Após a queda do avião da Voepass Linhas Aéreas em Vinhedo na sexta-feira (9/8), especialistas em segurança de voo apontam que a formação de gelo sobre as asas pode ser uma das hipóteses a ser investigada como causa do acidente.
Segundo analistas, essa é uma ocorrência rara, especialmente porque a maioria das aeronaves possui sistemas eficazes para evitar que o acúmulo de água congelada afete a capacidade de sustentação. Mas afirmam que ainda assim pode levar a um acidente como o registrado.
O voo 2283 saiu de Cascavel (PR) com destino ao aeroporto de Guarulhos (SP) e levava 58 passageiros e quatro tripulantes. O acidente ocorreu por volta das 13h20 de sexta e não deixou sobreviventes.
- 'Parecia um avião de papel e caiu'; testemunhas contam como foi acidente com aeronave em Vinhedo
- Tragédia da Voepass ocorre no momento mais seguro da aviação: qual o risco de morrer em viagem aérea?
- Número de mortos em queda de avião em Vinhedo sobe para 62: o que se sabe sobre o acidente
- Médicos, árbitro de judô, uma criança de 3 anos: quem são as vítimas da tragédia da Voepass
Em coletiva de imprensa, a Voepass afirmou que os sistemas da aeronave modelo ATR-72 que caiu na região do bairro Capela, em Vinhedo, estavam em funcionamento no momento da decolagem. A empresa ressaltou que "não tem informações sobre as causas do acidente".
Diretor de operações da Voepass Linhas Aéreas, Marcel Moura não descartou a possibilidade de congelamento nas peças do avião. “O avião é sensível ao gelo. Pode ser um ponto de partida (na investigação), mas ainda é cedo para saber”, disse em coletiva à imprensa.
Já o CEO da empresa, Eduardo Busch, destacou que apontar as causas do acidente neste momento seria "mera especulação".
Mas apesar do tom cauteloso adotado pela companhia aérea e pelas autoridades aeronáuticas brasileiras, a hipótese de formação de gelo nas asas ou na cauda da aeronave é uma linha forte de investigação, segundo especialistas.
Para Celso Faria de Souza, perito criminal especializado em acidentes aeronáuticos do Estado de Goiás e diretor da Associação Brasileira de Segurança de Voo (Abravoo), há dois grandes indícios que levam a essa suposição: as condições atmosféricas e a forma como o avião é visto caindo nas imagens que circulam.
Primeiro, segundo o engenheiro mecânico-aeronáutico, havia na área onde sobrevoava o avião comercial de médio porte um alerta para "formação severa de gelo".
Segundo o site Flightradar24, havia um alerta de formação de gelo severo entre 3,6 mil e 6,4 mil metros de altura no local onde a aeronave despencou.
Mensagens de áudio nas redes sociais, atribuídas a pilotos, também relatam que havia condições para formação severa de gelo na rota do voo.
Um comandante que voou na região confirmou, em entrevista à TV Globo, que as condições meteorológicas eram de formação severa de gelo e vento.
Mas o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) informou que não houve comunicado de emergência dos pilotos para os órgãos de controle.
Além das condições meteorológicas, Faria de Souza afirma que é possível notar pelas imagens do acidente que a aeronave parece íntegra, mas ao mesmo tempo tem uma queda descontrolada.
“Isso é característico de quando você perde a eficiência da asa e dos controles de voo que ficam na asa e na cauda”, diz o perito.
De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), o avião iniciou uma queda de 440 km/h um minuto após o Controle de Aproximação de São Paulo perder o contato com a aeronave.
A queda em espiral sugere a ocorrência de um estol — que acontece justamente quando a aeronave perde a sustentação que lhe permite voar —, dizem especialistas.
“O formato da asa é meticulosamente calculado para dar sustentação ao avião. Quando há formação de gelo, essa geometria muda e o cálculo feito não serve mais e deixa de funcionar adequadamente como asa”, diz Faria de Souza
O engenheiro ressalta, porém, que sua análise e de outros especialistas é superficial, totalmente baseada em hipóteses, e que uma resposta final sobre as causas só virá após a inspeção das caixas-pretas do avião.
