Mais de meio século depois da morte de Louis Armstrong, fãs e críticos ainda discutem a pronúncia correta do seu nome. Afinal, o "S" final é pronunciado, como em "Lewis", ou não (como em Louie)?
Alguns indicam as próprias palavras do trompetista para resolver a questão. Em entrevista em 1947, Armstrong disse: "Minha mãe sempre me chamou [de Lewis], não Louie."
Mas gravações de áudio indicam que quase todas as outras pessoas que o conheceram (incluindo sua esposa) adotavam a outra forma de pronúncia.
De certa forma, esta dualidade é apropriada. Afinal, ela reflete as ambiguidades do caráter e da personalidade de Louis Armstrong (1901-1971).
O jornalista americano Murray Kempton (1917-1997) ofereceu uma descrição do músico que ficou famosa. Ele seria uma combinação "do puro e do comum, palhaço e criador, divino e brincalhão".
O lançamento de um novo álbum de gravações ao vivo, em julho de 2024, trouxe um novo material para acender os contínuos debates sobre as contradições de Louis Armstrong.
Intitulado Louis in London ("Louis em Londres"), o álbum demonstra sua genialidade no jazz e suas tolices cômicas. E também sinaliza as complexidades mais polêmicas do músico sobre sua posição frente ao racismo.
As gravações recém-lançadas foram realizadas em Londres pela BBC, durante a turnê britânica de Armstrong em 1968. O período marcou o pico da sua popularidade, poucas semanas depois que What a Wonderful World chegou à liderança das paradas no Reino Unido.
Mas também foi o fim da sua carreira. Após o término da turnê, Armstrong começou a sofrer problemas cardíacos e renais e nunca se recuperou completamente.
Doente, no retiro da sua casa em Nova York, nos Estados Unidos, Armstrong começou a catalogar uma vida inteira de gravações. E ficou particularmente apaixonado pelas gravações da BBC.
Ele as apresentava aos amigos que o visitavam, fez cópias para seus companheiros de banda e colocou um selo na sua cópia pessoal, aparentemente indicando suas intenções: "para os fãs".
Mesmo com o amor de Armstrong por estas apresentações, elas tiveram apenas um lançamento parcial na época, após sua primeira transmissão.
O álbum lançado em julho apresenta uma versão muito mais completa das gravações da BBC. Ele acrescenta cinco novas canções às publicadas anteriormente.
O álbum também inclui uma versão alternativa de Hello, Dolly! – "diferente, mais longa e melhor" que a anterior, segundo o diretor de coleções de pesquisa do Museu Casa de Louis Armstrong em Nova York, Ricky Riccardi.
Riccardi ajudou a organizar o álbum e tem algumas teorias sobre os motivos que levaram as apresentações na BBC a serem tão importantes para o artista.
"É tudo questão de contexto", ele conta. "Pouco depois da turnê britânica, seu corpo finalmente deu sinais de cansaço. Por isso, acho que uma parte dele estava se convencendo de que ele talvez nunca mais se apresentasse no palco para os seus fãs."
Armstrong pode ter então considerado os shows na BBC como suas grandes apresentações finais – "um último 'viva'", nas palavras de Riccardi.
"Mesmo antes dos seus problemas de saúde mais sérios, os concertos ao vivo passaram a ser um tanto irregulares", relembra ele. Riccardi se refere aos problemas nos lábios e dentes que prejudicaram o desempenho de Armstrong no trompete, quando ele ficou mais idoso.
"Mas os shows em Londres demonstram que ele ainda era capaz de oferecer momentos arrepiantes com seu instrumento, naquela etapa final da sua vida."
Além da qualidade da sua música, Armstrong pode ter sentido que as gravações da BBC eram especiais por outro motivo. Elas pareciam resumir toda a sua carreira, com o repertório cobrindo cada década de sua vida no palco.
Inicialmente, vem Ole Miss, um jazz instrumental que Armstrong começou a tocar quando era adolescente, nos anos 1910. Depois, vem Rockin' Chair, uma canção que Armstrong gravou pela primeira vez em 1929.
Outras faixas relembram as décadas seguintes: When It's Sleepy Time Down South foi gravada pela primeira vez em 1931, Blueberry Hill em 1949 e Mack the Knife em 1955.
