Quando os Jogos Olímpicos modernos começaram, em 1896, em Atenas, na Grécia, era uma competição estritamente amadora, sem nenhum atleta profissional.
E, claro, sem prêmios financeiros.
Porém, em Paris 2024, há atletas que ganham milhões de dólares por ano e atletas que têm de fazer rifas para financiar seus treinos.
Os atletas olímpicos podem ganhar dinheiro a partir de uma vasta gama de fontes: de patrocinadores, de prêmios monetários do seu país de origem e, pela primeira vez, de um prêmio distribuído nos próprios jogos.
Mas nem todos os esportes estão premiando seus vencedores, o que tem causado grande polêmica sobre qual a melhor forma de dividir a rentabilidade gerada pelos Jogos Olímpicos.
Dos 32 esportes que acontecerão em Paris 2024, apenas dois premiarão seus atletas: o boxe e o atletismo.
A World Athletics, entidade que controla o atletismo no mundo, fez um anúncio surpresa pouco antes da Olimpíada de Paris: os vencedores da medalha de ouro nas provas atléticas receberiam um prêmio de US$ 50 mil (cerca de R$ 281 mil).
E algumas semanas depois, a Associação Internacional de Boxe (IBA, na sigla em inglês, que não é reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e desde Tóquio 2020 não organiza o torneio de Boxe dentro dos Jogos Olímpicos), anunciou um prêmio de US$ 100 mil para os medalhistas de ouro.
Segundo o IBA, um quarto do prêmio deverá ser entregue à federação de origem do boxeador e outro quarto ao treinador.
Em ambas as modalidades, os medalhistas de prata e bronze também receberão uma quantia em dinheiro, mas bem menor.
No boxe, até o quinto colocado receberá algum dinheiro.
A verdade é que o prêmio não vem das autoridades do Comitê Olímpico Internacional, mas sim das federações internacionais de ambas as categorias.
Para pagar estes prêmios, a World Athletics está utilizando parte do dinheiro que recebe do COI como parte dos lucros econômicos dos Jogos Olímpicos.
Anteriormente, este montante era gasto em programas mais amplos de desenvolvimento de atletas, por isso algumas pessoas questionaram se a introdução de prêmios em dinheiro seria a melhor opção.
"O fato de o dinheiro ir para os vencedores talvez reforce a ideia de que os atletas mais conhecidos são os que recebem", diz Tom Bason, especialista em grandes eventos desportivos da Universidade de Coventry, no Reino Unido.
"Provavelmente aqueles que estão ganhando medalhas de ouro no atletismo já são aqueles que têm grandes acordos de patrocínio", acrescenta.
Para Bason, isso levou a críticas de que o dinheiro poderia ser melhor utilizado para desenvolver atletas, dando recursos a desportistas mais jovens, em vez de aqueles que estão no auge da carreira.
Mas mesmo os campeões olímpicos podem se beneficiar de algum dinheiro adicional.
Em 2017 tornou-se público que Olga Korbut, uma das lendas russas da ginástica artística que conquistou quatro medalhas de ouro na carreira, teve que vender três delas por US$ 333 mil.
Se a fonte de recursos para os campeões do atletismo é o COI, a fonte dos prêmios em dinheiro no boxe é menos clara.
O Comitê Olímpico Internacional cancelou a certificação da IBA devido à "falta de clareza financeira" nas suas operações.
"Como sempre acontece com o IBA, não está claro de onde vem o dinheiro", afirmou o COI em comunicado.
"Essa premiação pode ser uma estratégia para a IBA permanecer nos Jogos Olímpicos e ser relevante internacionalmente", diz Bason.
Orgulho nacional
Em Paris 2024, muitos países reconhecem seus medalhistas com dinheiro.
Na América Latina, países como Brasil, México e Colômbia recompensam financeiramente os medalhistas olímpicos.
O México, por exemplo, dá uma quantia próxima de US$ 154 mil aos vencedores da medalha de ouro, US$ 103 mil aos medalhistas de prata e US$ 52 mil aos ganhadores do bronze.
Na Colômbia os números são um pouco menores: o medalhista de ouro recebe US$ 82 mil e o medalhista de prata (como o ginasta Ángel Barajas) recebe US$ 42 mil.
A brasileira Rebeca Andrade, após seu prodigioso desempenho na ginástica artística onde conquistou o ouro na prova de solo, receberá quase US$ 65 mil do governo brasileiro.