Os equipamentos foram recuperados “aparentemente preservados” e serão analisados, segundo o Secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), Guilherme Derrite.
‘Continuidade do voo pode ser impossível’
Documentos elaborados por especialistas da FAB apontam que a formação de gelo em aeronaves pode representar um sério perigo à atividade aérea.
Muitas aeronaves civis e militares voam acima dos limiares de temperatura para a presença de gelo, mas as condições potenciais podem ser encontradas durante todas as fases do voo, inclusive na subida e descida, dizem os especialistas.
Tipicamente, os cenários de formação de gelo são mais frequentes no outono e inverno, pela atuação de massas de ar frio, diz a FAB.
Ainda segundo os documentos e guias disponibilizados pela Força Aérea, a formação de gelo na estrutura da aeronave “pode destruir o suave fluxo do ar e, consequentemente, aumentar (ou diminuir) o arrasto (ou a sustentação) do voo, podendo também causar problemas de controle da aeronave”.
“Sob condições de FGA, moderada a severa, principalmente em uma aeronave de pequeno porte, a continuidade do voo pode se tornar impossível”, diz um dos guias para pilotos da FAB.
E de acordo com Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos, o acúmulo de gelo pode prejudicar seriamente o funcionamento não apenas das asas, superfícies de controle e hélices, mas também dos para-brisas e coberturas, antenas de rádio, tubos piloto e aberturas estáticas, carburadores e entradas de ar.
Mas Celso Faria de Souza explica que a maioria dos aviões comerciais atuais possui tecnologia para evitar a formação de gelo.
Enquanto alguns aviões possuem um sistema de degelo, que nada mais é do que um revestimento de borracha na asa que pode ser inflado para quebrar o gelo, outros são equipados com o chamado de mecanismo anti-gelo.
“Esse sistema suga o ar suga quente da turbina e joga dentro da asa, esquenta a parte da frente da asa e impedindo a formação de gelo”, explica o diretor da Abravoo.
Segundo Faria de Souza, as aeronaves com esses sistemas podem decolar mesmo diante de alertas meteorológicos de formação de gelo, a depender do clima.
A aeronave modelo ATR-72 da Voepass que caiu nesta sexta possuia um sistema de degelo, segundo o especialista, mas não está claro se o mecanismo falhou ou as condições climáticas estavam tão severas que o mecanismo não deu conta.
Em 1994, a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos chegou a proibir voos de ATR em condições de muito gelo. Centenas de voos foram suspensos na época. A decisão foi tomada depois que um ATR caiu em Indiana naquele ano, matando todas as 68 pessoas a bordo.
Outro incidente envolvendo formação de gelo ocorreu em 2009, com um Airbus A330 da Air France, que caiu perto de Fernando de Noronha.
Segundo o relatório final da investigação sobre o acidente, o avião enfrentou uma tempestade horas após decolar do Rio de Janeiro e os sensores externos chamados de “tubos pitot” congelaram.
O gelo desativou o sistema, interrompendo as informações de velocidade e altitude, e fazendo com que os pilotos perdessem o controle.
Ao todo, 228 pessoas morreram, sendo 58 brasileiros, no que foi considerado um dos maiores acidentes da aviação comercial.
Saiba Mais
-
Brasil Quina, Lotofácil e mais: veja os resultados das loterias deste sábado
-
Brasil Mega-Sena: veja o resultado deste sábado; prêmio é de R$ 36,9 milhões
-
Brasil Operação de resgate de corpos em Vinhedo (SP) chega ao fim
-
Brasil Auditor é uma das vítimas da queda do avião da Voepass em Vinhedo (SP)
-
Brasil "Priorizando qualidade ao invés de celeridade", afirma chefe do Cenipa
-
Brasil Bolsonaro pede 1 minuto de silêncio por vítimas de avião que caiu em Vinhedo