Crise em Bangladesh

Premiê foge e militares formam governo interino em Bangladesh

Desde o início dos protestos, em 14 de julho, pelo menos 350 bengalis perderam a vida

As imagens que chegavam de Daca impressionavam. Milhares de manifestantes, em sua maioria estudantes, marcharam pelas ruas da capital de Bangladesh em direção ao palácio da primeira-ministra Sheikh Hasina. As forças de segurança reagiram de forma desmedida e mataram mais 20 pessoas, depois de um fim de semana sangrento, quando o número de mortos se aproximou de 100. Pressionada pelas Forças Armadas, a "Dama de Ferro" abandonou o poder depois de 15 anos e fugiu do país de helicóptero, antes mesmo que a multidão invadisse a residência oficial do governo. Desde o início dos protestos, em 14 de julho, pelo menos 350 bengalis perderam a vida. 

Em pronunciamento à nação exibido pela televisão estatal, o general Waker-Uz-Zama, comandante do Exército, anunciou o fim governo de Hasina e declarou que os militares formariam um governo interino. "Bangladesh sofreu muito, a economia foi afetada, muitas pessoas morreram, é o momento de acabar com a violência", pediu Waker. Em um aceno democrático, o presidente Mohammed Shahabuddin determinou a soltura dos manifestantes detidos e do ex-premiê e líder opositor Khaled Zia. 

Os protestos de ontem tiveram dois momentos icônicos: além da invasão ao palácio, a derrubada — por parte dos manifestantes — da estátua do pai de Hasina, Mujibur Rahman, herói da independência do país em 1971. A agência de notícias France-Presse informou que opositores e partidários do governo se enfrentaram em todo o território bengali com pedaços de pau e facas. As tropas utilizaram munição real para conter os distúrbios.  

Morador de Thakurgaon, a 384km ao norte de Daca, o estudante Muhammad Nahid Hasan, 19 anos, quase entrou para as estatísticas no domingo. "Fui baleado na perna e atingido por um tijolo nas costas. Participei dos protestos desde o início. Muitas pessoas me ameaçam de morte por sair às ruas. Estou muito feliz hoje, essa felicidade não pode ser explicada em palavras", afirmou ao Correio. Questionado sobre o futuro do país, Hasan disse ter esperança de dias melhores. "A ditadura cairá, a democracia e a escolha pelo voto popular prevalecerão", respondeu. Ele aposta que, com a fuga de Hasina, os militares não se manterão no comando do país. "Creio que o Exército se comprometerá com os partidos políticos — Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), Jamaat e Jatiya — e repassará o poder para eles."

Hasan contou que as Forças Armadas impuseram toque de recolher por todos o país — a medida ficará suspensa a partir de hoje. "Tanques guardam locais importantes. Policiais e soldados estão por todos os lugares. O Ministério das Relações Exteriores ordenou disparos contra quem desrespeitar o toque de recolher", relatou. Os protestos começaram em 14 de julho, motivados pela reintrodução do sistema de cotas estudantis que reservava mais da metade dos empregos públicos para determinados grupos. Os críticos acusavam o governo de Hasina de usar as cotas para beneficiar grupos leais ao partido Liga Awami, da ex-primeira-ministra. 

A também estudante Samira Khan, 19, disse à reportagem que a atmosfera, ontem, em Daca, era de alegria. "Todo mundo está muito feliz com a queda do governo ditatorial. Fui para a rua e ajudei a derrubar a ditadura", comentou. "Além do sistema de cotas, o governo privou-nos de nossos direitos ao voto por 15 anos. Também protestamos contra a corrupção. Ministros da Liga Awani contrabandearam dinheiro para fora do país. Eles não foram julgados, porque o Judiciário foi fechado."

Nações Unidas

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, defendeu uma "transição democrática" no país asiático. "Guterres insta todas as partes à calma e à moderação e destaca a importância de uma transição pacífica, ordenada e democrática", afirmou o porta-voz adjunto, Farhan Haq. O chefe da ONU pediu "total respeito aos direitos humanos" e "uma investigação completa, independente, imparcial e transparente de todos os atos de violência", acrescentou o porta-voz em um comunicado. 

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"Desde que ascendeu ao poder, em 2005, Sheikh Hasina cometeu muitos assassinatos para se manter no poder. Em 2013, ela ordenou a morte de cerca de 500 estudantes, no meio da noite. Por aqui, todos a chamavam de assassina. Ela foi uma ditadora."

Muhammad Nahid Hasan, 19 anos, estudante, morador de Thakurgaon