Eleição na Venezuela

Venezuelanos vão às urnas em meio ao medo e à emoção

Eleitores enfrentam até 10 horas na fila e o temor de perseguição por parte do regime de Nicolás Maduro para votarem pela mudança, em diferentes partes do país. No exterior, venezuelanos realizam concentrações e defendem liberdade

A psicóloga venezuelana Evamar Rodríguez, 24 anos, não se incomodou com as 10 horas à espera da oportunidade de votar pelo futuro da Venezuela. Outros sentimentos falaram mais alto. "Eu fiquei emocionada por votar. A vida inteira estive sob esse governo. Estou emocionada por cumprir o meu dever cívico", afirmou ao Correio a moradora de Guacara, no estado de Carabobo. "Cheguei à fila às 6h30, mas as pessoas começaram a votar somente às 8h, quando a ordem era começar a votar às 6h", denunciou. Tudo o que Evamar espera é "viver com dignidade". "Eles nos despojaram de nossa essência humana e civil. Acostumaram o povo a viver com migalhas", protestou.

Gerardo Pérez, 26 anos, estudante de ciências políticas, enfrentou seis horas na fila para votar, em um colégio da cidade de Maracaibo. Ao ser questionado pelo Correio se tal sacrifício valeria a pena, ele respondeu: "O homem tem que morrer por uma causa, e uma delas é a liberdade de nosso país".

Arquivo pessoal - Evamar Rodríguez, 24, psicóloga: 10 horas na fila da seção eleitoral

Ele não foi à urna sem sentir medo. "O temor sempre existe. Os corpos de segurança do governo têm a capacidade de nos rastrear e de nos prender. Por aqui, não há liberdades", desabafou. Tanto que Pérez não quis enviar uma fotografia à reportagem. "Nós votamos pelos caídos, por nossos familiares, por aqueles que não puderam votar por estarem em outro país. Votamos por aqueles que tiveram de ir embora, forçados. Pelos falecidos nos protestos, pelo meu futuro e pelo de muitos", acrescentou o eleitor do opositor Edmundo González Urrutia.

Pérez disse estar só na Venezuela. Toda a família fugiu do país. "Todos nós desejamos uma mudança neste país. Isso é urgente", disse. "Os venezuelanos falaram, hoje. Desde sábado (27/7), as pessoas começaram a formar filas nos centros de votação e a fazer respeitar o voto. Eu saí para votar às 6h (7h em Brasília). Havia uma fila de 150 pessoas e era possível ver a esperança, o desejo de mudança. Consegui sair da seção eleitoral às 12h16, apesar de ter gasto apenas 95 minutos para exercer o meu direito ao voto", relatou.

No bairro de Los Dos Caminos, em Sucre, na Grande Caracas, o advogado e professor universitário Simón Gómez, 41, estava otimista, apesar de consciente sobre as dificuldades pelas quais a Venezuela deverá passar. "Não será fácil o caminho para o reconhecimento da vitória de Edmundo González, muito menos para a transição de poder. O processo exigirá negociações árduas e complexas. Espero entendimento, reconciliação e democracia para o meu país", explicou à reportagem.

Arquivo pessoal - Simón Gómez, 41 anos, advogado e professor: voto pela renovação

Gómez avalia que a eleição de ontem teve uma "importância transcendental". "Apesar de ter sido um processo inserido em um marco autoritário e com uma ampla 'vantagem' para o candidato governista, vimos uma mobilização massiva de eleitores que acudiram às urnas porque desejavam uma solução pacífica para o conflito político na Venezuela", avaliou. Ele aposta que a votação terá um papel primordial para o futuro da nação, independentemente de quem vencesse. "O que reclamamos é o retorno à senda institucional e democrática."

Protestos

Venezuelanos refugiados em diversos países também protestaram por democracia. Em Brasília, centenas deles se reuniram diante da Torre de TV, em ato contra Maduro. Uma das organizadoras da manifestação na capital, Katiusca Alcala Nunez, 45, veio para o Brasil em 2014 para fugir da pobreza. Com medo de a situação financeira piorar, largou tudo na Venezuela e decidiu recomeçar a vida no Brasil.

Evaristo Sá/AFP - Concentração de venezuelanos na Torre de TV, em Brasília

Como não conseguiu votar, ela e amigos decidiram se concentrar no centro de Brasília, em apoio aos "irmãos venezuelanos", enquanto votavam. "Estamos muito felizes e esperançosos de que esse governo vai sair e que teremos uma nova gestão."

Ante o alto índice de pobreza na Venezuela, Katiusca acredita que, mesmo com um possível novo governo, Edmundo González levará um certo tempo para reerguer a Venezuela. "Durante esses 25 anos, estivemos sob o chavismo. É como se fosse uma doença que demorou muito para ser tratada. Então, vai demorar, mas, quando essa ferida for tratada e curada, estaremos prontos para voltar e reconstruir nossa Venezuela", contou, emocionada. Em São Paulo, dezenas de venezuelanos se reuniram na Avenida Paulista e exibiram cartazes formando as palavras "Venezuela livre".

Refugiados da Venezuela em Lima (Peru), Medellín (Colômbia) e em Orlando (Estados Unidos) também aproveitaram o dia das eleições para protestar contra o regime de Maduro.

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