Em termos globais, estima-se que Singapura será a nação que dará mais dinheiro aos seus medalhistas de ouro.
Um campeão olímpico deste país receberá cerca de US$ 750 mil.
Para os franceses, o prêmio é de US$ 80 mil por cada medalha de ouro.
Os marroquinos esperam ganhar US$ 200 mil.
Nos EUA, os medalhistas de ouro recebem cerca de US$ 37 mil.
E há outros países, como o Reino Unido, que não oferecem prêmios em dinheiro.
Em vez disso, a equipe britânica programa um financiamento antes dos Jogos e os competidores com grandes chances de ganhar o ouro podem receber até quase US$ 36 mil por ano.
Embora esses números não sejam nada desprezíveis, eles não chegam nem perto do dinheiro que os atletas mais famosos podem ganhar.
"Em Paris 2024 há uma verdadeira mistura de atletas que recebem salários significativos — como a equipa de basquete dos EUA —, com atletas que têm empregos de meio período para se financiarem", diz Bason.
Estrelas
O golfista espanhol Jon Rahm é o atleta mais bem pago em Paris 2024, de acordo com a lista anual de atletas ricos publicada pela Forbes.
A revista estima que ele ganhou US$ 218 milhões no ano passado, com a maior parte desse dinheiro vindo do polêmico LIV Golf Tour, financiado pela Arábia Saudita.
Não é de surpreender que o segundo mais bem pago seja um dos craques do basquete dos Estados Unidos: Lebron James.
Acredita-se que ele tenha ganhado US$ 128 milhões no ano passado.
Com as enormes somas envolvidas em esportes como golfe e basquete, competir nos Jogos Olímpicos provavelmente teve pouco impacto no rendimento de Rahm e James.
Mas para atletas de perfil mais modesto, ganhar uma medalha pode ajudá-los a obter um impulso muito necessário nas suas carteiras.
Os atletas muitas vezes incluem uma cláusula em seus contratos de patrocínio que diz que receberão um bônus dos patrocinadores se chegarem ao pódio.
Essas cláusulas são geralmente confidenciais, mas durante uma disputa legal entre a Nike e a New Balance em 2016, foi revelado que o corredor americano Boris Berian receberia US$ 150 mil se ganhasse o ouro nas Olimpíadas.
"Acho que muitas pessoas veem atletas, os melhores atletas dos EUA ou jogadores de futebol jogando em times europeus, e pensam que ganhar US$ 100 mil ou US$ 200 mil por semana é o que acontece com todos, quando na realidade não é", diz Bason.
"Há muitos atletas que lutam para seguir em frente. Há alguns anos, uma pesquisa foi feita na Austrália e basicamente revelou que 40% dos atletas que atualmente treinam para a Olimpíada de 2032 têm um emprego de meio período ou período integral."
Mesmo nos Estados Unidos, onde vivem muitas das estrelas do esporte mais ricas do mundo, é um enorme esforço para muitos concorrentes.
Um estudo recente do Comitê Olímpico e Paraolímpico daquele país descobriu que 26,5% dos seus atuais atletas ganham menos de US$ 15 mil por ano.
Mudança futura
O acirrado debate sobre se dar quantias em dinheiro a atletas de topo é o melhor uso dos recursos das federações desportivas continuará, e é provável que possa expandir-se para além do atletismo e do boxe.
"Certamente haverá pressão sobre as federações para que paguem prêmios em dinheiro", diz Bason.
No entanto, isto pode causar problemas aos esportes que recebem menos exposição mediática e, portanto, menos dinheiro.
"O atletismo internacional e o boxe são dois dos esportes de maior destaque no mundo", explica Bason.
E destaca que são dois dos esportes que terão mais facilidade de acesso a financiamento adicional por meio de patrocínios.
"Outros esportes, como a canoagem, por exemplo, se tiverem pressão para pagar aos seus atletas, podem não conseguir fazê-lo tão facilmente", alerta o especialista.
Os campeões olímpicos de Paris 2024 podem pelo menos consolar-se com o fato de terem garantida uma medalha de ouro se saírem vitoriosos nos jogos deste ano.
E qual é o valor disso?
A medalha do vencedor deste ano contém 505 gramas de prata e seis gramas de ouro — as medalhas de ouro não são de ouro maciço desde 1912 —, portanto seu valor bruto é de US$ 950 (cerca de R$ 5,3 mil).
Mas os campeões olímpicos de Paris esperam que o valor das memórias de suas vitórias seja incalculável.
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