ANÁLISE

Qual é o plano de Elon Musk?

O professor de psicologia social Sander van der Linden, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sugeriu que Musk pode estar "se radicalizando na sua própria plataforma"

Qual é o plano de Elon Musk? -  (crédito: Getty Images)
Qual é o plano de Elon Musk? - (crédito: Getty Images)

Às vezes, o X (antigo Twitter) parece viver em dois universos paralelos.

Existe a versão que mostra o presidente dos Estados Unidos escolhendo a plataforma para anunciar que não irá concorrer à reeleição. Nesta mesma versão, autoridades mundiais em temas específicos oferecem suas opiniões sobre eventos atuais.

E existe outra versão, que mostra afirmações falsas, discurso de ódio, violência extrema e teorias da conspiração – incluindo muitas postagens relativas aos recentes distúrbios e protestos em várias partes do Reino Unido – sendo recomendadas para milhões de pessoas que sequer tentaram buscar este tipo de conteúdo.

No centro de tudo, está Elon Musk, o dono do X e uma das pessoas mais ricas do mundo.

Mas esta não é apenas uma história sobre a estratégia de monetização e os algoritmos empregados pelo X sob sua administração e como eles promovem conteúdo desagregador. É cada vez mais uma história sobre como o próprio Musk decide intervir abertamente para opinar sobre os distúrbios no Reino Unido.

E ninguém tem muita certeza sobre qual é o plano de Elon Musk.

Chamando para a controvérsia

Musk comprou o então chamado Twitter em 2022.

Em novembro de 2023, a plataforma restituiu a conta do ativista britânico de direita radical e criminoso condenado Stephen Yaxley-Lennon, conhecido como Tommy Robinson. A conta havia sido banida anteriormente.

E, esta semana, Musk respondeu a uma postagem de Yaxley-Lennon com dois pontos de exclamação – em outras palavras, chamando para a controvérsia.

Yaxley-Lennon havia criticado o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, pelas suas palavras após o início dos distúrbios que se seguiram ao assassinato de três meninas em Southport, no noroeste da Inglaterra.

Yaxley-Lennon acusou o primeiro-ministro de rotular as pessoas preocupadas com os assassinatos como "bandidos". O discurso de Starmer chamava de bandidos, especificamente, pessoas que haviam atirado tijolos nos policiais.

Yaxley-Lennon também criticou os comentários do primeiro-ministro sobre o aumento da força policial em resposta aos protestos.

Musk voltou à plataforma mais tarde. Em resposta a um vídeo dos distúrbios, ele sugeriu que "a guerra civil é inevitável". O porta-voz do primeiro-ministro declarou que "não havia justificativa" para aquela afirmação.

Musk, então, dobrou a aposta. Ele respondeu à postagem do primeiro-ministro sobre os ataques às comunidades muçulmanas, perguntando: "Você não deveria estar preocupado com os ataques a *todas* as comunidades?"

E Musk repetiu o comentário em uma postagem própria, com declarações sobre a violência dos ativistas antirracistas e muçulmanos. Ele acusou a polícia de abordar a questão de forma "unilateral".

Tudo isso, como se o X já não estivesse repleto de comentários sobre os eventos em Southport antes das intervenções de Elon Musk.

Afirmações falsas de que a pessoa responsável pelas mortes em Southport seria um refugiado muçulmano que teria chegado ao Reino Unido de barco em 2023 se espalharam pelo X como um incêndio descontrolado.

Dali, elas foram para outras plataformas de redes sociais e também para alguns canais do Telegram. Mas grande parte desta conversa frenética e exacerbada teve lugar no X.

As alegações foram compartilhadas por contas de pseudoinformação – perfis com histórico de promover teorias da conspiração sem provas sobre todos os assuntos, desde a pandemia e vacinas até guerras. Mais tarde, elas também foram divulgadas por comentaristas famosos, políticos e influenciadores.

Muitos dos perfis que chegam à maior parte dos usuários com estas ideias haviam comprado selos azuis, ou seja, suas postagens recebiam mais destaque na plataforma.

Com seu próprio selo azul e 193 milhões de seguidores, Musk vem interagindo com alguns dos perfis que compartilham conteúdo polêmico. E, ao fazê-lo, ele amplifica ainda mais suas mensagens.

