Corrida à Casa Branca

Em clima de campanha, Kamala Harris ganha apoio e ataca Trump

Vice-presidente democrata visita comitê em Delaware, promete vencer a eleição e usa os termos "criminoso, predador e trapaceiro" em alusão ao magnata. Partido se unifica pela indicação, mas escolha será feita até 7 de agosto, em voto virtual

Kamala Harris discursa para funcionários do partido, na cidade de Wilmington: defesa pela luta da liberdade e dos princípios da nação  -  (crédito: Erin Schaff/AFP)
Kamala Harris discursa para funcionários do partido, na cidade de Wilmington: defesa pela luta da liberdade e dos princípios da nação - (crédito: Erin Schaff/AFP)

Kamala Harris mergulhou na campanha para tentar derrotar Donald Trump, antes mesmo da Convenção Nacional Democrata, prevista para começar em Chicago, em 19 de agosto. No início da noite desta segunda-feira (22/7), a vice-presidente visitou o comitê do partido, em Wilmington (no estado de Delaware), não poupou ataques ao magnata republicano, deixou claro que vai priorizar o direito ao aborto e prometeu retirar as armas de assalto das ruas dos EUA. "Farei tudo o que estiver em meu poder para unir o nosso Partido Democrata, para unir a nossa nação e ganhar a eleição", declarou. Líderes democratas anunciaram que a escolha do candidato será concluída até 7 de agosto, por meio de uma votação virtual. Eles descartaram uma eleição interna presencial.

Harris lembrou que, antes da carreira política, atuou como procuradora-geral da Califórnia. "Eu me deparei com criminosos de todos os tipos. Predadores que abusaram de mulheres. Fraudadores que roubaram consumidores. Trapaceiros que violaram as regras em benefício próprio. Então, acreditem quando eu digo que conheço tipos como Donald Trump", disse. 

Durante a reunião em Wilmington, Kamala voltou a ser endossada pelo presidente Joe Biden, que fez um pedido, por telefone, de sua casa de praia, aos funcionários de campanha. "Quero dizer à equipe, a acolham. Ela é a melhor", afirmou Biden, 24 horas depois de abandonar a disputa pela Casa Branca. "Sei que a notícia de ontem (domingo) é surpreendente e é difícil para vocês ouvirem, mas foi a coisa certa a fazer", assegurou.

Kamala repetiu o que tinha dito pela manhã, durante evento com jovens atletas, no jardim da Casa Branca, ao elogiar o presidente. "O legado e as conquistas de Joe, nos últimos três anos e meio, são inigualáveis na história moderna. Em um mandato, ele superou o legado da maioria dos presidentes que cumpriram dois mandatos. (...) É minha grande honra ter o endosso de Joe. É minha intenção obter a nomeação e vencer a eleição."

"Não vamos retroceder"

Ela avisou que terá orgulho de confrontar o próprio histórico com o de Trump. "Nossa campanha tem sido sobre duas diferentes visões de futuro para o nosso país. Uma se foca no futuro, a outra se concentra no passado. Donald Trump quer o atraso de nossa nação. (...) Nós acreditamos em um futuro brilhante, feito para todos os americanos", avisou. "Não vamos retroceder. Nossa luta pelo futuro também é uma luta pela liberdade." A potencial candidata democrata prometeu lutar pelos direitos reprodutivos e banir todas as armas de assalto das ruas do país. "Vamos lutar pela liberdade reprodutiva, sabendo que, se Trump tiver a chance, ele vai assinar a proibição do aborto para criminalizá-lo em todos os estados", comentou.

Kamala Harris discursa durante evento com atletas no jardim da Casa Branca: mais de US$ 81 milhões arrecadados em 24 horas
Mais cedo, na Casa Branca, diante de jovens atletas: elogios a Biden (foto: Andrew Hamik/Getty Images/AFP)
 

Mais cedo, Kamala tinha recebido o respaldo de nomes de peso do Partido Democrata, como o ex-presidente Bill Clinton, a ex-primeira-dama Hillary Clinton e a líder da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi. "Com imenso orgulho e otimismo ilimitado pelo futuro de nosso país, eu endosso a vice-presidente Kamala Harris para presidente dos Estados Unidos. Tenho total confiança de que ela nos levará à vitória, em novembro", escreveu Pelosi, 84 anos, uma das figuras mais influentes da legenda. Setenta e cinco porcento dos delegados que votam na Convenção Nacional Democrata também se alinharam à indicação de Kamala.

