Venezuela

Amorim tenta equilibrar o Brasil na instabilidade da Venezuela

Enviado do presidente Lula a Caracas procura dar estabilidade ao processo eleitoral venezuelano, em meio ao clima beligerante incitado por Nicolás Maduro. Relação bilateral amistosa estremeceu depois de chavista falar em guerra civil

Em Caracas desde sexta-feira (26/7), o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, é o representante brasileiro no turbilhão eleitoral venezuelano. Enviado ao país vizinho a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Amorim vai testemunhar se o país vizinho consegue dar um sinal democrático para o mundo.

Nos últimos dias, Amorim se reuniu com representantes do governo e da oposição. Ao Correio, relatou que os encontros foram "cordiais e informativos". Questionado sobre o clima na Venezuela na véspera da eleição, disse: "Até aqui, tranquilo".

Neste sábado, o embaixador brasileiro conversou com membros do centro Carter, organização norte-americana sem fins lucrativos que promove a democracia, e o Painel da ONU, convidados a observar o pleito. Também se encontrou com o coordenador do diálogo com o governo Maduro por parte da plataforma da oposição, Gerardo Blyde, e com o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, além de políticos estrangeiros influentes. Estão no país o ex-líder espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e os ex-presidentes Ernesto Samper (Colômbia) e Leonel Fernández (República Dominicana), além de Marco Enríquez-Ominami, que concorreu à presidência no Chile.

Amorim não tinha agenda com nenhum dos candidatos. O encontro com integrantes do governo Maduro foi descrito, por ambas as partes, como "cordial". Em meio ao clima beligerante que Nicolás Maduro tem incitado contra adversários e países vizinhos — inclusive o Brasil —, Amorim se tornou uma das figuras centrais na observação das eleições venezuelanas. A presença do assessor tem por objetivo mostrar que o governo brasileiro preza pela democracia e que não aceitará violações ao pleito eleitoral venezuelano.

A presença do embaixador se torna particularmente importante, porque, nos últimos dias, o histórico de amizade de longa data entre o ditador e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu lugar a atritos. O petista adotou uma posição mais dura contra o aliado, mas o venezuelano não se fez de rogado e, por meio de críticas e ironias, tem rebatido os recados provenientes do Brasil.

Lula nunca escondeu a simpatia por Maduro. Mas foi obrigado a rever sua tolerância com a proximidade das eleições e o tensionamento político na Venezuela. O ponto de inflexão mais recente ocorreu no último dia 17. Em comício, Maduro declarou que haveria um "banho de sangue" e uma "guerra civil" caso perdesse nas urnas.

Marcelo Camargo/Agência Brasil - Lula recebeu Maduro em maio de 2023: em 2024, brasileiro se diz "assustado" com declarações do venezuelano

Lula reagiu. "Eu fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que, se ele perder as eleições, vai ter um banho de sangue. Quem perde as eleições toma um banho de voto. O Maduro tem que aprender, quando você ganha, você fica; quando você perde, você vai embora", disse.

Em resposta à apreensão do aliado brasileiro, Maduro fez uso da ironia. Recomendou "um chá de camomila" a quem está preocupado com a democracia venezuelana. "Eu não disse mentiras. Apenas fiz uma reflexão. Quem se assustou, que tome um chá de camomila", declarou. "Na Venezuela vai triunfar a paz, o poder popular, a união cívico-militar-policial perfeita".

Economia e ideologia

Especialistas em relações internacionais ouvidos pelo Correio apontam que as eleições deste domingo preocupam não somente o Brasil, mas também os demais países da região. Uma "guerra civil", como ameaçou Nicolás Maduro em caso de derrota, geraria um novo fluxo de imigrantes. Apesar da boa convivência de Luiz Inácio Lula da Silva com o chavismo, pressões internas e a escalada das tensões por Maduro o obrigaram a tomar uma posição mais dura contra o aliado na véspera da decisão nas urnas.

O professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Eduardo Vidigal, doutor em relações internacionais, aponta que a aproximação com a Venezuela data dos anos 1990, ainda no governo de Itamar Franco. Em 2022, Fernando Henrique Cardoso defendeu a institucionalidade no país quando houve uma tentativa de golpe contra o então presidente Hugo Chávez. A aproximação levou à entrada de diversas empresas brasileiras em território venezuelano. Porém, com a crise internacional de 2008 e a queda do preço do petróleo, a Venezuela passou a ser devedora das empresas e do governo brasileiro.

"O apoio (do Brasil) tem esse fundo econômico, que é importante considerar. Agora, o PT tem também a aproximação ideológica com o chavismo. Mas eu vejo que o Lula está mais próximo da política norte-americana para a América do Sul do que os dois primeiros mandatos. Vejo também um Mercosul muito enfraquecido. Aquela ideia do Lula nos primeiros anos de fortalecer a integração regional não funciona mais. E, além disso, há uma perda do apoio interno", observa Vidigal.

O professor considera natural a resposta dura de Lula contra Maduro após o venezuelano sinalizar uma guerra civil em caso de derrota. O analista classificou como "um escárnio com a democracia". "Caso vença - cenário possível considerando o histórico de fraudes em pleitos passados -, Maduro poderá usar o resultado para se fortalecer no cenário internacional. Caso perca, teremos um momento de negociação entre o chavismo e a oposição, para o governo tentar uma saída honrosa. Ou seja, não ser preso e condenado", projeta.

O analista de política internacional da consultoria BMJ Vito Villar considera que o momento da virada entre Brasil e Venezuela ocorreu em março, com o impedimento da candidatura de Corina Yoris, adversária de Maduro. O episódio motivou uma nota dura do Itamaraty. "Foi um sinal claro de que a aliança incondicional do Lula com o Maduro não era tão incondicional assim. Ali o Brasil mostrou até onde a corda estica", comenta.

A fala do "banho de sangue" do presidente venezuelano provocou nova reação contundente de Lula, com respaldo de outros líderes sul-americanos às palavras do petista. Para Vito Villar, o posicionamento de Lula tem efeitos inclusive no Brasil. Na avaliação do especialista, o cálculo do chefe do Planalto leva em conta que é importante deixar claro para eleitores — e para a oposição bolsonarista — que o governo brasileiro não tolera arroubos antidemocráticos.

André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria, ressalta que o mal-estar crescente com o país vizinho coloca Lula em uma "saia justa" pessoal e política. "Maduro passou dos limites da diplomacia, que sempre permeou as relações entre os dois países. Ele assumiu o discurso da direita bolsonarista e colocou o governo brasileiro em uma saia justa", analisa.

Apesar dos esforços de Celso Amorim em Caracas, o analista prevê muito desgaste nos próximos meses. "O definitivo isolamento regional parece cada vez mais claro para Maduro. Lula está em situação no mínimo desconfortável. Planalto e Itamaraty erraram em suas avaliações e agora precisarão trabalhar para conter os prejuízos", conclui.

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