A Segunda Guerra Mundial tinha terminado quatro anos atrás, e a Europa, devastada, começava o processo de reconstrução. Foi nesse contexto que, em 4 de abril de 1949, se deu a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Washington, com o objetivo de garantir a segurança e a liberdade de seus integrantes, por meios políticos e militares. Os 32 países-membros da Otan celebram o 75º aniversário da aliança, também na capital dos EUA, com uma cúpula marcada pela ameaça da Rússia de expandir a invasão da Ucrânia a outras nações. Há 866 dias, as forças do presidente russo, Vladimir Putin, têm bombardeado e realizado incursões terrestres na ex-república soviética.
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As atenções da cúpula da Otan se voltam para os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Enquanto o anfitrião tenta convencer os democratas de que tem condições de lutar por um segundo mandato na Casa Branca, o líder ucraniano se esforça para obter apoio militar da Otan contra a agressão da Rússia. Os dois se reunirão, na tarde desta quinta-feira (11/7), quando o norte-americano pretende reforçar o "apoio inabalável à Ucrânia".
Em seu discurso de abertura, no início da noite de ontem, Biden anunciou uma "histórica doação" à Ucrânia, feita pelos EUA, Romênia, Holanda e Itália, de cinco sistemas adicionais de defesa antiaérea. Outros países-membros prometeram sistemas semelhantes, inclusive quatro baterias Patriot. "Ao todo, a Ucrânia receberá centenas de interceptadores adicionais", disse, antes de citar nominalmente Putin. "Antes desta guerra, Putin pensava que a Otan iria se romper. Hoje, a Otan está mais forte do que nunca. (...) "Não se enganem: a Rússia está fracassando nessa guerra. A Rússia não prevalecerá, a Ucrânia prevalecerá." Para Biden, o momento atual da história "pede uma força coletiva". "Este é um momento fundamental para a Europa e para a comunidade atlântica de nações", declarou, antes de agraciar o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, com a Medalha da Liberdade.
Uma fonte diplomática afirmou à agência de notícias France-Presse que Zelensky poderá escutar da Otan o compromisso de que o processo de adesão à aliança é um processo "irreversível". Por sua vez, a agência russa TASS, ao citar o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, divulgou que a Otan nomeará um representante especial para fortalecer os laços de Kiev com a aliança.
Para Daniel Hamilton, especialista da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Johns Hopkins e ex-vice-secretário adjunto dos EUA para a Europa, a maior ameaça direta à segurança do Atlântico Norte está representada pela ofensiva russa na Ucrânia. "A invasão russa é apenas a terceira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, em que um país ataca outro com a intenção de conquista territorial. As outras duas ocasiões foram a Guerra das Coreias e a primeira Guerra do Golfo. Em ambos os casos, as Nações Unidas intervieram", explicou ao Correio, por e-mail. "Dessa vez, a ONU está dividida, em países com o Brasil estão em cima do muro. Isso significa, essencialmente, que o Brasil ficou do lado da Rússia, o agressor, contra a Ucrânia, a vítima. Atitudes assim danificam a credibilidade do país e enfraquecem a ONU."
Adesão
Hamilton espera que, durante a cúpula, a Otan ofereça à Ucrânia "uma ponte para a adesão à Otan" e trabalhe para garantir que Kiev esteja pronta a se tornar membro da aliança. Segundo ele, as portas da organização sempre estiveram abertas a países europeus capazes de agregar valor à segurança do Atlântico Norte. O especialista lembra que Finlândia e Suécia abandonaram a neutralidade para se unirem à Otan em 2023 e 2024. "Essa estratégia se explica pelo fato de eles temerem uma agressão russa, que incluiu violações do espaço aéreo e marítimo, além de simulações de bombardeios nucleares contra suas cidades", comentou.
Ainda de acordo com Hamilton, a invasão à Ucrânia, iniciada em 2014, foi uma resposta ao acordo comercial que Kiev pretendia assinar com a União Europeia, sem envolvimento da Otan. "O ataque em larga escala de 2022 foi motivado pelo objetivo do presidente Vladimir Putin de conquistar terras; a aliança militar ocidental não se envolveu e nada fez para provocar a Rússia. O risco de um conflito generalizado somente viria se a Rússia escolhesse expandir sua agressão, a fim de atacar um ou mais países da Otan."
Federiga Bindi, cientista política da Universidade de Roma Tor Vergata e da Universidade Johns Hopkins, disse ao Correio que houve um "acordo de cavalheiros", segundo o qual a Otan não se expandiria mais para o Leste da Europa, após o primeiro alargamento ao centro do continente. "Mas, ela continuou a se expandir, até se tornar algo insuportável para a Rússia. Embora isso não justifique uma agressão contra a Ucrânia, coloca-a numa perspectiva histórica. Afinal de contas, os EUA têm historicamente ajudado as ditaduras de direita na América Latina para garantir que não haveria governos de esquerda no que consideravam o seu quintal."
EU ACHO...
"A Otan deve apoiar a Ucrânia e fazer mais para defender suas próprias fronteiras sem escorregar para uma guera direta com a Rússia. A aliança ocidental está fortalecendo sua assistência à Ucrânia, e assumiu um papel de liderança nessa ajuda e no treinamento militar de uma coalizão informal de países liderada pelos Estados Unidos."
Daniel Hamilton, especialista da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Johns Hopkins e ex-vice-secretário adjunto dos EUA para a Europa
"A Otan nasceu como uma aliança defensiva, no início da Guerra Fria. Ela tem sido cada vez mais usada como uma ferramenta para garantir os interesses dos EUA no mundo. Direta ou indiretamente, a Otan esteve envolvida em todas as guerras fracassadas dos últimos 20 anos. Dessa vez, é uma ferramenta em um confronto com a Rússia, que se torna cada vez mais direto e, portanto, mais perigoso. Se prosseguir como uma aliança ofensiva, as consequências serão terríveis para todos."
Federiga Bindi, professora de ciência política da Universidade de Rome Tor Vergata e da Universidade Johns Hopkins
Roman Pilipey/AFP - Médicos e funcionários diante do prédio do Hospital Infantil Okhmatdyt, bombardeado em Kiev
Duras críticas a Moscou no Conselho de Segurança
A Rússia foi alvo de duras críticas durante reunião de emergência do Conselho de Segurança sobre seu ataque em larga escala contra a Ucrânia na segunda-feira que atingiu hospitais, o que foi classificado como "crime de guerra" por uma alta funcionária da ONU. "Direcionar intencionalmente ataques contra um hospital protegido é um crime de guerra e os perpetradores devem ser responsabilizados", afirmou Joyce Msuya, subsecretária interina das Nações Unidas para Assuntos Humanitários. Pelo menos 38 pessoas morreram, incluindo quatro crianças, e 190 ficaram feridas durante os ataques com 40 mísseis, que tiveram como alvo vários vilarejos e cidades ucranianas. O embaixador ucraniano na ONU, Sergiy Kyslytsya, acusou a Rússia de "atacar deliberadamente aqueles que talvez constituem a população mais vulnerável em toda a sociedade", exibindo o que, segundo ele, são provas de um míssil de cruzeiro russo usado contra o hospital infantil de Okhmatdyt. Na foto, o médico Ihor Kolodka (C), colegas e funcionários do hospital em meio à destruição.