Em menos de 24 horas, ela ajudou a arrecadar US$ 81 milhões (cerca de R$ 451 milhões) em doações e recebeu o aval dos potenciais adversários na disputa pela nomeação, como os governadores Gavin Newsom (Califórnia) e Gretchen Whitmer (Michigan). No mesmo período, 30 mil voluntários se inscreveram para trabalhar por sua eleição.  

Esforço

O apoio massivo de Kamala se deve, em grande parte, à própria atuação da vice-presidente: desde o início da tarde de domingo (21/7), após o anúncio de Biden, ela fez ao menos uma ligação a cada seis minutos, em busca de unificar o partido. Uma pesquisa divulgada pela emissora CBS News e pelo instituto YouGov mostra que oito em cada 10 eleitores democratas a querem como a escolhida do partido. Ao todo, 1.701 pessoas foram consultadas, em 21 e 22 de julho.

Farida Jalalzai, cientista política do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech), admitiu ao Correio que o Partido Democrata parece estar bastante unido em apoio a Kamala. "O fato de pessoas de alto nível, como os Clintons e Nancy Pelosi, a terem endossado, envia uma mensagem muito forte. É claro que o aval imediato de Biden também foi importante", avaliou. "O casal Clinton se alinha bem com democratas tradicionais. Pelosi tem os ouvidos do establishment do Partido Democrata e parece não ter problema em disciplinar seus colegas partidários."

Para Farida, Kamala terá que praticar um equilíbrio cuidadoso. "Ela enfrentará críticas sobre ser muito liberal, o que será ampliado, por causa de estereóticos associados a gênero e raça ou etnia. Precisará parecer forte, mas não tanto; compassiva, mas não muito. Esse é o duplo vínculo que as mulheres e as pessoas de cor enfrentam na política. Mesmo que ganhe uma nomeação competitiva, alguns alegarão que é a sucessora escolhida a dedo por Biden, o que diminui a sua posição", observou.

A estudiosa de Virginia Tech aposta que a vice-presidente se aproveitará do capital moral superior ao de Trump. "Ela estabeleceu uma carreira jurídica de sucesso e foi promotora de alto nível. Conhece a lei. Trump cometeu várias infrações."

Professor de história e política social da Universidade de Harvard, Alex Keyssar disse à reportagem que Kamala apontará as façanhas do governo Biden e atacará Trump. "Ela retratará o ex-presidente como um criminoso condenado e criticará a posição do Partido Republicano em relação ao aborto", previu. "Trump, por sua vez, se focará em atacar Kamala e Biden, munido de várias alegações falsas, inclusive sobre a imigração. Uma eventual vitória de Trump significaria mais erosão da democracia."

"Tremendo apoio"

O fato de os democratas terem rapidamente se unido em torno de Kamala, em tão pouco tempo, e sem nenhuma oposição real à nomeação, aliado à arrecadação de fundos recorde, sugere um tremendo apoio, energia e entusiasmo por parte da campanha da vice de Biden. Assim pensa a cientista política Lori Cox Han, professora da Chapman University, na cidade de Orange (Califórnia).

Por e-mail, ela explicou que Kamala alia as qualidades de comunicador e política hábil. "Isso ficará em total exibição até 5 de novembro. Ela tem potencial para energizar os eleitores jovens, que não estavam entusiasmados com uma revanche entre Biden e Trump; os eleitores independentes, que não querem o republicano; e as mulheres de todos os espectros ideológicos, que não o apoiam e pretentem proteger os direitos reprodutivos", afirmou a analista.

Lori acredita que Kamala terá a oportunidade de entregar para a população norte-americano uma mensagem voltada para o futuro. "Será um forte contraste com Trump, que quer continuar a litigar o passado. Kamala poderá ser positiva, em comparação com a mensagem sombria e negativa do republicano. Finalmente, Trump tem um teto máximo de apoio entre os eleitores, enquanto o aval a Kamala somente pode aumentar a partir de agora."