'Radicalizando-se'

No momento, não há uma resposta definitiva sobre os objetivos de Elon Musk. Mas sua presença como participante ativo da sua própria plataforma certamente está mantendo o X no alvo dos comentários.

Em meio ao furor em torno do proprietário do X, a plataforma anunciou no último mês ter recebido 251 milhões de usuários globais ativos diariamente, no segundo trimestre do ano. Este número representa um aumento de 1,6% em relação ao mesmo período do ano anterior.

É claro que o resultado pode ser atribuído a uma série de fatores, como os recentes acontecimentos mundiais. E, embora os números representem uma queda do crescimento, o X ainda é um ponto central para as conversas digitais.

Apesar de todos os alertas de que o X deixaria de existir sob o domínio de Elon Musk, uma série de diferentes usuários continua a postar na plataforma, incluindo vários líderes mundiais e importantes figuras políticas de todas as correntes.

Conta de Elon Musk no Twitter
Getty Images

O comportamento de Musk pode também estar relacionado com a sua posição sobre as ameaças de regulamentação – especificamente no Reino Unido, com a Lei de Segurança Online, que foi aprovada no governo anterior.

Quando a lei entrar em vigor, em 2025, ela irá exigir que as empresas responsáveis pelas redes sociais excluam conteúdo ilegal, incluindo as postagens "agravadas por temas raciais ou religiosos".

Musk expressa repetidamente seu receio de que as tentativas dos governos de regulamentar as plataformas de redes sociais, como a sua própria, possam prejudicar a liberdade de expressão.

Outras pessoas imaginam se ele simplesmente passa tempo demais no X.

O professor de psicologia social Sander van der Linden, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sugeriu que Musk pode estar "se radicalizando na sua própria plataforma".

É claro que os motivos dos protestos e distúrbios no Reino Unido se estendem para muito além das redes sociais. E também é verdade que o Twitter, na antiga versão pré-Musk, estava longe de ser perfeito.

Havia acusações de viés e indicações de que suas políticas de moderação restringiam a liberdade de expressão para tipos específicos de contas. E o Twitter também estava repleto de trolls.

Mas, oficialmente, as políticas e a abordagem eram diferentes. E, analisando simplesmente meu próprio feed antes e depois da mudança de dono, ele era diferente.

Pouco depois que assumiu, Elon Musk destacou a importância da equidade, para todos os lados, incluindo em termos do conteúdo que o então chamado Twitter permitia que fosse compartilhado na plataforma.

Musk deixou claro que a liberdade de expressão é uma prioridade fundamental no X. E, como cidadão e como qualquer usuário, ele tem o direito de compartilhar suas opiniões sobre política ou sobre outros temas.

Mas, só recentemente, Musk decidiu apoiar com tanta clareza posições políticas e candidatos específicos.

Um exemplo é a forma como ele endossou Donald Trump após a tentativa de assassinato, ou o conteúdo criticando a adversária de Trump, Kamala Harris, que foi compartilhado por ele. Musk também publicou postagens bastante contrárias a certas visões liberais.

Agora, ele também decidiu expressar opiniões sobre algumas das questões mais sensíveis da vida britânica.

Surgiu, então, uma dinâmica complexa. Como proprietário, Elon Musk supervisiona as decisões tomadas pelo X, que afetam qual conteúdo é permitido e recomendado ativamente para os usuários. E, ao mesmo tempo, sua própria conta – considerada a mais seguida do mundo – tem papel significativo na formação do tom de parte do conteúdo mais promovido e controverso do X.

Ele já destacou que, para ele, a imprensa não detém mais o poder de responsabilizar as pessoas. E, na maior parte das vezes, quando Musk e o Twitter são cobrados, eles não respondem.

A BBC entrou em contato repetidas vezes com a rede social em relação aos distúrbios no Reino Unido, com diversos pedidos de entrevista para Elon Musk, mas não obteve resposta.

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BBC
Marianna Spring - Repórter de desinformação e redes sociais
postado em 10/08/2024 21:50 / atualizado em 11/08/2024 12:30
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