e porque para a oposição é importante encontrar uma solução para a crise”, acrescenta.
O resultado da crise é geralmente apresentado em termos preto e branco: ou eleições, ou governo de coligação, ou a saída de Maduro, ou o governo de Machado. Contudo, não costumamos falar de versões variadas da transição que oferecem opções a todos.
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