No livro Assim Nasceu uma Língua, o linguista português Fernando Venâncio argumenta que o idioma português nasceu em um território do qual somente uma parte é atualmente Portugal: o Reino da Galiza, fundado no século 5 d.C., após a dissolução do Império Romano.
Hoje em dia, a parte principal do que foi esse reino é a Galícia, região que pertence à Espanha.
Venâncio explica nessa entrevista à BBC News Brasil como a origem da língua portuguesa foi apagada por questões da construção da identidade nacional lusitana.
Mas um mergulho nas características desse idioma indica que até "marcas registradas" do Brasil têm origem no galego.
O diminutivo -inho, de cafezinho ou Ronaldinho, é frequentemente associado a um traço da afetividade e da cordialidade brasileira.
Mas esse elemento, afirma Venâncio, é uma criação da língua galega, que passou pelo seu processo de formação, como visto, bem antes dos 1500 da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.
Já a origem da mais famosa expressão nordestina, oxente, "podemos dizer sossegadamente que é de influência galega", diz o linguista.
Não há um registro definitivo do surgimento de oxente no linguajar nordestino.
Na internet, até se encontra a tese de que é uma derivação da expressão do inglês "oh shit" ("que m...", em tradução livre), que teria chegado com militares americanos estacionados no Nordeste brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial.
As evidências, no entanto, apontam para o noroeste da Península Ibérica.
"Xente" (gente) é uma palavra galega. O fonema do X no lugar dos sons de G e J no português, aliás, é um dos traços mais marcantes da língua galega (José vira Xosé na Galícia, por exemplo).
Não se pode ignorar que o termo "galego" — um povo com a genética norte-europeia dos celtas — seja usado amplamente no Nordeste brasileiro para designar "pessoa loira". A região, de fato, chegou a receber imigrantes oriundos da Galícia.
Venâncio explica em entrevista à BBC News Brasil sobre a gênese galega da língua portuguesa e também diz que até expressões e formas tipicamente ligadas ao Brasil nasceram na mesma região — como o diminutivo -inho de "cafezinho" e "Ronaldinho", por exemplo, e "oxente", palavra-símbolo do Nordeste brasileiro.
Para mostrar que, durante séculos, as línguas portuguesa e a galega foram as mesmas, Venâncio lista em seu livro palavras com igual estrutura, formação e significado que só existem neste dois idiomas.
Por sinal, a clássica idealização de que a palavra saudade só existe na língua portuguesa cai por terra em uma simples consulta a um dicionário de galego.
Confira abaixo palavras que o português e o galego compartilham. Às vezes, há variação na grafia, demarcada entre parênteses sua versão em galego, porque as línguas se distanciaram ao longo dos séculos.
Para comparação, foram colocadas à direita, em itálico, a palavra em castelhano, a língua mais falada na Península Ibérica e que hoje em dia é mais corrente na Galícia do que o próprio galego.
Arrepio (arrepío) — escalofrío
Cachoeira — cascada
Cão (can) — perro
Cheiro — olor
Borboleta (bolboreta) — mariposa
Desabafo — desahogo
Desleixo — descuido
Enteado — hijastro
Enxurrada — torrente
Ervilha (ervella) — guisante
Espirro — estornudo
Esquecimento (esquecemento) — olvido
Escolha (escolla) — elección
Furo — agujero
Golfinho (golfiño) — delfín
Jeitoso (xeitoso) — de buena presencia
Lixo — basura
Maresia (marusía) — olor de mar
Mergulho (mergullo) — zambullida
Minhoca (miñoca) — lombriz
Namoro — noviazgo
Orvalho (orballo) — rocío
Pêssego (pexego) — melocotón
Rua (rúa) — calle
Saudade — añoranza
Trapalhada (trapallada) — desastre
Urro — rugido
Vadiar — holgazanear
Vagalume — luciérnaga