O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou o bilionário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), a indicar um representante legal no Brasil no prazo de 24 horas. No caso de descumprimento, a rede social poderá ser suspensa no país.
O ministro também exigiu o pagamento de multas pelo descumprimento de ordens judiciais anteriores.
Musk é investigado no STF por acusações de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. O bilionário também foi incluído no chamado inquérito das milícias digitais, que também tem outros investigados.
“As redes sociais não são terra sem lei; não são terra de ninguém”, destacou o ministro na decisão, tomada após o dono do X fazer postagens na rede social que, segundo Moraes, são uma “campanha de desinformação” que instiga “desobediência e obstrução à Justiça”.
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As 24 horas citadas na intimação nesta quarta-feira (28/8) vencem por volta das 8 da noite desta quinta-feira (29).
Após a publicação do ofício, o dono do X publicou imagens produzidas por inteligência artificial comparando o ministro a vilões de Star Wars e Harry Potter. O bilionário também compartilhou postagens que classificam a decisão judicial como “ilegal” e um ataque à liberdade de expressão.
Esse é mais um capítulo de uma queda de braço entre Moraes e Musk que já leva meses. Como consequência da crise, em 17 de agosto, a rede X fechou seu escritório no Brasil e demitiu funcionários, embora a mídia social tenha permanecido no ar.
Mas afinal, como um bloqueio ao X funcionaria de forma prática no Brasil, caso chegue a ser executado?
Anatel e operadoras de telefonia
Com base em outros bloqueios já executados no país, o processo começaria com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Se a suspensão for determinada pelo STF, o órgão regulador deve receber uma ordem judicial por meio eletrônico que tem que ser repassada via superintendência de fiscalização às operadoras de telefonia do país, explica Bruna Santos, da Digital Action, uma organização global que advoga por melhores padrões digitais dos governos e das Big Tech.
“A Anatel fará o trabalho não só de comunicação da necessidade de se cumprir essa ordem judicial, mas também de acompanhamento para testar se a medida foi tomada nos tempos descritos pela ordem judicial e pela decisão do juiz”, diz.
Segundo Santos, a determinação judicial pode ou não especificar quais métodos as operadoras devem utilizar para cumprir a ordem.
Mas, de forma geral, o caminho passa pelo bloqueio de um ou múltiplos endereços de IP.
Todos os computadores da internet, abrangendo de smartphones ou laptops a servidores que distribuem conteúdo para grandes websites, se encontram e se comunicam entre si usando números. Esses longos códigos são conhecidos como endereços IP.
Mas ao abrir um navegador e acessar um site, o usuário não precisa digitar o longo número. Em vez disso, informa um nome de domínio, como x.com, e ainda assim encontra o que deseja. O responsável por fazer essa conversão é o chamado DNS (Sistema de Nomes de Domínio).
Rodolfo Avelino, professor de Engenharia de Computação e Ciências da Computação no Insper e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil, explica que no caso de um bloqueio ao X “os provedores deixarão de atender às requisições para entregar o número IP do domínio da rede social, impedindo que os assinantes acessem o site”.
Em 2023, a Justiça brasileira determinou a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram no país depois que a empresa não cumpriu totalmente um pedido da Polícia Federal de entrega de dados sobre grupos neonazistas na rede.
Na ocasião, as empresas de telefonia Vivo, Claro, Tim e Oi foram notificadas para cumprimento da decisão. Google e Apple, responsáveis pelas lojas de aplicativos Playstore e App Store, também receberam ofícios para remover o app.
O WhatsApp também foi alvo de decisões parecidas em 2015 e 2016. Em todas essas ocasiões, o processo de bloqueio seguido foi o mesmo, passando pela Anatel e pela comunicação às operadoras, diz Bruna Santos.
Segundo a especialista em temas relativos a acesso à Informação e governança da internet, além do bloqueio do IP, também pode acontecer a reconfiguração da rota de tráfego de um site, caso o STF determine mesmo o bloqueio.
“Quando um site utiliza múltiplos endereços de IP, é preciso reconfigurar as rotas de tráfego de conteúdo para que esse conteúdo não seja repassado a depender da região ou do IP que não foi bloqueado”, explica.
“E não me surpreenderia se fosse feita também a notificação para Apple e Google impedirem que o aplicativo [do X] pudesse continuar a ser baixado, como aconteceu no caso do Telegram em 2023.”
E o VPN?
Os especialistas apontam, porém, que mesmo com essas medidas, usuários ainda podem ser capazes de acessar o X nesse cenário hipotético, utilizando VPN.