O conjunto é complementado pelos sucessos de Armstrong na década de 1960, incluindo sua marca registrada, What a Wonderful World.
Pioneiro ou popular?
Além de fornecer um resumo da carreira de Armstrong, década após década, o álbum Louis in London também registra sua complexa identidade como artista.
Durante a turnê britânica, diversos críticos observaram a tensão entre a posição de Armstrong como pioneiro do jazz e sua propensão a apresentar músicas antigas, para agradar às multidões.
Um crítico da revista britânica Melody Maker registrou: "A ênfase é principalmente em cantar e fazer graça; os amantes do trompete de Louis podem ficar decepcionados."
Um crítico do jornal The Times concordava: "Como apresentação de show business, foi sensacional. Do ponto de vista do jazz, foi bem comum."
O repertório das gravações da BBC parece refletir esta contradição. Ele inclui músicas instrumentais de jazz e outras com uma tendência mais comercial, como uma versão de The Bare Necessities ("Somente o Necessário"), do desenho da Disney Mogli: O Menino Lobo (1967).
Riccardi defende que esta foi uma característica de longa data das apresentações de Louis Armstrong.
"É uma falsa narrativa dizer que Armstrong era um artista nos anos 1920, mas 'se vendeu' e desperdiçou todas as promessas", afirma ele.
"Tudo aquilo por que ele foi criticado por fazer posteriormente na sua carreira, ele já fazia nos anos 1920 e 1930 – apresentando canções populares, tocando músicas de shows da Broadway e fazendo graça em geral."
A escritora e crítica de jazz Jordannah Elizabeth indica que as críticas sobre Armstrong como artista surgiram quando ele migrou para o cenário global.
"Ele foi submetido a uma intelectualização do jazz por alguns críticos, que impuseram rigorosos parâmetros sobre o que eles acreditavam ser 'arte elevada'", conta ela à BBC. "Era consequência de uma resistência eurocêntrica à liberdade física no palco – os movimentos dos quadris, grandes sorrisos no rosto."
Mas Elizabeth reconhece que a personalidade de Armstrong no palco era mais complexa. Ela remonta a uma tradição americana de trovadores.
"Alguns dos elementos das apresentações de Armstrong foram considerados similares às apresentações caracterizadas de atores brancos em shows de trovadores, que foram comuns no século 19 e até 1910 – pouco depois que ele nasceu, em 1901", explica ela. "Esta tradição permaneceu na América em círculos menos acessíveis e ainda existiu até os anos 1960, alimentando certos estereótipos."
"Além disso, a maior parte da sua carreira ocorreu antes do movimento dos direitos civis, de forma que ele provavelmente sofreu muita pressão para projetar e manter sua identidade original."
Este aspecto mais controverso das apresentações de Armstrong é refletido nas gravações da BBC.
O álbum começa com When It's Sleepy Time Down South, uma canção popular junto ao público, mas que levantou controvérsias por oferecer uma visão idealizada do sul dos Estados Unidos e por empregar o epíteto racista darkies ("escuros").
Nos anos 1950, quando o movimento pelos direitos civis tomou conta dos Estados Unidos, ativistas chegaram a queimar cópias do disco.
Nas gravações da BBC, Armstrong substituiu o termo ofensivo por folks ("pessoal"), que é mais neutro. Mas sua insistência em manter a canção na abertura do show, aliada à sua sorridente presença no palco, atraiu críticas dos seus colegas.
O trompetista Dizzy Gillespie (1917-1993) acusou o artista de "subserviência, no estilo Tio Tom [um personagem de livro que se tornou expressão nos EUA para falar de negros "subservientes" aos brancos]".
O também trompetista Miles Davis (1926-1991) sentia que "sua personalidade foi desenvolvida por pessoas brancas, que queriam que as pessoas negras os divertissem, sorrindo e pulando".
Mas Elizabeth defende Louis Armstrong.
"Durante os tempos difíceis do movimento dos direitos civis, os americanos precisavam de alguém como válvula de escape, um sorriso para relembrar, uma zona de conforto", explica ela. "Armstrong assumiu este papel, o que, naturalmente, trouxe um pouco de desdém e reações negativas dos artistas de jazz [que estavam] na linha de frente do movimento."
