Uma das atrações do terceiro dia da Convenção Nacional Democrata, na arena United Center, em Chicago, o ex-presidente Bill Clinton avisou que a escolha em 5 de novembro é muito clara: "Kamala Harris, ou o povo" contra "Eu, eu mesmo e eu". Aos 78 anos, o 42º presidente dos Estados Unidos (1993-2001) subiu ao palco às 20h20 (22h20 em Brasília) de quarta-feira (21/8) e traçou um paralelo extremo entre ele e o republicano Donald Trump. Em uma noite focada na "luta pelas liberdades", Clinton adotou a tática de elogiar a candidata Kamala e atacar o magnata, retratado durante todo o evento como uma "fraude", ainda que de forma subliminar. "Trump ainda divide o povo e cria caos", lembrou. Segundo ele, Kamala lutará pelas liberdades e "protegerá cada um que votar, seja nela ou não".
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"Não há um dia que passe sem que eu seja grato pela chance que o povo americano me deu de ser uma das 45 pessoas que ocuparam o cargo. Mesmo nos dias ruins, você ainda pode fazer algo bom acontecer. Kamala Harris é a única candidata nesta corrida com a visão, a experiência, o temperamento, a vontade e, sim — a pura alegria — para fazer isso nos dias bons e ruins. Ela será nossa voz", declarou Clinton.
O penúltimo dia da Convenção também contou com os discursos de Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Representantes, e de Tim Walz, governador de Minnesota e candidato a vice de Kamala, que encerrou o evento e aceitou a indicação. A noite desta quinta-feira reserva o momento mais esperado, com um discurso histórico de Kamala Harris para ser ungida oficialmente como candidata.
No palco do United Center, também falaram ativistas ligados ao planejamento familiar e à defesa do voto latino. O sargento Aquilino Gonnell, oficial ferido durante a invasão ao Capitólio por simpatizantes de Trump, em 6 de janeiro de 2021, prestou um depoimento comovente e pediu aos presentes que honrassem os policiais que se machucaram ou perderam a vida durante o ataque, após a exibição de um vídeo sobre os incidentes.
Professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, pela sigla em inglês), Charles Stewart III admitiu ao Correio que a campanha democrata tenta evitar ataques que associem o republicano ao "síndrome do transtorno de Trump". "Os ataques são muito sutis e visam sugerir que Trump não é como os norte-americanos normais e, por isso, não os compreende. Pelo contrário, Harris e Walz são pessoas normais, criadas na classe média, que simpatizam-se com as origens e as ambições das pessoas normais", comentou. Para Stewart, em um país onde a influência da escolha do candidato a vice é superestimada, Walz completa a imagem de Kamala como uma pessoa normal e de classe média. "A diferença está no fato de ele prover de um contexto mais centro-americano."
Obama
Na noite de terça-feira (20/8), Barack Obama energizou os delegados e emprestou o próprio slogan de campanha para pedir votos para Kamala, além de apelar à união em uma nação cada vez mais polarizada. "Os Estados Unidos estão prontos para um novo capítulo. Estamos preparados para a presidente Kamala Harris. E Kamala Harris está pronta para o trabalho. Sim, ela pode!", declarou o ex-presidente, arrancando aplausos dos presentes. "Acredito que o que desejamos é voltar a um país no qual possamos trabalhar juntos."
Obama chamou Trump de "um bilionário de 78 anos que não para de reclamar de seus problemas desde que andou em sua escada rolante dourada, nove anos atrás". Também afirmou que o magnata tem uma "bizarra obsessão pelo tamanho das multidões". Antes de Barack, a ex-primeira-dama Michelle Obama alfinetou o republicano, em um claro apelo ao voto dos afroamericanos. "Quem vai dizer a ele que o emprego que ele está procurando atualmente pode ser apenas um desses empregos para negros?", questionou.
Em entrevista ao Correio, Alex Keyssar — professor de história e de política social da Universidade de Harvard — disse acreditar que o discurso de Obama servirá amplamente para energizar os democratas. "Duvido que mude a mente de qualquer eleitor de Trump, mas dará esperança aos democratas. Tão importante, talvez, foi seu apelo para que os democratas não fiquem excessivamente confiantes. O ex-presidente pediu-lhes que reconheçam que o país está muito dividido e que a eleição será acirrada."
