Agosto começa com o Planalto e o Itamaraty diante do impasse anunciado na eleição presidencial do último domingo, na Venezuela. Passada uma semana, o quadro não chega a ser surpreendente: o governo proclama a vitória do presidente Nicolás Maduro, enquanto a oposição garante ter provas de que seu candidato, Edmundo Gonzáles, é o presidente eleito. Ambos os lados alegam ter provas documentais dos resultados, mas nenhum dos dois as apresentou publicamente.
Enviado pelo presidente Lula para acompanhar a votação e a apuração, o assessor especial Celso Amorim, chanceler nos dois primeiros mandatos petistas, entre 2003 e 2010, desde o governo de Hugo Chávez, encarna em Caracas um verso emblemático de Aldir Blanc na letra de O bêbado e a equilibrista, parceria memorável com João Bosco no ocaso da ditadura instalada pelo golpe militar de 1964: dança na corda-bamba de sombrinha.
O ônus da prova
O exercício acrobático se desenvolve desde a reta final da campanha eleitoral, quando Maduro acenou como espantalho o perigo de "um banho de sangue", a menos que obtivesse uma vitória contundente. Lula se confessou "assustado", disse ter recomendado ao colega venezuelano que acatasse uma noção básica da democracia: quem ganha fica, quem não ganha vai embora.
Maduro preferiu receitar chá de camomila aos "assustados". Questionou a confiabilidade das eleições no Brasil e em outros países. Em troca, viu o TSE cancelar a missão observadora que enviaria à Venezuela. Agora, sem contar com aval externo — exceto o dos aliados de sempre —, ouviu de Celso Amorim uma apreciação pouco favorável da situação: o emissário do Planalto lembrou que, em geral, cabe a quem acusa apresentar provas - no caso, isso se aplicaria aos antichavistas.
No caso, porém, o "histórico político" do país determinaria que cabe ao governo e a Maduro o ônus da prova.
Na arquibancada
Lula e Amorim cobram de Maduro e da autoridade eleitoral venezuelana que publiquem as atas da apuração. A postura responde à pressão interna da oposição de direita e da mídia dita corporativa, mas responde também ao que se configura já como uma disputa entre torcidas. Desde a noite da votação, os EUA puxam o coro dos governos que rechaçam a proclamação oficial — reafirmada ontem — de que o presidente foi reeleito.
O secretário de Estado Antony Blinken declarou ter "evidências esmagadoras" de que Edmundo González é o "legítimo presidente eleito" da Venezuela. A posição é acompanhada por vizinhos sul-americanos, como Argentina, Uruguai, Chile e Peru, além de Panamá, Costa Rica e República Dominicana.
A diplomacia brasileira se empenha em evitar a repetição da crise de 2018/2019, quando Washington e aliados regionais — inclusive o Brasil de Bolsonaro — se recusaram a reconhecer a primeira reeleição de Maduro. Desta vez, Lula e Amorim articulam com os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, López Obrador, uma coligação capaz de inibir a "ingerência de forças externas". Os três governos de esquerda defendem uma "auditoria independente" dos resultados de 28 de julho.
Muy amigo
Enquanto segue a queda de braço em Caracas, principalmente nas ruas, com saldo parcial de mais de mil manifestantes detidos, o Planalto saboreia uma espécie de "prêmio diplomático" paralelo. No início da semana, o governo chavista expulsou de Caracas o pessoal diplomático dos sete países latino-americanos que contestaram o resultado oficial anunciado.
A pedido de Buenos Aires, o Itamaraty aceitou representar os interesses argentinos na Venezuela, e pode fazer o mesmo em relação a Peru e Chile. O presidente Javier Milei, de utradireita, que desde a campanha eleitoral vitoriosa de 2023 ataca sistematicamente o colega "comunista", acabou por agradecer publicamente o gesto do vizinho.