A pergunta, lançada pela vice-presidente e potencial candidata à Casa Branca Kamala Harris, 59 anos, foi o ponto alto do primeiro comício de campanha, em Wisconsin. "Vocês querem viver em um país de liberdade, compaixão e Estado de Direito — ou em um país de caos, medo e ódio?", questionou aos eleitores reunidos no ginásio da West Allis Central High School, em um discurso de 18 minutos. "O caminho para a Casa Branca passa por Wisconsin", lembrou a democrata, ao citar um dos sete swing states (estados que podem se inclinar para um partido ou para o outro, considerados decisivos para as eleições).
Kamala anunciou que, se eleita, vai comandar um governo do povo e priorizar a classe média. Apenas quarenta e oito horas depois do presidente Joe Biden desistir da reeleição, Kamala conseguiu arrecadar mais de US$ 100 milhões em doações (ou R$ 559 milhões), obteve apoio de todos os delegados da Convenção Nacional Democrata e apareceu na liderança, na primeira pesquisa divulgada desde o último domingo (21/7).
A sondagem da agência de notícias Reuters e do instituto Ipsos mostra que Kamala venceria Trump com 44% contra 42% dos votos — uma pesquisa anterior, feita entre 15 e 16 de julho, indicava ambos empatados, com 44%. No mesmo levantamento, 56% dos eleitores registrados concordam que Kamala é "mentalmente aguçada e capaz de lidar com desafios", em comparação com 49% que pensam o mesmo do magnata Donald Trump, 78, candidato do Partido Republicano.
"Soube essa manhã que temos o apoio de delegados suficientes para assegurar a nomeação democrata", anunciou a ex-senadora da Califórnia, em Milwaukee, ao se dizer "honrada". Exultante, ela prometeu se esforçar, nas próximas semanas, para reunificar o Partido Democrata. Mais cedo, os dois líderes da legenda no Senado e na Câmara dos Representantes, Chuck Schumer e Hakeem Jeffries, respectivamente, avalizaram sua candidatura.
Kamala repetiu o discurso da véspera e lembrou que, quando atuou como procuradora-geral na Califórnia, teve que lidar com fraudadores, predadores sexuais e trapaceiros. "Escutem-me quando eu digo: eu conheço o tipo de Donald Trump", alfinetou. "Nessa campanha, eu prometo a vocês que orgulhosamente colocarei meu histórico diante do dele." Segundo a democrata, Trump depende do apoio de bilionários e de grandes corporações. "Do outro lado, nós estamos conduzindo uma campanha impulsionado com o poder do povo. E temos uma notícia urgente: acabamos de ter as melhores 24 horas de arrecadação de fundos de base na história da campanha presidencial", comemorou. "Nós seremos a primeira presidência do povo", acrescentou.
A potencial candidata democrata procurou se distanciar de Trump, como se as propostas de ambos envolvessem dois extremos. "Nós focamos no futuro; o outro foca no passado. Nós acreditamos em um futuro em que cada pessoa terá a oportunidade não apenas de sobreviver, mas de prosperar", declarou Kamala. "Um futuro em que nenhuma criança cresça na pobreza, em que todos os trabalhadores tenham liberdade de se unir a um sindicato, em que cada pessoa tenha cuidados de saúde acessíveis." A vice-presidente fez um aceno a uma das principais bases do eleitorado que precisa conquistar para vencer em 5 de novembro. "Construir a classe média será o objetivo definidor da minha presidência", disse. "Quando a classe média é forte, os Estados Unidos são fortes."
Segundo Kamala, Trump pretende "levar o país para trás". "Ele e sua agenda extrema do Projeto 2025 enfraquecerão a classe média", advertiu, antes de ressaltar: "Nós não retrocederemos, pois a nossa luta é pelo futuro e pela liberdade". Mais uma vez, a democrata reafirmou o desejo de lutar pela saúde reprodutiva das norte-americanas. "Nós determos a extrema proibição de aborto defendida por Trump, porque acreditamos que as mulheres devem decidir sobre seus próprios corpos, e o governo não deve dizer a elas o que fazer", declarou.
Vice-presidente para Estudos Políticos do Centro Niskanen, em Washington, e autor de Governo e ruína: a queda da moderação e a destruição do Partido Republicano, Geoffrey Kabaservice disse ao Correio que os democratas têm apresentado dificuldades em persuadir uma maioria considerável de americanos de que Trump representa uma ameaça à democracia. "A acusação é, talvez, abstrata demais e enfraquecida pelo fato de muitos sentirem nostalgia daquilo que recordam como as condições econômicas dos primeiros três anos de governo Trump, em comparação com a inflação e a escassez atuais", comentou. Ao mesmo tempo, ele acredita que a população se lembra do caos e da divisão durante a gestão Trump. "Isso será mais destacado quando a retórica dele contra Kamala e os democratas se tornar mais dura e insultuosa. Nesse sentido, Kamala segue uma estratégia sensata, ao oferecer sua candidatura como um antídoto para as divisões dolorosas, a incerteza e o senso de perigo experimentado na gestão do republicano."
