Tecnologia

As pessoas que não abrem mão dos disquetes

O último disquete foi feito há mais de uma década e não tem memória suficiente para armazenar uma foto produzida por um  smartphone moderno , então por que algumas pessoas ainda insistem em usá-los?

O último disquete foi feito há mais de uma década e não tem memória suficiente para armazenar uma foto produzida por um smartphone moderno, então por que algumas pessoas ainda adoram usá-los?

Quando uma ideia para uma nova peça musical começa a girar na mente de Espen Kraft, ele recorre a uma de suas muitas caixas de disquetes.

Abrindo a tampa, o músico e YouTuber da Noruega olha para as fileiras de quadrados de plástico coloridos dentro dela.

"Som baixo de Moog" diz um rótulo. Exatamente o que Kraft estava procurando. Ele pega o disco e o coloca no sintetizador.

À medida que a máquina o recebe, há ruídos desajeitados, mas tranquilizadores. Esta parte, diz Kraft, é onde a mágica acontece.

O sample está quase pronto para tocar, mas não exatamente — é a expectativa ao carregar que desperta uma certa nostalgia, o que Kraft chama de "um lugar agradável, quente e aconchegante". A ideia está fluindo agora. Ele pressiona uma tecla. Seus ouvidos se enchem de som.

Se você se lembra de uma época em que usar disquetes não parecia estranho, provavelmente você tem pelo menos 30 anos. Os disquetes surgiram por volta de 1970 e, por cerca de três décadas, foram a principal forma de muitas pessoas armazenarem e fazerem backup de seus dados de computador.

Todos os softwares e programas que se comprava eram instalados a partir desses discos. Eles são uma tecnologia de uma era diferente, mas por vários motivos os disquetes têm um apelo duradouro para alguns.

Os disquetes originais eram de 20 cm e 13 cm e você podia dobrá-los levemente sem danificar o material magnético interno.

Mas os discos posteriores de 8,75 cm foram indiscutivelmente os mais bem-sucedidos.

Foram eles que ficaram imortalizados como o ícone "salvar" em muitos aplicativos de computador até hoje. Os disquetes usados por Espen Kraft são pequenos e rígidos, mas isso significa que são mais robustos e mais fáceis de armazenar.

Com o alvorecer do século 21, no entanto, para a maioria dos usuários de computador, os disquetes estavam em extinção – cada vez mais suplantados por CDs graváveis ??e pen drives. E agora, o armazenamento em nuvem é onipresente.

O tipo de disquete mais utilizado, com capacidade máxima inferior a três megabytes, dificilmente consegue competir. A menos que você seja apaixonado por eles.

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O último disquete foi fabricado em 2011

Questão de segurança

Há também aqueles que dependem deles. Vários sistemas industriais e governamentais em todo o mundo ainda usam disquetes.

Até mesmo alguns sistemas de transporte urbano funcionam com eles, apesar do fato de que o último disquete novo fabricado pela Sony foi em 2011.

Ninguém mais os fabrica, o que significa que há um número finito de disquetes no mercado - um recurso disperso que está gradualmente diminuindo.

"Sempre fui muito meticuloso ao armazenar meus disquetes em um ambiente seco e não muito úmido", diz Kraft, que tem cerca de 50 anos.

Se os seus disquetes forem corrompidos, ainda será possível substituí-los, desde que você tenha feito backup dos seus dados. Tom Persky, um empresário americano, há anos vende disquetes "novos" e ainda acha o comércio lucrativo.

Ele administra o Floppydisk.com, que oferece disquetes por cerca de US$ 1 (R$ 5,40) cada, embora algumas versões de maior capacidade custem até US$ 10.

Persky tem clientes em todo o mundo - cerca de metade são entusiastas como Espen Kraft e a outra metade são usuários industriais.

Esta última categoria abrange pessoas que usam no trabalho computadores que necessitam de disquetes para funcionar.

“Ainda vendo milhares de disquetes para o setor aéreo”, diz Persky. Ele se recusa a dar mais detalhes. "As empresas não ficam felizes quando falo sobre elas."

Mas é bem sabido que alguns Boeing 747, por exemplo, utilizam disquetes para carregar atualizações críticas de software nos seus computadores de navegação.

Existem também equipamentos de fábrica, sistemas governamentais – ou mesmo figuras animatrônicas – que ainda dependem de disquetes.

E em São Francisco, o metro inaugurado em 1980 não funciona a menos que o pessoal responsável pegue um disquete e coloque-o no computador que controla o Sistema Automático de Controlo de Trens da ferrovia, ou ATCS.

"É preciso dizer ao computador o que ele deve fazer todos os dias", explica um porta-voz da Agência Municipal de Transporte de São Francisco (SFMTA). "Sem um disco rígido, não há lugar para instalar software de forma permanente."

Este computador tem de ser reiniciado desta forma repetidamente, acrescenta ele – não pode simplesmente ser deixado ligado, por medo da degradação da memória.

