Donald Trump esteve no centro do noticiário americano e mundial nesta semana.
No sábado (17/7), ele escapou de um atentado a tiros durante um comício na Pensilvânia.
Em seguida, reapareceu diante do público em Milwaukee na Convenção do Partido Republicano, convocada para consolidar sua candidatura à Casa Branca.
E, no mesmo evento, ele escolheu seu candidato a vice, o senador republicado J.D. Vance, de Ohio.
O vencedor das eleições americanas só será definido em novembro, mas pesquisas indicam que Trump está em vantagem em relação ao presidente Joe Biden, que busca a reeleição.
Números recentes do agregador de pesquisas fivethirtyeight colocam Trump com 42,3%, na frente de Biden, com 40,3%, e do candidato independente Robert Kennedy Jr., com 9%.
Analistas políticos ainda estão divididos sobre qual impacto as notícias desta semana terão na campanha dos candidatos de agora em diante.
No Brasil, analistas de relações exteriores também estão atentos. Uma mudança de poder na Casa Branca tem potencial para alterar a relação entre Brasil e Estados Unidos — uma das mais importantes da diplomacia brasileira.
A BBC News Brasil conversou com especialistas para entender o impacto que uma possível vitória de Trump teria no Brasil em quatro campos – na disputa ideológica na região, na economia, no meio ambiente e na política externa.
1) Disputa ideológica
Uma vitória colocaria Brasil e EUA em posições ideológicas muito distantes.
Lula é um político de esquerda que defende grandes gastos e presença do governo e possui uma pauta progressista em relação ao meio ambiente e direitos humanos. Trump representa a direita e defende redução de impostos, redução do tamanho do Estado na economia e tem uma pauta conservadora de costumes.
Além disso, Trump é próximo de políticos que se opõem a Lula. Em 2018, antes da eleição brasileira, Trump apoiou Jair Bolsonaro e disse, em mensagem dirigida aos eleitores brasileiros, que Lula era um "lunático de esquerda" que "destruirá rapidamente o seu país".
No começo deste ano, Trump e o presidente argentino, Javier Milei, se abraçaram em uma reunião de políticos conservadores em Washington. Milei vem atacando Lula com palavras duras e associou o atentado contra Trump à "esquerda internacional".
Lula também já criticou o ex-presidente americano. Neste mês, o brasileiro chamou Trump de mentiroso e disse que ele vai tentar tirar proveito do atentado que sofreu.
Analistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que uma eventual vitória de Trump na eleição americana poderia dar um impulso a movimentos de direita como o bolsonarismo no Brasil.
"Um candidato de extrema-direita ganhando uma eleição num país como os Estados Unidos acentua o discurso e encoraja as pessoas, e isso tem todo um efeito cascata em outros países", diz a diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Andreza de Souza Santos.
Para Christopher Sabatini, pesquisador-sênior do Programa de América Latina, Estados Unidos e Américas do centro de estudos Chatham House, no Reino Unido, esse impulso não seria apenas simbólico.
"Uma vitória não teria apenas o impacto de soft power [um poder brando, de influência] na região. Provavelmente haveria investimento em dinheiro e esforço na tentativa de construir e fortalecer uma rede política de extrema direita", diz Sabatini.
"Vimos [o ex-assessor de Trump] Steve Bannon e outros tentando ativamente alimentar esses relacionamentos, seja Nayib Bukele [em El Salvador], seja Milei [na Argentina], até mesmo José Antonio Kast no Chile."
Para o brasilianista (especialista em Brasil) Anthony Pereira, professor e diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center da Florida International University, nos Estados Unidos, movimentos como o bolsonarismo se sentiriam fortalecidos por uma eventual vitória de Trump.
"Acho que se Trump vencesse, isso estimularia a causa bolsonarista. Eu vi um exemplo disso em maio. Houve uma audiência de um subcomitê do Comitê de Relações Exteriores na Câmara dos Deputados dos EUA. Paulo Figueiredo [economista e blogueiro conservador, neto do ex-presidente João Figueiredo] foi um dos palestrantes e você pode ver que os republicanos no Congresso apoiam a narrativa bolsonarista de que o governo Lula está reprimindo a liberdade de expressão."
Andreza Souza dos Santos afirma que existe um risco de maior deterioração da democracia em um segundo mandaro de Trump.
"Nós vemos, por exemplo, o que aconteceu na Hungria com o segundo mandato de líderes mais autoritários, foi que houve um recuo da democracia muito mais intenso. E em um contexto de violência política, eu acho que podemos esperar uma escalada maior nesse sentido. E isso pode dar um certo termômetro para o que pode vir acontecer no Brasil também em um mandato menos progressista no futuro", afirma a pesquisadora de Oxford.
2) Economia
Apesar das diferenças ideológicas, os analistas ressaltam que os fundamentos da relação bilateral entre Brasil e EUA não devem mudar.
Neste ano, Brasil e EUA comemoram 200 anos de relações diplomáticas.
Os EUA são o principal destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados e são também os maiores investidores no Brasil. Em 2022, o comércio bilateral totalizou US$ 120,7 bilhões.
Segundo dados do setor privado americano, as exportações dos EUA para o Brasil sustentam quase 130 mil empregos nos EUA, e as exportações brasileiras para o país sustentam mais de 500 mil empregos no Brasil.
Anthony Pereira lembra que diferenças ou afinidades ideológicas entre presidentes no passado não se refletiram necessariamente em decisões comerciais e econômicas.
Em 2018, o governo de Jair Bolsonaro foi pressionado pelo governo Trump a excluir a empresa chinesa Huawei de licitações de telecomunicações da tecnologia 5G. A preocupação é que a empresa poderia ser usada para espionar países ocidentais a mando do Partido Comunista Chinês.