Apoios
Kamala Harris obteve apoio maciço do Partido Democrata. Os líderes da legenda no Senado e na Câmara dos Representantes, Chuck Schumer e Hakeem Jeffries, respectivamente, expressaram seu endosso, engrossando uma longa lista que inclui vários governadores, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, a influente legisladora Nancy Pelosi e até a filantropa Melinda French Gates, ex-esposa do cofundador da Microsoft Bill Gates, além do ator George Clooney. "Agora que o processo se desenvolveu desde a base, de baixo para cima, estamos aqui para dar o nosso apoio à vice-presidente Kamala Harris", declarou Schumer. Até o fechamento desta edição, o ex-presidente Barack Obama não tinha abraçado a candidatura de Kamala, companheira de chapa de seu vice, durante os dois mandatos (2009-2017).
DUAS PERGUNTAS PARA
Geoffrey Kabaservice, vice-presidente para Estudos Políticos do Centro Niskanen, em Washington, e autor de Governo e ruína: a queda da moderação e a destruição do Partido Republicano
Que tipo de comportamento se espera de Kamala nos próximos 104 dias, até as eleições?
Trump é o favorito e seria do seu interesse tentar alargar o seu apelo, apresentando-se como um unificador. Mas, como vimos em seu discurso na Convenção Nacional Republicana, ele só consegue manter essa pose durante certo tempo. Depois, regressa ao seu papel habitual de divisor e fornecedor de queixas, insultos e teorias da conspiração. Ele fará ataques demagógicos contra Kamala, como representante da ala progressista do Partido Democrata. Alguns deles se transformarão em misoginia e em racismo absolutos. Kamala ficará tentada a responder na mesma moeda. Ela enfatizará o contraste entre ambos, como liberdade versus caos, democracia liberal versus autoritarismo, respeito à lei e criminalidade. Acredito que seria melhor para ela enfatizar a sua experiência na aplicação da lei e posicionar-se perto da ala moderada do Partido Democrata — um esforço que terá mais probabilidades de ter sucesso se ela escolher alguém dessa ala como vice. Mas ela também pode sentir-se compelida a responder ao populismo de direita de Trump com o populismo de esquerda e a sua própria forma de política de identidade.
O senhor vê o Partido Democrata unificado em torno dela?
Harris fez uma campanha fraca na sua busca pela nomeação presidencial em 2020, e ela não teria sido a primeira escolha de muitos democratas se Biden tivesse anunciado a sua intenção de se aposentar, um ano atrás. Faltam pouco mais de 100 dias para a eleição e simplesmente não há tempo para refazer o processo primário que teria ocorrido se Biden tivesse se afastado antes. Acredito que todo o Partido Democrata a apoiará porque a legenda precisa da máxima unidade se tiver alguma chance de derrotar Trump, e há poucas alternativas a Harris neste momento. (RC)
Biden retorna a Washington e discursa hoje
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, regressou ontem à Casa Branca depois de um período de convalescença da covid-19, em Delaware, e dois dias após anunciar a saída da disputa pela reeleição. O democrata anunciou que fará um discurso no Salão Oval da Casa Branca, hoje, para explicar sua decisão ao povo norte-americano. "Amanhã à noite às 20h (21h em Brasília), eu discursarei à nação do Salão Oval sobre o que está por vir, e como eu terminarei o trabalho para o povo americano", declarou. Na foto, Biden desembarca do Air Force One na Base Aérea Andrews, em Maryland.
RÁPIDAS
Apoio de George Clooney...
Um dos primeiros ativistas democratas famosos a pedir que Joe Biden renunciasse a sua candidatura à reeleição, o ator George Clooney anunciou apoio à vice-presidente Kamala Harris. "O presidente Biden demonstrou o que é a verdadeira liderança. Está salvando a democracia mais uma vez. Estamos muito motivados a fazer o que pudermos para apoiar a vice-presidente Harris em sua busca histórica" pela presidência dos Estados Unidos, disse Clooney à emissora CNN. O astro de Hollywood, um dos principais arrecadadores de fundos para os democratas e um veterano defensor de Biden, pediu abertamente ao presidente de 81 anos que cedesse a um candidato mais jovem, duas semanas atrás.
...e música de Beyoncé
A popstar Beyoncé somou-se à "constelação de personalidades" que divulgaram apoio à democrata Kamala Harris. A diva da música concedeu à potencial candidata permissão para usar a canção Freedom ("Liberdade") na campanha. No domingo (21/7), a mãe de Beyoncé, Tina Knowles, endossou Kamala, em uma publicação nas redes sociais. "Nova, jovem, afiada... Energia!!!", escreveu, ao postar uma foto ao lado da vice-presidente. "Liberdade, liberdade, onde você está? Porque eu também preciso de liberdade. Eu quero correntes sozinha. Não vou deixar minha liberdade apodrecer no inferno. Ei! Vou continuar correndo, porque um vencedor não desistre", diz a letra da música de Beyoncé.
"Pedidos ridículos"
A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, desqualificou os apelos de alguns republicanos, incluindo o candidato a vice-presidente, J.D. Vance, para que Joe Biden renuncie. Ela chamou os pedidos de "ridículos" e afirmou: "O presidente decidiu não concorrer à reeleição — foi isso, foi tudo o que ele decidiu". "Ele continua a fazer o seu trabalho, três anos e meio de um trabalho histórico e sem precedentes. Isso mostra o que ele é capaz de fazer, quão importante é sua liderança", comentou, em entrevista à emissora ABC News. "O que vimos desses presidente nos últimos dias foi decência humana — um bom homem, alguém que decidiu não colocar a si mesmo em primeiro lugar (...), mas o povo americano, o país", acrescentou.
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