 

TRECHOS / Discurso à equipe de campanha

"Como procuradora-geral da Califórnia, eu me deparei com criminosos de todos os tipos. Predadores que abusaram de mulheres. Fraudadores que roubaram consumidores. Trapaceiros que violaram as regras em benefício próprio. Então, acreditem quando eu digo que conheço tipos como Donald Trump"

"Não vamos retroceder. Nossa luta pelo futuro também é uma luta pela liberdade"

"Vamos lutar pela liberdade reprodutiva, sabendo que, se Trump tiver a chance, ele vai assinar a proibição do aborto para criminalizá-lo em todos os estados"

"Tem sido uma das maiores honras da minha vida servir como vice do presidente Joe Biden. O legado e as conquistas de Joe, nos últimos três anos e meio, são inigualáveis na história moderna"

"Em um mandato, ele superou o legado da maioria dos presidentes que cumpriram dois mandatos"

"Nós acreditamos na liberdade, na oportunidade, na justiça, não apenas para alguns, mas para todos"

"Nós próximos 106 dias, temos trabalho a fazer. (...) Temos uma eleição para vencer."

EU ACHO...

Farida Jalalzai, cientista política do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech)
Farida Jalalzai, cientista política do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech) (foto: L.S. King)

"Kamala Harris terá que equilibar o apoio à sua agenda, mas mostrar que tem suas próprias ideias e não é uma marionete do Partido Democrata. Ela deve receber o crédito por alguns dos êxitos do governo Biden, mas, também, não hesitar em falar sobre coisas pelas quais é apaixonada. Kamala se saiu muito bem com o tema dos direitos reprodutivos. Creio que será capaz de manter conversas sustentadas sobre temas relacionados à desigualdade."

Farida Jalalzai, cientista política do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech)

2017. Crédito: Arquivo Pessoal. Alexander Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard.
Alex Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard (foto: Arquivo Pessoal)

"Kamala precisará ganhar muitos votos da classe trabalhadora branca nos principais swing states, especialmente na classe média. Ela naturalmente receberá apoio dos eleitores educados e das minorias. Está claro que o Partido Democrata está unido em torno de Kamala e unificado; isso será essencial para ela derrotar Trump." 

Alex Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard

Lori Cox Han, professor de ciência política da Universidade Chapman (em Orange, Califórnia)
Lori Cox Han, professor de ciência política da Universidade Chapman (em Orange, Califórnia) (foto: Arquivo pessoal )

"Imagino que todos os atuais e antigos nomes de peso democratas apoiarão Kamala nos próximos dias. Ela representa a próxima geração de líderes, o que reflete diretamente no estuiasmo atual. Parece que a Convenção Nacional Democrata está pronta para realizar uma nomeação virtual nesta semana, antes da reunião propriamente dita, em Chicago, no próximo mês."

Lori Cox Han, professora de ciência política da Universidade Chapman (em Orange, Califórnia)

O novo slogan de campanha

Slogan de campanha da Kamala Harris
Slogan de campanha da Kamala Harris (foto: Reprodução)

A imagem viralizou nas redes sociais e se tornou estampa de camisetas e de canecas nos Estados Unidos, 24 horas depois de Joe Biden anunciar a desistência da reeleição. Um desenho do rosto de Kamala Harris com o slogan "Yes we Kam" — uma versão alterada de "Yes, we can" ("Sim, nós podemos"), lema adotado pela campanha do ex-presidente Barack Obama, em 2008.  

  • Mais cedo, na Casa Branca, diante de jovens atletas: elogios a Biden
    Mais cedo, na Casa Branca, diante de jovens atletas: elogios a Biden Foto: Andrew Hamik/Getty Images/AFP
  • Farida Jalalzai, cientista política do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech)
    Farida Jalalzai, cientista política do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech) Foto: L.S. King
  • 2017. Crédito: Arquivo Pessoal. Alexander Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard.
    Alex Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard Foto: Arquivo Pessoal
  • Lori Cox Han, professor de ciência política da Universidade Chapman (em Orange, Califórnia)
    Lori Cox Han, professor de ciência política da Universidade Chapman (em Orange, Califórnia) Foto: Arquivo pessoal
  • Slogan de campanha da Kamala Harris
    Slogan de campanha da Kamala Harris Foto: Reprodução
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postado em 23/07/2024 06:00
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