Apesar de tanto Trump quanto Bolsonaro compartilharem de uma retórica anti-China, o governo brasileiro não excluiu a Huawei da licitação.
"Sob Bolsonaro, o governo brasileiro resistiu à ideia de excluir a Huawei do leilão de 5G. O argumento dos EUA não foi suficiente para convencer os políticos brasileiros, embora o presidente fosse muito alinhado com Trump", diz Pereira.
Para Sabatini, existe um risco de os EUA darem uma guinada protecionista na economia sob Trump, a exemplo do que foi feito no seu mandato passado, quando ele subiu tarifas contra produtos estrangeiros.
"Trump já deixou claro que deseja aumentar as tarifas generalizadas sobre o aço, o que já afetou o Brasil. Ele tentaria fechar a economia dos EUA como forma de proteção contra as importações e estimular mais produção dos EUA em maneiras que prejudicam muitas exportações do Brasil, especialmente em aço e outros produtos têxteis e similares", diz Sabatini.
Já Pereira acredita que os EUA nunca abandonaram o protecionismo — nem mesmo quando Biden chegou ao poder.
"O protecionismo foi iniciado sob Trump. Ele aumentou muitas tarifas, mas Biden não desmantelou essas tarifas e essas proteções. Por exemplo, você tem uma tarifa de 100% sobre veículos elétricos chineses sendo exportados para os EUA", afirma Pereira.
3) Meio ambiente
Uma área prática onde deve haver grande mudança na relação bilateral — segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil — é no combate às mudanças climáticas.
Sob Lula, o Brasil reduziu o desmatamento na Amazônia e ampliou suas metas de redução de emissões de gases nocivos ao meio ambiente – com corte de 48% até 2025 e de 53% até 2030.
Já Trump é conhecido por ser cético em relação ao impacto da ação humana no aquecimento do planeta — posição que contraria o consenso científico sobre o tema. Uma de suas primeiras medidas quando eleito em 2016 foi abandonar o Acordo do Clima de Paris — um compromisso internacional de redução de emissões, com meta de emissão zero para 2050.
Sob Biden, os EUA voltaram ao Acordo de Paris em 2021. Ainda não há detalhes sobre o projeto de governo de Trump, mas acredita-se que ele voltaria a retirar o país do compromisso internacional.
O meio ambiente é uma das grandes bandeiras internacionais do governo Lula. O Brasil vai sediar em 2025 a COP — conferência da ONU sobre o clima, onde países articulam políticas internacionais de combate ao aquecimento global.
"[Caso Trump seja eleito], ele pode não enviar ninguém para a COP no Brasil. Ou enviar alguém que seja cético sobre mudanças climáticas. E isso forçaria o Brasil a procurar outros parceiros", diz Pereira. Para o brasilianista, isso poderia aproximar o Brasil de países como França, Alemanha e Reino Unido na agenda ambiental.
Para Sabatini, caso Trump seja eleito, haveria menos pontos de colaboração entre EUA e Brasil na questão climática.
"Trump seria mais uma exceção globalmente e enfraqueceria a coalizão que o Brasil tentou construir sobre questões ambientais."
Mas ele ressalta que mesmo sob Biden, cuja gestão priorizou o meio ambiente, não houve avanços significativos na colaboração entre Brasil e EUA contra mudanças climáticas.
"Nunca houve uma colaboração tão profunda entre Biden e Lula como poderia ter havido. Acho que isso foi um choque para muitas pessoas na Casa Branca. Quando Lula visitou Biden, na primeira visita após sua posse, a proposta de Biden para apoiar o trabalho na Amazônia era muito menor do que o esperado."
"Não houve um esforço tão completo para se envolver em uma série de questões além de apenas um projeto bilateral como poderia ter havido. Acho que foi uma oportunidade perdida."
4) Política externa
Política externa é outro campo com possíveis divergências entre Brasil e EUA, caso Trump seja eleito.
Sabatini afirma que Lula persegue uma política externa marcada pela independência, multipolaridade e anti-hegemonia americana. Já Trump defende uma presença mais agressiva dos EUA e dá menos importância à multipolaridade.
Segundo o analista, os EUA sob Trump estariam mais propensos a perseguir políticas como embargo a Cuba e sanções à Venezuela — que são rechaçadas por Lula.
Um ponto potencial de grande divergência é o conflito em Gaza. Analistas acreditam que um governo Trump estaria muito mais alinhado ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em sua guerra contra o Hamas.
Já Lula é crítico da ofensiva israelense e vem pressionando por cessar-fogo e negociações de paz.
Mas curiosamente pode haver um ponto de convergência: a Ucrânia. O Partido Republicano dos EUA tem trabalhado contra o envio de mais ajuda militar à Ucrânia na sua guerra contra a Rússia — uma das pautas do Partido Democrata de Biden.
Trump é visto como possivelmente mais próximo de Vladimir Putin.
O governo Lula também mostra um certo distanciamento em relação à Ucrânia. O presidente brasileiro chegou a dizer que o presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, era tão responsável pelo conflito na Ucrânia quanto Putin.
No mês passado, Lula não participou na Suíça de uma cúpula pela paz na Ucrânia, argumentando que não faria sentido a realização de um encontro sem a presença de representantes russos.
Sob Trump, o governo americano poderia desafiar o consenso ocidental que atualmente combate Putin.
"Na questão da Ucrânia, um eventual governo Trump pode desafiar as instituições internacionais liberais tradicionais e isso poderia ser recebido com uma certa simpatia por parte do governo Lula, o que é irônico", afirma Sabatini.
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