Por sua vez, Charles Stewart III avaliou que o pronunciamento de Obama foi muito bem recebido e rendeu ótima cobertura midiática para Kamala. "Seu comentário sobre a obsessão de Trump pelo tamanho de multidões, acompanhado pelos movimentos das mãos sugerindo duplo sentido, provavelmente vai viralizar." "Nada realmente me surpreendeu. Foi um Obama tão focado e engajado quanto esperávamos."
Trump apela à retórica do medo
Donald Trump subiu ao palco do Museu da Aviação e Hall da Fama da Carolina do Norte, em Asheboro (Carolina do Norte), por volta das 14h10 desta quarta-feira (15h10 em Brasília) com uma preocupação: a segurança. O primeiro comício ao ar livre desde o atentado de 13 julho em Butler (Pensilvânia) contou com o reforço de lâminas de vidro à prova de bala. A 1,2 mil quilômetros dali, poucas horas depois, Chicago sediaria o terceiro dia da Convenção Nacional Democrata.
O evento, marcado por fortes discursos do ex-presidente Barack Obama e das ex-primeiras-damas Michelle Obama e Hillary Clinton, foi citado com deboche por Trump. "Eles mencionaram o meu nome 271 vezes, mencionaram a economia cerca de 20 vezes. Não falaram sobre a fronteira. Mas, me mencionaram como se fosse um verbete", ironizou. Atrás nas pesquisas, o magnata republicano centrou sua retórica no medo. "Estamos muito próximos de uma Terceira Guerra Mundial, não brinquem com isso, e eles estão rindo", alertou. "Se ganharem, teremos a Terceira Guerra. Cada americano estará seguro com Trump."
De acordo com Trump, "Kamala é a pessoa mais radical de esquerda a disputar uma eleição". Mais uma vez, ele fez advertências sobre uma eventual vitória democrata. "Em quatro anos, milhões de empregos desaparecerão da noite para o dia. A inflação destruirá por completo a nossa nação. As economias de toda uma vida serão varridas. Kamala vai destruir os EUA, assim como fez em São Francisco e na Califórnia. (...) Com a vitória de Trump, teremos novamente a maior economia da história", declarou.
"Onde está Biden?"
Antes de discursar, o republicano recebeu momentaneamente mais de 30 policiais no palanque. Assim que os oficiais saíram, disse que sentia "muito melhor" sem eles. Trump não poupou o fato de o presidente Joe Biden gozar férias em um rancho na Califórnia. "Onde está Biden? Ele está na praia. (...) As pessoas não querem vê-lo de traje de banho", disse.
Professor de ciência política da Universidade Estadual da Carolina do Norte, Steven Greene lembrou ao Correio que, nos Estados Unidos, existe um ditado segundo o qual ninguém deveria levar Trump a sério, a menos não literalmente. "Honestamente, ele tem se debatido desde que Kamala Harris saiu com grande impulso e começou a liderar pesquisas importantes. A disposição de Trump de dizer aparentemente qualquer coisa piorou ainda mais", afirmou. "Na condição de americano e cientista político, estou muito preocupado com o discurso de Trump, que mina a confiança em nossas eleições e parece encorajar a violência. Mas isso me parece uma retórica hiperbólica de um candidato fracassado e frustrado, que não deveria ser levado a sério."
Eric Heberlig, professor de ciência política da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte, considera que Trump adota uma "tática de intimidação". "Ele pode estar jogando com dúvidas que alguns eleitores podem ter sobre uma mulher liderando a segurança nacional", disse à reportagem. O estudioso concorda que a estratégia de Trump de impor medo é muito eficaz para motivar apoiadores. "A questão é o quanto isso funcionará com eleitores indecisos. Eles estão acostumados com o republicano usando esses tipos de mensagens. Podem descartá-lo como 'Trump sendo Trump'." (RC)
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"Como regra geral, assustar as pessoas para que o apoiem pode ser uma estratégia política eficiente. Mas, como qualquer coisa, pode ir longe demais. Nesse caso, ao fazer tantas declarações absurdas sobre Kamala Harris — especialmente aquelas que somente ressoarão com os mais fortes apoiadores do republicano —, Trump está deslegitimando amplamente sua própria mensagem."
Steven Greene, professor de ciência política da Universidade Estadual da Carolina do Norte
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