América do Sul

Regime de Maduro mira ONGS, 'fascismo' e crimes de ódio na Venezuela

Assembleia Nacional, de maioria chavista, discute projetos de lei para controlar organizações não governamentais e tornar partidos políticos ilegais. Líder do Parlamento diz que texto é o primeiro voltado a "fazer respeitar o resultado eleitoral"

O comunicado da Assembleia Nacional (AN) da República Bolivariana da Venezuela, de maioria chavista, detalhava a ordem do dia: a partir das 14h30 (15h30 em Brasília) desta terça-feira (13/8), os deputados realizariam um segundo debate sobre o Projeto de Lei de Fiscalização, Regularização, Atuação e Financiamento das Organizações Não Governamentais e Afins. Logo em seguida, abordaram a criação da Comissão Nacional contra o Fascismo, o Ódio e a Violência. O pacote legislativo, discutido em regime de urgência, é visto pelas ONGs de defesa dos direitos humanos como uma forma de cercear seu trabalho e dificultar a responsabilização por abusos cometidos durante a repressão.

Segundo a agência de notícias France-Presse, a segunda e definitiva discussão foi suspensa abruptamente, em menos de uma hora. O motivo teria sido a redação de um artigo. O presidente da AN, Jorge Rodríguez, admitiu que a lei para a regulamentação das ONGS é "a primeira" voltada a "fazer respeitar o resultado eleitoral". 

Para analistas, o resultado da votação são favas contadas: o chavismo conta com 256 dos 277 deputados. Por sua vez, a legislação contra o fascismo — com a criação da Comissão — entrará em fase de consulta pública hoje, antes mesmo da segunda discussão. O texto prevê punição à promoção de reuniões ou manifestações que façam "apologia ao fascismo" e propõe a ilegalização de partidos políticos. As empresas, organizações ou meios de comunicação que bancarem atividades ou divulgarem informações que "incitem ao fascismo" terão que pagar multa de US$ 100 mil (cerca de R$ 549 mil). 

Yuri Cortez/AFP - Venezuelanos acendem velas formando as palavras "Liberdade e Paz", durante vigília em Caracas, em 8 de agosto

Ao mesmo tempo, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o "clima de medo" instalado desde as eleições de 28 de julho. O opositor Edmundo González Urrutia garante que venceu o presidente Nicolás Maduro com 67% dos votos. As atas eleitorais não foram apresentadas pelo Palácio de Miraflores. "Apelo às autoridades a não adotarem estas ou outras leis que prejudiquem o espaço cívico e democrático do país", apelou Volker Türk, alto comissário para os direitos humanos da ONU. No mesmo comunicado, ele também manifestou preocupação com as prisões e acusações por "ódio" ou sob "legislação antiterrorista".

Mão de ferro

Na segunda-feira (12/8), Maduro determinou o uso de mão de ferro por parte das forças de segurança. "Exijo que todos os poderes do Estado atuem com maior celeridade, maior eficiência e mão de ferro contra o crime, contra a violência, contra os crimes de ódio. Mão de ferro e justiça severa, firme. Fazer cumprir os princípios constitucionais", declarou.  

Em entrevista ao Correio, Rafael Uzcátegui — coordenador geral do Programa Venezuelano de Educação e Ação em Direitos Humanos (Provea) — afirmou que o regime de Maduro busca, com a aprovação da lei sobre as ONGs, ter legitimidade jurídica para neutralizar o trabalho das organizações da sociedade civil, especialmente aquelas que trabalham na defesa dos direitos humanos. "É a 'nicaraguização' do contexto venezuelano", explicou, ao comparar a perseguição encampada por Maduro e pelo presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, às ONGs do país. 

De acordo com Uzcátegui, ante a progressiva remoção da cooperação internacional, as organizações não governamentais estavam esvaziadas para enfrentar uma crise da envergadura como a de 28 de julho, depois das eleições. "Essa lei obrigará as ONGs que desejarem seguir nas denúncias de abusos de poder a trabalharem à margem da Justiça. As organizações mais conhecidas terão que tomar uma decisão: sobreviver, reduzindo o próprio perfil, ou continuar trabalhando acompanhando as vítimas, em condições muito difíceis", explicou. 

O coordenador do Provea avalia a proposta de criação da Comissão Nacional contra o Fascismo, o Ódio e a Violência como parte da "promoção do medo e do terror". "A intenção é que os cidadãos fiquem inibidos de exercerem e exigirem os seus direitos. Depois do brutal desrespeito à vontade popular, nos encontramos em um contexto de maior repressão, dado que o governo decidiu permanecer no poder, a despeito das maiorias do país", comentou Uzcátegui. "Essa Comissão significa a revogação das garantias constitucionais", advertiu. 

EU ACHO... 

Arquivo pessoal - Rafael Uzcátegui, coordenador da ONG venezuelana Provea

"Estamos no pior momento qualitativo de violação dos direitos humanos na Venezuela, onde o abuso de poder se concentrou nos setores populares, que decidiram deixar de votar na opção bolivariana. Maduro sabe que perdeu por quase 4 milhões de votos de diferença. O que estamos vendo é a sua vingança política pela falta de apoio popular."

Rafael Uzcátegui, coordenador geral da ONG Programa Venezuelano de Educação e Ação em Direitos Humanos (Provea)

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