Em alguns setores, o uso de disquetes está sendo eliminado. Em 2022, um político japonês “declarou guerra” ao uso contínuo de meios de comunicação mais antigos. Posteriormente, no início deste ano, o Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão anunciou que o governo deixaria de exigir que as empresas apresentassem formulários e candidaturas oficiais em disquete. O governo japonês finalmente declarou "vitória" ao eliminar as regras em julho de 2024.

Os militares dos EUA ainda usavam disquetes 20 cm para o seu sistema de controle de armas nucleares até recentemente, em 2019. Mas os militares finalmente mudaram para uma "solução de armazenamento digital de estado sólido altamente segura".

Meio físico

Existem outras razões pelas quais algumas organizações têm relutado em deixar de usar disquetes. Embora possa haver riscos de segurança quando se trata de confiar em sistemas informáticos antigos no século 21, porque os sistemas antiquados são, em princípio, mais fáceis de hackear, a natureza física dos disquetes também oferece alguma proteção.

“Se o disquete fosse a única interface, a única maneira de colocar malware no [computador] seria através do disquete”, diz Ken Munro, especialista em segurança cibernética da Pen Test Partners. “Esse é um fator bastante limitante para o invasor”, diz ele.

Ainda assim, o SFMTA está agora, depois de quatro décadas, fazendo contratos para uma atualização dos seus sistemas, o que fará com que os disquetes sejam finalmente aposentados. Os novos computadores usarão conexões wi-fi e celulares para transmitir atualizações sem fio pela rede digital da ferrovia.

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As forças armadas dos EUA pararam de usar disquetes há pouquíssimo tempo

Firme e forte

Já Kraft não pretende abandonar os disquetes tão cedo. E toma alguns cuidados com sua coleção envelhecida.

Algumas das amostras de áudio que armazena em sua coleção gigante de disquetes são insubstituíveis. Ao longo de muitos anos, ele reuniu sons de inúmeras fontes exóticas, como o sintetizador do qual coletou amostras em Londres em 1992. Se dados como esse fossem apagados, ele sabe que nunca mais encontraria a fonte original. Assim, além dos milhares de disquetes que ele guarda em caixas em sua casa na Noruega, Kraft também tem backups.

Há cópias de seus arquivos de áudio mais preciosos na nuvem e, só para garantir, um HD externo com os mesmos dados.

Mas esses backups são apenas apólices de seguro.

São os próprios disquetes que realmente importam para a Kraft. Seu amor pelo formato é o que o diferencia, e a outros como ele, dos outros usuários que ainda não atualizaram para alguma tecnologia mais recente.

Kraft adora disquetes porque eles o ajudam criativamente, diz ele. Ele não quer fazer música que simplesmente imite os estilos dos anos 1980 – em vez disso, ele quer que soe como se realmente tivesse vindo daquela década.

É quando Kraft usa equipamentos antiquados que ele faz sua melhor música, diz ele. Sentindo a robustez de um disco precioso ser encaixado em uma unidade antiga e empoeirada. Na sua opinião, equipamentos mais modernos não chegam nem perto. Ele até faz shows ao vivo com disquetes e os utiliza em apresentações musicais na televisão norueguesa.

Até hoje, Kraft grava novos sons e samples diretamente nesse formato físico, incluindo grilos cantando na floresta perto de sua casa à noite.

O ecletismo das gravações nos disquetes da Kraft não surpreenderia Adrian Demleitner, da Universidade de Artes de Berna, na Suíça. Ele e seus colegas estão reunindo um arquivo de disquetes com videogames e dados relacionados a videogames para um projeto de pesquisa sobre as primeiras subculturas digitais.

Demleitner espreita nos mercados online e faz contato com pessoas que têm sistemas de computador antigos à venda porque, muitas vezes, esses sistemas vêm com uma caixa de disquetes.

Normalmente, ele e o vendedor marcam um encontro público para a entrega. “Às vezes você recebe olhares estranhos [do público]”, diz Demleitner, relembrando uma conversa recente em um café local.

Mas os discos que ele compra são um tesouro. Ele encontrou jogos antigos e também salvou dados registrando o progresso que as pessoas fizeram em vários jogos que jogaram décadas atrás. Depois, há todas as outras coisas não relacionadas a jogos: música eletrônica, planilhas – até mesmo uma lista de todos os filmes que alguém tinha em sua coleção doméstica.

“Meu sonho absoluto seria encontrar videogames inéditos”, diz Demleitner. Ele diz que construir o arquivo é uma “tremenda responsabilidade”. Mas também é agradável. Ele adora usar disquetes, pesquisando manualmente em pilhas deles em um turbilhão de descobertas e depois carregando tudo o que encontrou em alguma peça de hardware arcaica.

Na Inglaterra, o gerente de TI Karl Dyson também tem fascínio por videogames que vêm em disquetes. Especificamente, aqueles do Amiga 500, um dos primeiros computadores domésticos do final dos anos 1980.

