O gabinete com maior número de mulheres na história do Reino Unido; a primeira mulher a ocupar o Ministério das Finanças em 800 anos; uma transição ordeira e civilizada; e um chanceler (David Lammy) descendente de escravizados, que mal assumiu o cargo e pediu um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. Depois de uma vitória avassaladora dos trabalhistas, ao conquistarem 412 dos 659 assentos do Parlamento, contra apenas 121 para os conservadores, o novo premiê britânico, Keir Starmer, 61 anos, cumpriu o ritual, inclinou-se diante do rei Charles III, em uma cerimônia chamada de "beija-mãos" e fez o primeiro discurso em frente à 10 Downing Street, a residência oficial do chefe de governo. "Mudar uma nação não é como apertar um botão. E o mundo, agora, é um local mais volátil. Isso levará tempo. Mas, não tenham dúvidas de que o trabalho da mudança começa imediatamente. Não tenham dúvidas de que reconstruiremos a Grã-Bretanha", declarou Starmer.
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O ex-procurador que comandará o Reino Unido fez questão de agradecer o agora antecessor Rishi Sunak. "Por sua façanha, como o primeiro premiê britânico-asiático de nosso país. (...) Reconhecemos a dedicação e o trabalho árduo que ele trouxe com a sua liderança", disse. Starmer prometeu que a reconstrução do Reino Unido será feita "tijolo por tijolo".
Segundo o novo premiê, o Reino Unido "precisa de um reinício maior, uma redescoberta de quem somos". "Não importa quão violentas sejam as tempestades da história, uma das grandes forças desta nação sempre tem sido nossa capacidade de navegar em águas mais calmas", lembrou Starmer. "De agora em diante, vocês têm um governo livre de doutrina, guiado apenas pela determinação de servir aos seus interesses. Para desafiar, silenciosamente, aqueles que descartaram o nosso país. Vocês nos deram um mandato claro e nós o usaremos para entregar mudanças, para restaurar (...) o respeito pela política."
A extrema direita, o partido Reform UK, de Nigel Farage, 60, conseguiu cinco assentos no Parlamento. O próprio Farage também obteve uma cadeira, depois de oito tentativas. "Isso é enorme, rapaz", comemorou, em um vídeo intitulado "A revolta contra o establishment começou" publicado na rede social X. O Partido Conservador, de Sunak, teve o pior desempenho eleitoral em quase dois séculos. Em seu ato de renúncia, Sunak assegurou que deu tudo de si para liderar o Reino Unido. "Vocês enviaram uma mensagem clara e o julgamento que fizeram é a única coisa que importa. É um dia difícil, mas saio do cargo honrado, por ter sido o primeiro-ministro do melhor país do mundo."
O jornalista britânico Tom Baldwin, autor do best seller Keir Starmer — The biography ("Keir Starmer — A biografia), contou ao Correio que conheceu o primeiro-ministro entre 2014 e 2015. "Foi durante a campanha contra o Brexit (divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia). No início, ele não queria uma biografia e se mostrava embaraçoso sobre o fato de eu escrever sobre sua história. Comecei a escerevê-la em 2023 e terminei em fevereiro passado", afirmou, por telefone. "Starmer disse que eu poderia ter acesso completo a ele próprio, aos familiares, amigos, assistentes e pessoas que o conhecem bem. A razão pela qual o livro vale a pena está no fato de as pessoas acreditarem que Starmer é uma figura muito dominante e interessante."
Baldwin (leia Três perguntas para) admitiu que a nova ministra das Finanças, Rachel Reeves, será uma figura-chave no governo de Starmer. "Ao contrário do último governo trabalhista, que contou com disputas intermináveis entre o premiê Tony Blair e seu ministro Gordon Brown, Reeves e Starmer parecem se dar muito bem e partilhar os mesmos objetivos", avaliou. "Este será um gabinete da classe trabalhadora, com líderes que foram frequentemente subestimados, mas que provaram o seu valor, ao superar os obstáculos que apareceram pela frente."
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Tom Baldwin, jornalista britânico, autor de Keir Starmer — The biography ("Keir Starmer — A biografia")
Quais as principais características de Keir Starmer enquanto político?
Ele é implacável. Às vezes, impiedoso e totalmente focado. Provavelmente, será mais adequado como primeiro-ministro, pois lhe faltam algumas competências políticas essenciais ou o "carisma", outrora vistos como necessários para ser um líder de oposição eficaz.
O senhor acredita que ele será capaz de reconstruir o Reino Unido?
Starmer enfrenta uma pressão imediata para garantir maior crescimento econômico, que evitaria a necessidade de cortes nas despesas ou aumento de impostos, duas coisas que ele prefere não fazer. A curto prazo, para conseguir isso, terá que promover uma grande desregulamentação das leis de planejamento, as quais farão novos inimigos dele. Starmer também ficará pouco à vontade com as medidas de longo prazo, como o planejamento industrial e investimentos em infra-estrutura.
O que se pode esperar do novo governo?
Starmer se tornará, progressivamente, mais radical na perseguição a seus objetivos, mas por motivos pragmáticos. Ele não faz a habital atitude política de expor a sua "grande visão" para o país e não concretizá-la. Simplesmente segue em frente. Foi assim que ele mudou o Partido Trabalhista, sem alarde ou pirotecnia, para que se voltasse para fora, para o público, em vez de para dentro, para os seus ativistas. Starmer é uma espécie de antipopulista, em uma época em que aqueles que oferecem soluções simples e slogans de três ou quatro palavras para problemas complexos prosperam na política internacional. (RC)