Riccardi acrescenta que Armstrong contribuiu com a causa dos direitos civis longe dos holofotes. "Ele fez grandes doações para Martin Luther King [1957-1968]", ele conta.
"Quando Nova Orleans [no Estado sulista da Louisiana] aprovou uma lei proibindo que bandas integradas [com integrantes brancos e negros] se apresentassem em público, Armstrong se recusou a voltar lá por quase uma década. Ele também foi um dos primeiros artistas afro-americanos a incluir no seu contrato que não se apresentaria em um hotel onde não pudesse se hospedar."
Armstrong também levou ativismo para a música, como um pacote palatável nas suas apresentações.
Nas gravações da BBC, ele dedica You'll Never Walk Alone a "todas as mães que têm filhos no Vietnã". Ele também havia apresentado esta canção para públicos negros segregados nos Estados Unidos, como sinal de solidariedade.
Armstrong descreveu uma apresentação na Geórgia, também no Sul dos EUA, como a "coisa [mais] tocante que já vi", quando o público começou a cantar junto com ele. "Quase comecei a chorar ali no palco. Realmente tocamos em algo dentro de cada pessoa."
Legado complexo?
Mas talvez a melhor representação da sua filosofia é What a Wonderful World, a penúltima faixa de Louis in London.
Na época, alguns críticos menosprezaram a simplicidade da sua mensagem. O jornal The New York Times chamou a canção de "bobagem sentimental".
Mas Louis Armstrong se explicou em uma apresentação falada, acrescentada à canção alguns anos depois: "Para mim, parece que não é o mundo que é tão ruim, mas o que nós estamos fazendo com ele. E tudo o que digo é, veja que mundo maravilhoso ele seria se apenas déssemos a ele uma chance."
Este posicionamento acabou conquistando alguns críticos.
"Eu o julguei mal", admitiu Dizzy Gillespie, após a morte de Armstrong. "Comecei a reconhecer aquilo que eu havia considerado um sorriso forçado frente ao racismo como sua total recusa a deixar que qualquer coisa – mesmo a raiva contra o racismo – roubasse sua alegria de viver e apagasse seu fantástico sorriso."
Outros permaneceram ambivalentes. Miles Davis, por exemplo, repetiu suas críticas, mesmo depois da morte de Armstrong.
"Eu detestava a forma em que ele precisava forçar o sorriso para lidar com algumas pessoas brancas cansadas", escreveu ele na sua autobiografia. Mas, ainda assim, Davis precisou reconhecer que Armstrong "abriu muitas portas para que pessoas como eu pudéssemos passar".
Apesar das controvérsias, Jordannah Elizabeth acredita que o legado de Armstrong é sólido.
"Nenhuma das críticas o impediu de manter seu lugar na história do jazz", afirma ela. "Ele foi muito adorado, respeitado e permanece assim até hoje."
Ouvir Louis in London agora, mais de 55 anos depois da sua gravação, oferece os dois lados da história.
Em algumas canções, Armstrong surge como o lendário trompetista de jazz. Em outras, ele assume o papel de artista popular.
Com um repertório que cobre 50 anos da história americana, é possível reconhecer a posição de Armstrong como pioneiro, que rompeu inúmeras barreiras. Mas pode-se também observar sua tendência de se aventurar em territórios que poderiam ser considerados racialmente retrógrados, tanto hoje quanto naquela época.
Louis in London oferece aos fãs de Armstrong a chance de ouvi-lo uma última vez, no pico final da sua carreira. Mas não oferece nenhuma definição sobre as complexidades do seu caráter e da sua personalidade.
Estas ambiguidades podem ser simbolizadas pela própria sequência do álbum, que coloca as canções Hello, Dolly! e Mame, uma após a outra. Nas duas faixas, Armstrong canta seu próprio nome. Em uma delas, ele canta Lewis e, na outra, Louie.
Ou seja, as controvérsias permanecem.
O álbum Louis in London foi lançado pela gravadora Verve Records em 12 de julho e está disponível em vinil, CD e em formato digital.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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