“Este é um assunto que é melhor tratado em silêncio.”
Essa foi a frase escolhida pelas autoridades russas quando solicitadas a comentar sobre possíveis trocas de prisioneiros entre Rússia e o Ocidente. Trata-se de palavras ditas alguns meses atrás.
É assim que o Kremlin gosta: negociação a portas fechadas, “diplomacia de reféns” longe dos holofotes da mídia. Serviço de inteligência conversando com serviço de inteligência; governo para governo.
Até Moscou conseguir o que — ou melhor, quem — quer.
Na quinta-feira (01/08), dezesseis pessoas foram libertadas de prisões russas no maior acordo de troca de prisioneiros desde a Guerra Fria.
O presidente dos EUA, Joe Biden, confirmou que o repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich e o veterano da Marinha dos EUA Paul Whelan estão entre as pessoas que estão voltando para os EUA.
Enquanto isso, oito russos detidos em prisões americanas e europeias foram devolvidos em troca. Eles foram detidos nos EUA, Noruega, Eslovênia, Polônia e Alemanha e são suspeitos de vínculos com a inteligência russa.
No entanto, apesar do “silêncio” da Rússia e dos EUA nos meses que antecederam esse acordo, houve sinais. Algo estava em movimento.
Em uma entrevista com o ex-apresentador da Fox News Tucker Carlson em fevereiro, Vladimir Putin falou sobre Evan Gershkovich, o repórter do Wall Street Journal que havia sido preso na Rússia, acusado de espionagem.
“Não descarto que Gershkovich possa retornar à sua terra natal”, disse Putin. “Queremos que os serviços especiais dos EUA pensem em como podem contribuir para alcançar as metas que nossos serviços especiais estão buscando.”
Foi uma dica muito pública e pouco sutil: Moscou estava disposto a fazer um acordo.
O líder do Kremlin não citou nomes. Mas ele deixou bem claro quem a Rússia queria em troca: Vadim Krasikov, o suposto agente russo que estava cumprindo pena de prisão perpétua por assassinato — não nos EUA, mas na Alemanha.
Alguns dias depois, o líder da oposição russa Alexei Navalny morreu em uma remota colônia penal no Ártico. Circularam rumores de que, antes de sua morte, estavam em andamento negociações para trocar Navalny, Evan Gershkovich e o ex-fuzileiro naval americano Paul Whelan, todos presos na Rússia, por Vadim Krasikov na Alemanha.
As autoridades alemãs haviam entrado em negociações sobre a troca de prisioneiros?
Avance para junho. O julgamento de espionagem a portas fechadas de Evan Gershkovich — considerado uma “farsa” pelo Wall Street Journal e pelo governo dos EUA — finalmente começou em Ecaterimburgo. O caso foi rapidamente adiado até meados de agosto.
Mas, no mês passado, o tribunal inesperadamente antecipou a segunda audiência em mais de três semanas. No final de um julgamento ultrarrápido de três dias, Evan Gershkovich foi condenado e sentenciado a 16 anos em uma colônia penal.
No mesmo dia, a jornalista russo-americana Alsu Kurmasheva foi condenada a seis anos e meio de prisão por um tribunal em Kazan. Seu julgamento durou apenas dois dias.
Alguém estava claramente com pressa.
Foi o sinal mais forte até agora de que um acordo havia sido feito, de que uma troca era provável. As autoridades russas normalmente tratam a condenação como um pré-requisito para qualquer troca de prisioneiros.
No início desta semana, houve mais sinais, com relatos de que uma série de proeminentes prisioneiros políticos russos haviam sido retirados de suas colônias penais ou centros de detenção.
A especulação cresceu. Esses dissidentes poderiam fazer parte de uma troca de prisioneiros maior do que a prevista originalmente?
Surgiram notícias em Belarus: o líder do país, Alexander Lukashenko, concordou em perdoar Rico Krieger, cidadão alemão condenado à morte por terrorismo e outras acusações. Ele poderia fazer parte de uma troca?
Agora sabemos. Esta é a maior troca de prisioneiros entre os EUA e a Rússia desde a Guerra Fria.
Os governos ocidentais receberão com entusiasmo a libertação de estrangeiros, bem como a liberdade de alguns dos prisioneiros políticos mais proeminentes da Rússia.
Moscou celebrará o retorno de seus agentes.
Ambos os lados alegarão que é um bom negócio.
Mas se a Rússia concluir, como fez no passado, que a “diplomacia de reféns” funciona, é improvável que seja a última vez que prisioneiros — tanto estrangeiros quanto russos — sejam usados como moeda de troca.
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