Dyson administra o site Retro32.com, um site e loja para fãs de mídia antiga.

Ele vende uma ampla variedade de kits de jogos retrô – até mesmo etiquetas de disquetes recém-impressas. Em sua própria coleção há cerca de 1.000 disquetes, diz ele, explicando que também oferece um serviço onde copia jogos para pessoas que descobrem que seu disquete foi corrompido. Dois de seus títulos favoritos são Sensible Soccer e Cannon Fodder.

“Carregar jogos antigos de um pendrive não dá aquele toque, aquela sensação que tínhamos quando crianças”, diz Dyson.

Dyson diz que ele e muitos de seus amigos se reconectaram com esta tecnologia durante a quarentena de dovid-19 e agora a comunidade do Amiga 500 está “prosperando”.

Ele ressalta que ainda há pessoas fazendo novos jogos e lançando-os em disquetes, ou gravando jogos populares em disquetes para executá-los em hardware mais antigo. Cecconoid, um jogo de exploração de ficção científica em 2D, é um exemplo recente, explica ele.

Há também o fato de que, para muitas pessoas, os disquetes simplesmente funcionam. Maya Sapiurka, neurocientista e escritora em Washington DC, lembra-se de ter usado disquetes num laboratório universitário enquanto fazia o seu doutorado, ainda em 2016. “Eu falava sobre isto o tempo todo com os meus amigos”, confessa ela. "Era absolutamente hilário."

E, no entanto, não houve nenhum problema real na utilização dos discos – neste caso, para registar dados de um sistema de sensores que monitorizava os movimentos dos ratos num recinto.

O doutorado de Sapiurka foi sobre as partes do cérebro envolvidas na memória de longo prazo, incluindo a memória espacial. Ocasionalmente, ela tinha que reformatar os disquetes para que funcionassem conforme planejado, mas, no geral, ela achava o sistema confiável. “Eles fizeram o que precisávamos que fizessem”, diz ela. “Acho que essa é a natureza de como a academia é.”

Por que gastar dinheiro na atualização de tecnologia que funciona?

Christian Donohoe, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Copenhague, concorda. Ele ainda usa disquetes para alguns de seus trabalhos de laboratório hoje. “É um sistema muito eficiente, tudo funciona muito bem”, diz ele.

Nesse caso, ele usa disquetes para armazenar dados de um instrumento que mede os comprimentos de onda precisos da luz refletida em amostras de material. Isso o ajuda a estudar as ligações químicas dentro desse material.

Donohoe ressalta outro ponto: se você quiser replicar os resultados de um artigo com 20 ou 30 anos, sua melhor aposta é usar exatamente os mesmos equipamentos e métodos que os autores usaram quando fizeram o experimento em questão. Computadores dependentes de disquetes, entre outras coisas, podem ajudá-lo a recriar as condições de um estudo de 40 anos com a maior fidelidade possível.

Com o tempo, porém, há poucas dúvidas de que ficará cada vez mais difícil continuar usando disquetes, seja para trabalho ou lazer. Como ninguém mais os fabrica, os sistemas de computador que leem disquetes ficarão cada vez mais difíceis de manter.

Kirsten Swanson, da Bordados.com, diz que muitas máquinas de bordar possuem unidades de disquete integradas que permitem inserir um disco, após o qual a máquina costurará seu desenho em um pedaço de tecido. Quando adolescente, ela trabalhou em uma loja de bordados local e se lembra de usar discos com desenhos para logotipos de empresas ou palavras artísticas sofisticadas.

No entanto, Swanson não usa essa máquina há alguns anos. E ela se lembra da consternação que sentiu quando o marido substituiu o computador doméstico por um modelo que não incluía mais unidade de disquete.

“O que sinto falta nos disquetes”, diz Swanson, “é que eles são relativamente pequenos, mas grandes o suficiente para ter uma imagem do design ou das palavras que estão neles”.

Costumava ser tão fácil folhear sua biblioteca de imagens e selecionar a que ela queria. O armazenamento digital é, por outro lado, “invisível” a olho nu, diz Swanson. Às vezes, as bordadeiras têm dificuldade em organizar seus desenhos e lembrar o que possuem se os mantiverem apenas em um laptop ou pendrive. Como tal, alguns que ainda têm acesso a sistemas baseados em disquetes continuam a usá-los até hoje.

Considerando tudo isso, não é tão surpreendente que os disquetes tenham permanecido por tanto tempo na vida de algumas pessoas. O formato, o próprio meio, possui atributos únicos que o diferenciam.

“Os disquetes em si são apenas ferramentas – mas as ferramentas podem ser importantes”, diz Kraft, refletindo mais uma vez sobre sua própria coleção. "Aqueles segundos de espera. Os zumbidos, os cliques, a inicialização – isso me traz nostalgia"

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