CONEXÃO DIPLOMÁTICA

Artigo: Dois candidatos no jogo de espelhos

A uma semana de enfrentar as urnas, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, joga uma "rodada de fogo" no esforço para conquistar o terceiro mandato. Olhando no espelho, o presidente venezuelano poderia enxergar o Donald Trump de quatro anos atrás, que resistia a entregar a Casa Branca

Em um dos comícios finais, Maduro advertiu que sua reeleição, no domingo que vem, será
Em um dos comícios finais, Maduro advertiu que sua reeleição, no domingo que vem, será "a última chance" de livrar o país de "um banho de sangue" - (crédito: Presidencia El Salvador)

A uma semana de enfrentar as urnas, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, joga uma "rodada de fogo" no esforço para conquistar o terceiro mandato consecutivo e dar continuidade ao projeto político chavista. A oposição, pelo seu lado, exibe pesquisas de opinião que dão ao seu candidato, o diplomata Edmundo González, vantagem de até 40 pontos sobre o adversário.

Em um dos comícios finais, Maduro advertiu que sua reeleição, no domingo que vem, será "a última chance" de livrar o país de "um banho de sangue", uma guerra civil. Olhando no espelho, o presidente venezuelano poderia enxergar o Donald Trump de quatro anos atrás, que resistia a entregar a Casa Branca ao desafiante Joe Biden, alegando fraude em sua derrota.

Hoje, o bilionário republicano desponta como franco favorito para dar o troco no presidente democrata — mais ainda depois do atentado que sofreu no último fim de semana. Quanto a Biden, cresce a expectativa de que desista da candidatura, sob pressão dos cardeais do partido e da base eleitoral.

Ainda assim, a exemplo do desafeto sul-americano, Trump segue sugerindo que não aceitará outro resultado senão a vitória, nas eleições de novembro.

À meia-luz

A reta final da campanha pelo Palácio Miraflores promete emoções fortes e sobressaltos. Antes de tudo, por conta de um virtual blecaute informativo que deixa eleitores e observadores — inclusive, externos — praticamente às escuras. É como a situação do passageiro do trem-fantasma, que não pode enxergar o que vem pela frente, mas sabe que lhe aguardam sustos.

A incerteza começa pelas pesquisas, que em sua maioria são encomendadas por partidos e candidatos — e cada qual escolhe os números mais favoráveis para apresentar como "confiáveis". O campo governista é mais moderado nas projeções, mas também apresenta sondagens em que Maduro aparece à frente. E aposta, como nos últimos 25 anos desde a primeira eleição de Hugo Chávez, na base social construída pelo patriarca do "socialismo bolivariano".

Deixa disso

O clima que antecede a votação na Venezuela estará no centro das atenções dos parceiros sul-americanos, na semana que começa. O presidente Lula, que no ano passado afiançou um acordo entre governo e oposição para a realização de eleições "livres e justas", mal disfarça a preocupação. Ao lado do colega da Colômbia, o ex-guerrilheiro esquerdista Gustavo Petro, ele joga as fichas na construção de um mecanismo regional que administre a crise e evite a intervenção de "agentes extrarregionais".

Na própria vizinhança, no entanto, a Argentina de Javier Milei puxa a fila dos governos que se alinham aos EUA nas advertências a Maduro para que aceite uma eventual derrota. A Casa Branca, por sinal, se vê às voltas com o dilema de Joe Biden e o desafio de tentar reverter uma derrota que se desenha no horizonte. A torcida pela oposição venezuelana inclui ainda a Europa, que teve uma missão de observação eleitoral desconvidada por Caracas.

Toca outra vez

Quanto a Donald Trump, o discurso de encerramento da Convenção Nacional Republicana, quando aceitou formalmente a candidatura, soou em muitas passagens como a fala de um presidente eleito. Por sinal, o favorito nas pesquisas uma vez mais "antecipou" o início do próprio governo para a noite da votação. A ênfase ficou em temas domésticos, com grande espaço para relatos e reflexões sobre o atentado frustrado.

Mas houve espaço para um par de temas de política externa. Como tem repetido desde fevereiro de 2022, o presidenciável republicano insistiu em que entrará em campo para "resolver" a guerra na Ucrânia antes mesmo de tomar posse. O prazo vale também para o conflito entre Israel e o Hamas, mas nesse tópico o candidato toma partido claro: advertiu o movimento palestino para "consequências severas", caso não liberte até novembro os reféns israelenses que capturou em outubro de 2023.

Trump não falou diretamente sobre a América Latina, a não ser para reafirmar a política de linha-dura contra a imigração ilegal para os EUA. Indicação clara de que o tom será o mesmo do primeiro mandato, quando impôs sanções à Venezuela e transformou na prática em letra morta o reatamento de relações com Cuba, celebrado pelo antecessor democrata Barack Obama.

 


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postado em 20/07/2024 06:01
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