Sigla em inglês para rede privada virtual, o mecanismo funciona por meio da criação de uma ligação encriptada segura entre o dispositivo do usuário e o servidor remoto.
O VPN blinda as informações pessoais, como senhas e dados, e “esconde” o IP original, criando uma camuflagem na atividade online do usuário. É amplamente usado para acessar uma conexão de internet diferente, se conectar a servidores de outros países e desbloquear conteúdos não disponíveis na região onde o dispositivo está localizado.
No passado, decisões judiciais já barraram também o uso de VPN. Em maio de 2023, Alexandre de Moraes publicou um despacho em que ameaçava retirar o Telegram do ar por causa de uma mensagem enviada aos usuários contra o projeto de lei que ficou conhecido como PL das Fake News. O bloqueio nunca aconteceu de fato, mas no documento o ministro do STF proibiu o uso de VPN para acessar o aplicativo caso isso acontecesse.
No despacho, Moraes afirmava que “pessoas naturais e jurídicas” que usassem “subterfúgios tecnológicos” para seguir usando o aplicativo caso ele fosse suspenso estariam sujeitas a multa de R$ 100 mil. Embora não tenha citado o uso de VPN, na prática, a determinação foi entendida como uma referência ao recurso.
Mas Rodolfo Avelino, do Insper, afirma que pode ser bastante desafiador bloquear todos os serviços de VPN, já que existem muitos provedores e tecnologias distintas.
“Seria possível talvez bloquear as VPNs mais utilizadas ou as mais conhecidas. Mas não é possível garantir por ordem judicial um bloqueio total de todos os serviços e tecnologias”, diz.
O professor explica ainda que existem outros métodos que podem ser utilizados para burlar o bloqueio, como a utilização de um servidor DNS de fora do Brasil, algo que é ainda mais difícil de controlar.
Bloqueios fora do Brasil
Entre os países que bloqueiam o acesso ao X atualmente estão China, Irã, Coreia do Norte, Rússia, Turcomenistão e Mianmar. O nível de controle à conexão à rede social varia de acordo com a nação.
Em território chinês, a proibição faz parte de uma estratégia mais ampla de censura à internet, conhecida como ‘Grande Firewall’. Qualquer pessoa que tente acessar o X - assim como outras redes sociais como Instagram, Facebook e WhatsApp - de um computador no país receberá uma mensagem de erro.
Muitos cidadãos usam ferramentas de VPN para burlar o bloqueio. Até mesmo grandes empresas chinesas e meios de comunicação nacionais, como a Huawei e a Televisão Central da China (CCTV), usam o X por meio de uma VPN aprovada pelo governo.
Mas ativistas, jornalistas e cidadãos que acessam ou postam com frequência conteúdos considerados perigosos pelo governo, ou de crítica ao Partido Comunista da China (PCC), já foram punidos com prisão.
Já na Coreia do Norte, cidadãos pegos acessando redes sociais ou sites de notícias estrangeiras podem ser condenados a punições severas, como trabalho forçado.
Em outros países, como Nigéria, Turquia e Uganda, já foram reportados bloqueios temporários ao X.
O caso nigeriano aconteceu em 2021, quando empresas de telecomunicações locais foram impedidas de prover acesso à rede social depois de uma postagem feita pelo presidente Muhammadu Buhari, que ameaçava grupos separatistas, ter sido excluída pela plataforma.
O governo alegou que a decisão de apagar o tuíte não foi a única razão para a suspensão. O então Twitter, segundo Buhari, estaria ajudando a espalhar desinformação e notícias falsas que por vezes levavam a consequências violentas na Nigéria, sem que a plataforma fosse responsabilizada.
Para suspender o bloqueio, as autoridades nigerianas insistiram, entre outras coisas, que o Twitter se comprometesse a se registrar na Nigéria, nomear um representante designado do país e cumprir com as obrigações fiscais no país.
O banimento foi revogado em janeiro de 2022, mas organizações de direitos humanos criticaram a medida como uma violação do direito à liberdade de expressão, ao acesso à informação e à liberdade de imprensa.
Mas Bruna Santos, da Digital Action, ressalta que as circunstâncias em que os bloqueios ao Twitter acontecem em muitos outros países são totalmente diferentes das do Brasil atual.
A China, por exemplo, bloqueia alguns sites por considerar que eles vão contra o ideal de um governo ou partido”, diz. “No Brasil, o bloqueio aconteceria dentro de um processo judicial e após repetidos descumprimentos de uma ordem.”
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